Os Emirados Árabes Unidos e Omã enfrentaram na última semana chuvas torrenciais que provocaram graves inundações, danificaram infraestruturas, obrigaram ao encerramento de escolas, deixaram milhares de pessoas fechadas em casa e provocaram pelo menos 21 mortos. Só no Dubai, choveu em apenas 24 horas o equivalente à media anual do país. O pico foi registado no emirado de Al Ain, próximo da fronteira com Omã, com a precipitação a atingir 254 mm de chuva em menos de 24 horas — a maior quantidade de sempre no período de um dia desde que os registos começaram, em 1949.

Num país onde este tipo de fenómenos é raro, rapidamente se multiplicaram teorias para o tentar explicar. Nas redes sociais, uma das hipóteses que se disseminou foi a de que se tratava de um resultado direto do chamado processo de “semear nuvens”, uma técnica usada nessa e noutras regiões para aumentar o nível de precipitação. Mas afinal que processo é este? E pode explicar o que aconteceu no Dubai?

Os Emirados Árabes Unidos, uma das regiões mais secas e quentes do planeta, são um frequente utilizador do processo de “semear nuvens” (em inglês, cloud seeding). Esta técnica, que é usada há décadas, consiste em depositar nas nuvens substâncias que alteram a sua estrutura e aumentam a probabilidade de chuva ou de queda de neve. Normalmente são usadas partículas de iodeto de prata, mas também pode ser usado gelo seco ou outros elementos.

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As substâncias são depositadas nas nuvens com recurso a aviões ou drones. A técnica também pode ser usada a partir do solo, através de estações que lançam as partículas na direção das nuvens. No fundo, estas incentivam a água que já está no céu a condensar mais rapidamente e a libertar-se em certos locais. Mas isso não acontece sem humidade. “São necessários níveis elevados — ou pelo, menos aceitáveis [de humidade] —, caso contrário não é possível”, diz ao Observador o climatologista Mário Marques.

As primeiras experiências para testar esta técnica remontam a 1940 e, desde então, são vários os países que têm apostado nela. A China é um dos países onde a prática é mais frequente e cada cidade tem um plano local para “semear nuvens”, que é implementado por investigadores em cooperação com os militares. Entre junho e novembro de 2022, por exemplo, foram realizados 241 voos e 15 mil lançamentos, segundo noticiou o jornal People’s Daily. Nos Estados Unidos, o método tornou-se popular a partir da década de 1960, refere à Associated Press, e são vários os estados a recorrer a esta prática. Utah, Dakota do Norte e Wyoming foram alguns dos mais recentes a fazê-lo.

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Este procedimento é também uma grande aposta nos Emirados Árabes Unidos, na tentativa de espremer cada gota de humidade de um céu que normalmente produz entre 10 a 13 centímetros de chuva por ano. Em 2017, por exemplo, o governo investiu 15 milhões de dólares em projetos para aumentar o nível de precipitação no país.

Na sequência das chuvas desta semana, rapidamente se sugeriu que nos dias anteriores ou no próprio dia teriam ocorrido operações para “semear nuvens”. No entanto, em resposta à Reuters, a agência metereológica dos Emirados Árabes Unidos garantiu que não existiram quaisquer operações antes da tempestade. Mas mesmo que a técnica tivesse sido usada, vários especialistas apontam que nunca teria tido um impacto tão grande.

Ao Observador, o climatologista Mário Marques diz não ter dúvidas de que este fenómeno nunca poderia ter sido provocado por aquela técnica. “Isto é um sistema muito grande em termos geográficos, quase cerca de 900 km de diâmetro. Não podia ser com recurso a cloud seeding, não faz sentido“, refere. Acrescenta que, se for efetuado com várias esquadrilhas de aviões, pode ter um efeito local significativo, mas que é uma operação “dispendiosa” e com limitações.

Sobre a tempestade, refere que veio do interior da Península Arábica e que foi influenciada pela zonas de mar mais quentes. “Ao chegar ao mar do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho, com a humidade e com as temperaturas de água do mar elevadas, reuniu-se uma grande energia para que aquilo se desenvolvesse”, explica.

Há quem note também que o fenómeno pode ter sido exacerbado devido às alterações climáticas. “As chuvas provenientes de tempestades, como as que observamos nos Emirados Árabes Unidos nos últimos dias, aumentam de frequência devido ao aquecimento. Isto acontece porque a convecção, que é a forte corrente ascendente nas tempestades, se fortalece num mundo mais quente”, disse à Reuters Dim Coumou, professor da Vrije Universiteit Amsterdam que investiga fenómenos climáticos extremos. Um estudo recente, publicado na Scientific Reports, sugere que a precipitação anual pode aumentar até 30% em grande parte dos Emirados Árabes Unidos até ao final do século, à medida que o mundo continua a aquecer.

Mário Marques acrescenta que nos últimos anos “existe cada vez mais energia acumulada naquela área do globo”. “Na Índia, antes da época das moções, sobretudo nesta altura, entre março, há muita energia acumulada. As águas no Mar Vermelho estão extremamente quentes e voláteis em termos de calor latente e de transpiração da água para a atmosfera”, refere.

O processo de semear nuvens é, de resto, muito controverso entre a comunidade científica. Mário Marques sublinha que não é uma aposta sólida para resolver a seca e explica que o uso da técnica pode ter efeitos negativos nas áreas vizinhas. “Essa humidade, estando num local e sendo aglutinada por esse local, obviamente que vai ter repercussões nas parcelas envolventes, tanto que ficam sem humidade”, refere.

Conclusão

As chuvas torrenciais nos Emirados Árabes Unidos e Omã não foram provocadas pelo processo de “semear nuvens”. Os especialistas falam num fenómeno normal, ainda que incomum na região, e potencialmente exacerbado pelas alterações climáticas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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