“O investimento direto estrangeiro cresceu em todos os setores, exceto num: o das telecomunições”. O ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, contrariou no Parlamento – num debate de urgência convocado pelo PSD sobre captação de investimento e crescimento económico que se realizou na semana passada – a ideia de que o investimento estrangeiro está em quebra por falta de confiança no Governo.
Teses
Há muito que o PSD insiste na ideia de que o investimento está a diminuir, em particular o estrangeiro, por falta de confiança dos investidores externos no atual Governo. O Governo responde com gráficos, com o Banco de Portugal como fonte, que demonstram o contrário.
No início da semana passada, em Castelo Branco, Passos Coelho acusou o governo de se autodestruir perante os investidores estrangeiros: “Agora dá a impressão de que o Governo em funções se aplica em colocar Portugal no radar do desinvestimento. E praticamente todas as semanas envolvem-se em novas polémicas que assustam os investidores, afastam Portugal de um radar positivo, estável e de confiança para o colocar num radar de um país com instabilidade fiscal, com incerteza quanto ao futuro.”
A guerra de números ficou ao rubro, entre gráficos e vídeos. Em sentido inverso, no último debate quinzenal, o primeiro-ministro António Costa, disse, também de gráfico na mão, que “relativamente ao investimento estrangeiro, de sociedades não financeiras, é de referir que, ao longo do ano de 2015 é que foi sempre, sempre a diminuir.”
O PSD, num vídeo divulgado na última quinta-feira no Youtube, acusou prontamente o governo de manipulação, dizendo que ocultou desse mesmo gráfico — que mostrava várias barras negativas — “o primeiro trimestre de 2015, em que houve um crescimento de 34,2%”.
Passado à parte, resta saber se o investimento estrangeiro está a cair ou a aumentar neste momento.
Com o investimento público a cair — e isso é consensual da esquerda à direita — o Governo apresentou no Parlamento vários indicadores em que o Investimento Direto Estrangeiro (IED) cresceu face ao ano passado. Caldeira Cabral revelou que comparando o primeiro semestre de 2015 com o primeiro semestre de 2016 há “um aumento de 70% no investimento da Indústria, 60% na Indústria transformadora e estamos a falar de investimento produtivo, que cria emprego.”
Caldeira Cabral fez assim uso dos dados do Banco de Portugal, para mostrar que o IED “aumentou em todos em todos os setores, exceto num: o das telecomunicações, porque no primeiro semestre do ano passado houve a compra da PT pela Altice, que foi uma enorme entrada de dinheiro para comprar ativos já existentes, portanto não criou de imediato empregos.”
O CDS, através do deputado Hélder Amaral, diz que este argumento é “um martelar, uma falta de rigor”, pois o investimento também cresceu este ano através de “uma operação extraordinária, a venda a Açoreana [à Apollo], por 130 milhões de euros.”
O ministro sustentou ainda que o “aumento de 70% na indústria transformadora é um bom sinal” e materializa-se com vários “projetos novos que estão a começar, como o da Continental, como o da Bosch, como o anunciado ainda ontem [terça-feira] da Renault, de 150 milhões”.
O caso não se ficou pelo Parlamento. Já se sabe que, para Jorge Coelho, “quem se mete com o PS, leva”. O antigo homem do aparelho levou então dados sobre o investimento para o programa Quadratura do Círculo (SIC) na semana em que houve debate no Parlamento. Objetivo: “acabar com a mentira” da oposição de que o investimento estrangeiro está a cair.
Durante o programa, houve um close up em que se percebeu que os gráficos que mostrava tinham sido enviados pela chefe de gabinete do ministro Manuel Caldeira Cabral. Jorge Coelho admitiu depois ao Observador que foi por sua iniciativa que entrou nesta guerra de números e pediu dados ao ministério: “Sou um cidadão livre, qual é o problema de pedir informações a quem quero pedir? Eu peço informações a quem quiser.”
Os factos
O governo tem razão quando diz que o Investimento Direto Estrangeiro já tinha caído em 2015 durante a governação PSD/CDS. De 2014 para 2015, de acordo com o relatório anual da agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o investimento direto estrangeiro em Portugal caiu 1411 milhões de euros em 2015, tendo ficado em 5 379 milhões de euros.
Mas vamos ao mais importante para o debate: a comparação entre 2015 e 2016. Após espicaçado pela oposição no Parlamento, o ministro disse que não estava a utilizar “dados secretos“, uma vez que os mesmos estavam disponíveis no Banco de Portugal (BdP). O Observador pediu esses mesmos números ao regulador.
E então o que dizem os dados do BdP? Comecemos pela posição do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) em Portugal, comparando o que é comparável: o primeiro semestre de 2015 (governo PSD/CDS) com o primeiro semestre de 2016 (governo PS).
Se olharmos ao total da economia, no primeiro semestre de 2016 a posição do investimento direto estrangeiro em Portugal estava nos 109.296 milhões de euros, contra 106.528 milhões de euros em 2015, o que representa um aumento de 2,6% (mais 2,77 mil milhões) face ao mesmo período do ano anterior. O aumento da posição do IDE ainda é maior se comparado com o segundo semestre de 2015 (3,5%).
Para despistar se o investimento direto estrangeiro está a aumentar é preciso ainda ver o valor das transações do IED. Ou seja: o dinheiro que entrou em determinado período. Aí, no primeiro semestre de 2015, o valor chegou aos 5895 milhões de euros, enquanto no primeiro semestre de 2o16 se ficou pelos 3.923 milhões de euros. Ora, em termos factuais isto representa menos 1.972 milhões a entrar em Portugal.
Mas aqui há um fator preponderante: a compra da PT pela Altice (o pico que se vê no gráfico no segundo trimestre de 2015). Olhando, novamente, para os dados do BdP, vê-se que a rubrica onde entra a venda da PT levou a que houvesse um investimento, só no segundo trimestre de 2015, de 6.787 milhões de euros. Isso impulsionou em mais de 6 mil milhões o IED do primeiro semestre.
A oposição tentou defender-se ao dizer que no investimento deste primeiro semestre de 2016 também foi impulsionado pela venda da seguradora Açoreana (que pertencia ao Banif), aos norte-americanos da Apollo. Mesmo que já tenha sido contabilizada, tratam-se apenas de 130 milhões de euros, longe de ter um impacto tão relevante como a PT.
Falta ainda confirmar se a única rubrica que caiu foi mesmo o setor das telecomunicações, referido nos dados oficiais do BdP como “atividades de comunicação e de informação”. Aí, a divisão feita pelo ministério de Caldeira Cabral não corresponde à do Banco de Portugal. No gráfico que o ministro mostrou no Parlamento, havia uma rubrica, apontada como “utilities e construção”, onde o investimento terá subido mais de 100%. De acordo com o BdP as coisas não são bem assim e há uma quebra do investimento para menos de metade no setor da “construção”: no primeiro semestre de 2015 foi de 42,24 milhões e no mesmo período de 2016 de apenas 13,14 milhões. O mesmo acontece se forem agregados todos os setores que correspondem aos serviços, mas, mais uma vez, impulsionados pela venda da PT.
Nas restantes rubricas o investimento cresceu mesmo, como garantiu o ministro (e mostram os dados): “indústria transformadora” e “eletricidade, gás e água” e nos restantes quatro setores incluídos em “serviços”: comércio por grosso e a retalho e reparação de veículos automóveis e motociclos”; “imobiliário”; “atividades financeiras e de seguros”; e ainda “atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares”.
A conclusão
Praticamente certo. Efetivamente o investimento estrangeiro em Portugal está a aumentar, como diz o ministro. Os números não demonstram nenhuma debandada como teme e tem alertado a oposição. Se os investidores estiverem mesmo a fugir, isso ainda não teve impacto no primeiro semestre deste ano. O teste do algodão são os números do Banco de Portugal, que demonstram que a posição do IED cresceu em comparação com o primeiro semestre de 2015 (2,53%) e ainda mais se comparado com o segundo semestre do mesmo ano (3,5%). Outra prova é o facto do investimento externo estar a crescer em vários setores, embora aqui o governo não tenha contado a história toda.
Quanto às transações, referentes ao dinheiro que entra no país, o governante não mentiu ao dizer que está a aumentar em quase todas as rubricas e que a quebra que existe é provocada pelo impacto que a venda da PT à Altice teve em 2015. O ministro só não está totalmente certo naquilo que disse no Parlamento porque há um setor onde o investimento cai além das telecomunicações: a construção (quando vista isoladamente e nos parâmetros do BdP).