Aproveitar agora, antes que os filhos saiam de casa |
Há uns meses, comprámos um monte(zinho) no Alentejo. Tínhamos ambos o sonho de ter uma casa grande perto de Lisboa, com bastante terreno (para os nossos padrões do que é “bastante” terreno, não vão agora pensar que nos tornámos latifundiários – era bom, mas não corresponde à verdade), quartos para os filhos todos e também os filhos dos filhos, um dia. Gostávamos que aquela casa servisse para nos divertirmos todos já, enquanto eles ainda vivem connosco, mas que estivesse sempre de portas abertas, no futuro, para quem quisesse vir, fosse a que horas fosse (filhos, noras, genros, netos, amigos dos filhos) e a mesa sempre preparada para receber mais um, mais dois, mais dez. Queria que os filhos, já adultos e com as suas famílias, sentissem genuíno prazer em aparecer e passar o fim-de-semana, sem ser por obrigação ou frete. Mas… |
Mas acontece que tenho um projeto (de que já aqui falei) de entrevistas de vida por encomenda. Chama-se A Voz, porque é uma entrevista em áudio, sem imagem ou vídeo, justamente porque a ideia subjacente é a de que temos milhares de fotografias daqueles que amamos, mas nem sempre temos a sua voz. E poder guardar a história daquela pessoa, contada pela própria, pode ser precioso. |
E tem sido precioso, para as pessoas que recebem a caixinha com “A Voz”, para os entrevistados (que por vezes encontram ali alguém que, finalmente, os oiça, com vagar), e para mim. Mas. De novo o “mas”. Há sempre lições duras que se retiram de quem já viveu muito. E mesmo que nem todos contem histórias semelhantes, mesmo que nem todos tenham tido experiências sequer parecidas, a verdade é que existe um denominador angustiantemente comum: os filhos estão ocupados, os netos têm as suas vidas, e estas pessoas, de idades avançadas, sentem-se muitas vezes sozinhas. Mais do que sozinhas, sentem-se sós. E é bonito ver como desculpabilizam tudo, “eu compreendo, é a vida corrida de hoje”; “é o trabalho”; “têm tanto que fazer”, mas de cada vez que acabo mais uma entrevista, sinto que existe um caminho de solidão que é quase inevitável. |
Umas das minhas últimas entrevistadas, disse-o de uma forma muito lúcida, muito simples e muito clara: “Durante muitos anos pensei que os filhos casavam e isso representava um acrescento à nossa família. Era a mesma coisa, só que com mais gente. Demorei muito tempo a compreender que não. A família nunca mais fica igual. Quando os filhos vão à sua vida, constroem outra família, com pessoas totalmente diferentes, com outros ritmos e prioridades, e as coisas nunca mais são como antes.” |
E se isto, escrito assim, parece básico, daquelas verdades que todos sabemos desde sempre, porque já vimos acontecer, porque aconteceu connosco e porque é previsível que aconteça com os nossos filhos, o certo é que quando ela o disse, da forma como o disse, atingiu-me como uma seta. Tenho um filho de 21 anos. Quanto tempo mais o terei, no modelo que sempre conheci? |
E foi então que olhei para o monte, para aquele sonho de sermos os velhos fixes que recebem toda essa família alargada de noras e genros e netos e pensei em todas as casas de férias que pais por esse mundo compraram ou construíram com esse intuito e depois as viram dolorosamente vazias. E foi então que cheguei à conclusão de que a casa é para curtir agora. Já. Enquanto é tempo. |
Estou a deprimir-vos? Vamos lá então mudar esta nuvem negra de sítio, que também não aprecio ficar debaixo dela muito tempo (só o necessário para alinhar a rota). Temos agora uma espécie de missão (eu, pelo menos, tenho): continuar, como até aqui, próximos dos pais, e aproveitar os filhos o mais que pudermos, enquanto eles estão nesta família, desta maneira que sempre conhecemos e antes que vão para outras paragens e isto deixe de ser como era. |
A casa nova tem estado em obras (eram para durar dois meses, já vão em quatro – ah, obras, esse plano sempre falhado!) e vamos lá todos os fins-de-semana matar saudades, ver a evolução das coisas e enervar-nos (por esta ordem). Geralmente, os mais velhos nunca querem ir (ups… ) e o mais novo vai arrastado. Vá, não posso ver propriamente nisto um sinal: a casa não tem uma cadeira, um sofá, uma assoalhada que não esteja revestida com pó, baldes de tinta, cartões no chão, ferramentas, andaimes, escadotes. Não há cozinha. Só uma casa de banho social a funcionar (sem duche). A piscina está vazia, à espera de intervenção. De maneira que, digamos, não é propriamente um sonho de programa de fim-de-semana. |
Ainda assim, e provavelmente espicaçada pelos relatos dos meus entrevistados, decidi aliciar o mais novo com uma ideia tão simples quanto iluminada: irmos acampar no terreno da nossa casa nova, uma vez que é a única forma de lá dormir, para já. Ele, que nunca acampou antes, ficou em êxtase. E posso dizer-vos: foi mágico. Até eu, que nunca gostei de campismo, adorei a experiência. A preparação da cabana, o momento em que ficou tudo tão escuro que era possível ver um milhão de estrelas no céu, os sons todos da natureza, o medo que ele teve, porque o escuro traz com ele todos os receios ancestrais e o aninhar-se em nós na mesma cama, algo que é interdito no dia-a-dia. |
Mesmo a noite mal dormida, as dores nos costados (erros de principiantes, que não levaram colchões fofos, mas sim umas tretas tão finas como uma tosta), o despertar com uma luz forte nos olhos e aquele calorzinho de estufa, tudo fez com que a experiência fosse tão diferente e tão boa, que repetimos na noite que se seguiu, e estamos a programar um novo acampamento, desta vez com os quatro filhos. Aposto que vai ser uma risota pegada. |
Acho que nós, pais, temos mesmo de cultivar o maior número possível de momentos inolvidáveis com os filhos. Muitos de nós temos a enorme vantagem de ter uma enorme proximidade geracional com eles: falamos das mesmas coisas, vestimos as mesmas roupas, saímos à noite em dias alternados, vemos as mesmas séries, lemos os mesmos livros, ouvimos as mesmas músicas. Isto deve fazer diferença no modo como, mais tarde, seremos também próximos (ou não, um dia digo-vos). |
Talvez tenha também de existir proatividade por parte dos pais de filhos adultos. Iniciativa. Trabalho. Passo a explicar: outro dos meus entrevistados (um dos que constitui a exceção) contava-me que instituiu um jantar de filhos, todas as terças-feiras, na sua casa. Quem pode ir, vai. Quem não pode, vai quando puder. Quando lhe disse que ia copiar a ideia, respondeu: “Copie à vontade! Mas deixe-lhes margem para não irem. Sem pressões. Vai rapidamente perceber que, de uma vez, um tem uma coisa, o outro tem não sei o quê. É a vida (lá está). Não lhes cobre. Umas vezes vai um, outras irão três, com sorte de quando em vez consegue lá ter os quatro. Mas fica na agenda. E toda a gente já sabe que aquela noite é noite de ir ao pai.” Gosto. Gosto muito. Até lá, é aproveitar cada dia. Semear bem semeado, a ver se a colheita nos corre bem. |
Vale a Pena… |
… acampar com os miúdos
Isto, claro, se eles não andarem nos escuteiros e se isso não for já um hábito na vossa vida. Para quem nunca o fez, pode ser mesmo diferente e divertido. Escolher um local giro (até vos dizia para irem lá para o montezinho, mas calhando já temos confusão que nos baste) e aproveitar cada momento. |
… subir ao arco da Ponte da Arrábida
Não recomendável a quem tenha vertigens, mas muito aconselhável a quem goste de aventura e de boas vistas. Esta parece ser a única ponte da Europa em que se podem realizar visitas ao arco. No mundo existem apenas mais três onde é possível – em Sidney e Brisbane, na Austrália, e em Auckland, na Nova Zelândia – mas ficam um pouco fora de mão para visitas. A subida faz-se na companhia de um guia e com todos os equipamentos de segurança. No topo, 65 metros acima do rio, há vistas de cortar a respiração e uma surpresa deliciosa. São 262 degraus. Força nas canetas, já diria o “Estebes”.
A partir dos 12 anos. Preço: 14 a 17,50 euros |
… ler O Monstro do Ciúme
Ah… o ciúme… quem nunca? Este livro, escrito por Tânia Carneiro e ilustrado por Ana Oliveira, explica às crianças que sentimento é este, como se manifesta, de que modo se derrota. Uma história sobre superação do ciúme, que todos nós já sentimos, em alguma fase da nossa vida.
(ed. Jacarandá) |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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