Esta tarefa é tão tramada que as mães merecem todas os parabéns. E não apenas no dia de amanhã |
Amanhã celebra-se o Dia da Mãe e começo esta newsletter por me dirigir a todas as mulheres que, não sendo (ainda) mães, já o são, há anos, por força da vontade que têm em sê-lo. Se eu fosse Deus (imaginem só a petulância, cogitar o cenário em que eu era, nem mais nem menos, do que o Criador), qualquer mulher que desejasse ser mãe sê-lo-ia, sem dificuldades, meses de pranto a olhar para um teste negativo, terapêuticas hormonais, e outros tratamentos invasivos e violentos que, muitas vezes, acabam em mais lágrimas, mais frustração, mais desânimo, numa luta inglória contra o tempo, que isto de ser mulher e querer ser mãe é ser como um iogurte: há um prazo de validade. E, apesar de todos os avanços, nem sempre a ciência consegue revertê-lo. |
Feito este ponto prévio, e sublinhando a minha solidariedade para com todas estas mulheres para quem o Dia da Mãe é (só) mais uma farpa na sua existência sofrida, dirijo-me agora às que já cumpriram esse desejo: ser mãe. As que estão na luta podem ler também, como é evidente, até para saberem o que as espera, quando finalmente conseguirem ter o vosso filho nos braços. |
Ser mãe é a tarefa mais difícil de todas (como podem ver neste vídeo). Não me interessa que venham cientistas, engenheiros aerospaciais, programadores, matemáticos, garantir que não há trabalho mais complexo do que o seu. Pois bem, juntem todas as profissões de altíssimo hermetismo, que exigem cérebros com muito mais neurónios e sinapses do que os que constituem a minha humilde massa cinzenta, e eu posso garantir-vos, ainda assim: ser mãe é, apesar de tudo, o ofício mais difícil, labiríntico, intrincado, confuso, meticuloso, exasperante, cansativo, bipolar, mas também deslumbrante, fascinante, apaixonante, inesquecível, que existe entre todas as ocupações que este mundo conhece. |
Ser mãe é ser uma balança permanente. É buscar o equilíbrio a todo o momento, para não dar a mais, nem dar a menos. Para não ser a mais, nem ser a menos. Para não estar a mais, nem estar de menos. E não é à toa que se diz que no meio é que está a virtude. Porque é. Mas justamente por ser tão difícil de se chegar a esse meio é que ele é tão virtuoso. Ser mãe é procurar essa virtude, e sentir – vezes demais – que não se conseguiu lá chegar. |
Ser mãe é estar lá sempre, ainda que, por vezes, seja preciso não estar ou fingir que não se está. É dar colo, tentando, apesar de tudo, não estragar com colo a mais. É ralhar, sem perder o controlo. É educar, sem ser (demasiado) chata. É, por vezes, gritar (a menos que se esteja mergulhado na parentalidade positiva, e aí nunca se grita) e a seguir procurar fazer as pazes, mesmo quando se está coberto de razão. É perdoar. É pedir desculpa. É amar apesar de. E neste “de” cabem tantas coisas que não cabem em mais relação alguma. Se os amigos nos fizessem, por vezes, metade do que os nossos filhos nos fazem, não tínhamos amigos. E, no entanto, o amor pelos filhos segue intocável, como se houvesse sempre uma capacidade de regeneração do coração que não existe para as outras relações (falo, claro, não tendo passado por nenhuma situação verdadeiramente grave, mas sabemos de filhos que matam, e cujos pais não conseguem deixar de os amar). |
Ser mãe é ser alimento (quando se opta por, e se consegue, amamentar). É ser cama, é ser abrigo, é ser casa. É proteger, não atabafando. É deixar correr alguns riscos, ainda que se fique de coração nas mãos. É perder horas de sono, noites inteiras de sono, e sobreviver, mesmo quando se garantia, antes de se ter filhos, que era impossível funcionar com menos de oito horas seguidas a dormir. É ouvir chorar sem saber o que se fazer, é ouvir dizer que a culpa é nossa, só pode ser nossa, o menino tem fome, a menina tem sede, coitadinho do bebé, deve ser sono, deve ser colo a mais, isso é manha, quer a chucha, dá cá que eu já o calo. |
Ser mãe é achar que se morre quando se deixa o bebé no infantário, ou então é contar os dias para esse momento, não sem sentir culpa por se querer voltar a ter um bocadinho da “normalidade” perdida. É brincar mesmo quando se tem dores de cabeça, ou mesmo quando se odeia brincar. É estar acordado mesmo quando só se queria ir dormir uma sesta. É estar de serviço 24 horas por dia, sem remuneração, sem subsídio de férias ou de Natal. |
Ser mãe é ter medo. Medo de tantas coisas: daquela febre, daquela dor, da falta de apetite, do apetite a mais, daquele conflito que houve com um colega. Medo da escola que não se sabe se será a certa, medo daquela dificuldade em aprender ou em ter boas notas (ou daquela obsessão em ser o melhor), medo daquele desporto perigoso, medo daquela namorada ou namorado. Medo das noites, dos consumos, da condução de uma mota ou de um carro, das boleias. Do presente, do passado, do futuro. É ter medo e fingir que não se tem medo algum. É fazer de conta que se é brava e valente, mesmo quando se tem tantos medos que, se pensarmos um momento em todos, ficamos a pensar em como é possível que se consiga, ainda assim, manter a lucidez e o juízo. |
Ser mãe é deixar ir, porque se sabe que é preciso deixar ir. É proibir, porque se está convicto de que aquela proibição é a melhor escolha. É castigar, ainda que se sinta que talvez não seja a decisão mais certa. É ficar à toa, diante de um cruzamento de opções, e pensar: “E agora? Qual é a estrada certa? Como raios saberei eu que não estou a decidir enviá-lo(a) para um beco sem saída, para um desfiladeiro, para uma curva apertada? Como saber? Onde está o manual?” |
Ser mãe é ter livros por onde estudar o assunto, mas ficar sempre com a certeza de que cada caso é único, e que o que resulta para um pode ser totalmente errado para outro. Há nos livros algumas dicas, mais gerais, depois na especialidade é que já é o salve-se quem puder. É jogar às escondidas com a sorte. Lançar os dados e fechar os olhos, esperando que a roleta pare na casa certa. |
Ser mãe é voltar a estudar a tabuada, os verbos, as rochas, o corpo humano, os reis, e até mesmo as matérias que sempre se detestou e às quais se jurou nunca mais regressar. É ler mil vezes o mesmo livro, apesar de se ter a estante cheia de outras histórias. É saltar uma parte e ouvir um “a história não é assim!” É ensinar a andar de bicicleta, a nadar, a andar de patins. É tentar dar a mesma atenção e destaque e oportunidades a todos os filhos, tentando nunca privilegiar ou beneficiar nenhum deles (ainda que sem querer). |
Ser mãe é equilibrar o tempo, tão escasso, entre o trabalho e os filhos e a casa e o companheiro (ou companheira) e os pais e os amigos e todas as múltiplas facetas da vida. É falar sobre temas difíceis como se parecesse fácil. É desejar com todas as nossas forças que os filhos se tornem adultos sãos, boas pessoas, que não maltratem ninguém, que não sejam maltratados. É rezar (ainda que não se seja crente) para que nunca morram antes de nós. E se tal desgraça antinatural acontecer, é saber que nunca mais se será como antes. |
Ser mãe – como alguém disse um dia, e milhões repetem todos os dias – é viver com o coração para sempre fora do peito. É assustador. É angustiante. É maravilhoso. É único. Feliz Dia da Mãe. |
Vale a pena… |
… Visitar o Mercado CCB
No dia 7 de Maio, para um Dia da Mãe bem preenchido, o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, organiza um mercado ao ar livre. Há ilustração, moda e natureza, cristais, fruta desidratada, malas, peças de arte, zona de sabores com mesas onde se pode apreciar a culinária vegan, torricados ou bolo do caco. As atividades são para miúdos e graúdos: às 11h30, para crianças entre os 6 e os 10 anos, a criação de postais ilustrados Imamãginário; às 16h00, um workshop sobre o alinhamento de chakras com cristais. Há de tudo, para todos os gostos. |
… Assistir ao filme Vida, uma História Cósmica, no Planetário do Porto
Como começou a vida na terra? Este é o mote deste filme produzido pelo Planetário Morrison, da Academia de Ciências da Califórnia. Na versão original, a narração é de Jodie Foster, na versão portuguesa é Diogo Infante que nos conta a história. É uma viagem através dos tempos, utilizando visualizações científicas espetaculares, que nos permitem entrar no mundo microscópico de uma célula, recuando até ao nascimento das primeiras estrelas e a um passado tão distante que nos permite contar a história da vida na Terra.
Dia 6 de Maio, às 16h00. Bilhetes a cinco euros |
… Ler o livro Salvar o Fogo
Escrito por Itamar Vieira Júnior, é a história de Luzia, obrigada a ficar no povoado Tapera do Paraguaçu a cuidar do pai e do irmão, Moisés, depois da morte da mãe. Luzia é estigmatizada por, supostamente, ter poderes sobrenaturais, e trabalha para que o irmão consiga ter a vida que nenhum deles conseguiu ter. Acontece que a formação que a irmã quer para Moisés o marca tão negativamente que ele acaba por abandonar a casa. Anos mais tarde, e depois de um grave acontecimento, Moisés regressa e reencontra Luzia, arrependida e magoada, mas também combativa, lutando contra as injustiças. Salvar o Fogo é um romance que mostra que, por vezes, os fantasmas de uma família são os mesmos que os fantasmas de um país. |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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