Um neurocirurgião deu uma entrevista a propósito das vacinas que estão a ser desenvolvidas para travar a propagação da Covid-19 e garantiu que mais de 5% dos voluntários dos testes da CoronaVac, da empresa chinesa Sinovac Biotech, teria sentido efeitos secundários e que o fármaco poderia matar mais do que a evolução natural da doença. As afirmações tornaram-se virais, mas Paulo Porto de Melo tirou números do contexto, comparou dados de origens diferentes (taxa de mortalidade registada durante a pandemia e percentagem das pessoas que receberam a vacina e tiveram algum tipo de efeito secundário) e essas informações cruzadas não correspondem à realidade.
O médico brasileiro falou com a rádio “Jovem Pan” a 21 de outubro e disse que, “segundo dados de um estudo desenvolvido na Universidade Stanford, na Califórnia, estima-se que a taxa de letalidade global da Covid-19, incluindo o Brasil, é de 0,3% e que cerca de 10% da população mundial foi infetada pela doença. Sendo assim, ainda temos 90% das pessoas suscetíveis ao vírus”. Continuou, acrescentando outros dados: “O índice de efeito colateral da vacina chinesa, por sua vez, é de 5,37%, ou seja, quando colocamos esses 5% de chances de efeito colateral sobre a porcentagem da população brasileira que ainda não foi infetada, com certeza, vai morrer gente.”
Com isto, Paulo Porto de Melo tentou demonstrar que não faz sentido usar uma vacina que cause efeitos secundários em 5,37% das pessoas quando a taxa de mortalidade do novo coronavírus à escala global é de 0,3%, um número bastante inferior.
“Talvez a vacina contra covid-19 mate ou prejudique mais gente do que a própria evolução da doença. Nós, médicos brasileiros, sabemos tratar a doença. Temos tratamentos para as fases precoce, intermediária e avançada então, por que vamos correr para fechar a economia ou lançar vacinas sem, ao menos, entender suas complicações a longo prazo?”, questionou. Porém, o neurocirurgião relacionou dados que não podem ser misturados.
Começando pelo estudo sobre a taxa de mortalidade citado pelo médico na entrevista, ele foi, de facto, elaborado por um investigador de Stanford e diz que a média de mortes causada pelo vírus em todo o mundo é de 0,27% (arrendondando, correspondem aos tais 0,3% de que Paulo Porto de Melo fala). No entanto, este documento já foi criticado por não separar, por exemplo, as vítimas por idades ou os pacientes com comorbidades.
Passando para os dados da CoronaVac, que no Brasil está igualmente a ser testada num processo conduzido pelo Instituto Butantan, foram feitas atualizações relativas à China e ao Brasil. A 23 de setembro, Dimas Tadeu Covas, diretor do centro de pesquisa de biologia de São Paulo explicou que, dos 50.027 voluntários chineses que receberam a dose experimental, 5,36% (e não os 5,37% referidos por Porto de Melo) apresentaram efeitos secundários. Desses, 0,03% foram catalogados como “mais graves” (passaram por fadiga, dores de cabeça e falta de apetite). Cerca de um mês mais tarde, foram apresentados os dados observados no Brasil. Entre os nove mil voluntários, 35% tiveram reações ligeiras, como dor no local da aplicação da vacina, cansaço ou dores de cabeça. Nem na China nem no Brasil houve, até agora, mortes decorrentes dos testes, contrariamente ao que sugeriu o neurocirurgião na rádio.
Confrontado pela plataforma de fact check “Aos Fatos” com a afirmação de que a CoronaVac pode ser mais fatal do que o próprio vírus quando não há nenhum óbito registado, Paulo Porto de Melo manteve a sua posição, dizendo apenas que a vacina em testes tem um “baixíssimo tempo de observação”. Quanto ao facto de ter comparado números que não podem ser relacionados, o médico não respondeu.
Conclusão
As afirmações de que a CoronaVac pode matar mais pessoas do que o vírus, feitas por um neurocirurgião brasileiro, não correspondem à realidade. Primeiro, Paulo Porto de Melo juntou dados completamente diferentes que não podem ser comparados (a taxa de mortalidade da Covid-19 a nível mundial e a percentagem de voluntários da vacina que tiveram algum tipo de reação). Em segundo lugar, não há nenhuma morte registada entre as pessoas que estão a participar no ensaio clínico, tanto na China como no Brasil.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
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