Filhos atletas, pais a reboque |
Não nasci para ser mãe de um atleta de alta competição. Serei, possivelmente, demasiado egoísta para isso. Gosto de passar fins-de-semana fora, sair, inventar programas, passear. Tudo isto é incompatível com a atividade a tempo inteiro que é ser mãe (ou pai) de um atleta de alto rendimento. Além do mais, tenho mais filhos. E acho profundamente injusto para os outros que a família tenha de ficar toda sujeita à agenda tresloucada de um único elemento. Mas, vá, sendo completamente honesta, acho mesmo que mais do que a desculpa dos outros filhos, sou eu a pedra na engrenagem do desporto dos miúdos, quando ele se torna mais sério. Em suma, não nasci para dona Dolores (o que fará com que também dificilmente venha a receber os louros do investimento – c’est la vie). |
Dito isto, ainda nunca tive nenhum filho na alta competição. Mas os rapazes mais velhos tiveram muitos jogos de futebol ao fim-de-semana, e agora é o Mateus que, de vez em quando, também tem. Mas a pior de todas é a Madalena, que treina volei quatro vezes por semana, uma das quais ao sábado, e ainda tem jogos todos os fins-de-semana. Todos. Já disse que são todos? Pois. To-dos. |
Neste momento, está no escalão Infantis e já avisou que para o ano será pior, quando estiver nos Iniciados. E ainda mais intenso quando chegar aos Cadetes. E eu suspiro e penso em como vai ser quando o nosso monte estiver pronto e nós quisermos ir para lá todas as sextas-feiras, mas impedidos de o fazer porque a donzela vai ter absolutamente que jogar, porque se falhar um jogo para a próxima não é convocada, e isso seria o fim do mundo. Estão a ver porque digo que não nasci para isto? |
Já nem falo do constante leva-e-traz para os treinos. Há um dia da semana, por exemplo, a que chamo o “dia-ventoinha”, em que levo o Mateus ao futebol, vou buscar a Madalena à escola, levo-a ao volei, volto para ver um pouco do treino do Mateus, levo-o a casa, e a seguir vou buscar a Madalena. Só falta que me paguem as viagens para me sentir um TVDE. Por acaso era bem pensado. |
Mas o pior de tudo são mesmo os jogos. Quando os mais velhos jogavam num clube de bairro, passámos por momentos indescritíveis: pais aos urros contra o árbitro, aos gritos para os filhos quando eles falhavam uma jogada, pais engalfinhados com pais da equipa contrária, num espetáculo verdadeiramente deplorável. Chegámos a assistir a um pai a recusar-se a dar água ao filho por ele não ter marcado um golo (juro), ou a outro que repetia “dá cabo desse gajo”, sendo que “esse gajo” tinha 8 anos. |
Um dia, um dos meus filhos foi jogar a um reputado colégio, com a sua equipa de bairro. Aos primeiros minutos de jogo, enfiei o capuz da camisola, meti uns providenciais óculos escuros e afastei-me do grupo de apoiantes da “minha” equipa. Enquanto os outros pais batiam palminhas e entoavam cânticos amorosos de apoio aos filhos, os da equipa em que o meu filho jogava agarravam-se às redes aos uivos e aos palavrões, como se a sua vida dependesse daquilo. |
O pior é que há muitos pais que, efetivamente, sentem que as suas vidas podem mesmo depender daquilo. Apostam todas as suas fichas no futebol dos filhos, acreditando terem ali o futuro Cristiano Ronaldo. É assim uma espécie de investimento, um certificado de aforro, um PPR. Apostam forte nos putos porque têm a esperança de uma vida dourada no futuro, com iates de três andares, mansões, jatos privados e roupas de marca. |
Já eu, só queria dormir até mais tarde e ir passar fins-de-semana fora. Claro que vejo a alegria que o volei traz à Madalena e custa-me ser aquela que está sempre a rosnar contra mais um jogo, mais um torneio, mais um sábado e domingo estragados. |
Suponho que esteja a pagar pelos meus pecados. Quando era miúda, fui nadadora de competição. Houve uma altura em que treinava de manhã cedo, antes de ir para a escola, e depois voltava a treinar ao final do dia. Ao fim-de-semana, lá ia a minha mãe comigo para trás do sol-posto para competições atrás de competições, quando de certeza que o que lhe apetecia era ficar a descansar de uma semana de trabalho. |
Admiro os pais que vibram com os jogos, que estão em todos, que sabem as classificações, que tiram mil fotos, que fazem mil vídeos, que chegam horas antes e saem horas depois, que convivem uns com os outros, que rumam a norte e ao sul para assistir a torneios, e conhecem o nome de todos os colegas, e que sabem de cor contra que equipa jogam no sábado e contra que equipa jogaram há três semanas. Por um lado, admiro porque vejo neles uma dedicação que é, sem dúvida, comovente. Por outro, acho que talvez lhes faltem outros interesses. Mas, claro, poderei estar só a ser injusta. A arranjar desculpas para a minha própria falha como mãe. Admito: possuo uma fraquíssima vocação para qualquer tipo de sacerdócio. |
Li este artigo do The Guardian sobre pais de atletas que chegam aos Jogos Olímpicos e senti que aqueles pais também mereciam uma medalha. Porque o seu sacrifício é real, palpável, invisível para muitos, mas sem dúvida crucial para que os filhos tivessem chegado tão longe. |
Eu sei que o desporto é importantíssimo na formação dos miúdos. Por mim, sempre preferi o desporto individual porque nunca suportei a ideia de um falhanço meu poder prejudicar outros além de mim própria (e é também por essa razão que gosto tanto de trabalhar sozinha), mas reconheço a beleza e a pedagogia do desporto coletivo. Mas… tem mesmo de ser sempre tanto? Não dá para não se passar para a competição? Sinto isto há anos: há sempre um escalar competitivo que nem sempre os miúdos querem (nem os pais), mas que é o único caminho possível. Não há outra opção. Há, no desporto, degraus que é preciso subir, mesmo que até se quisesse ficar sempre no mesmo patamar, só porque se gosta, porque faz bem à saúde, porque se faz amigos, sem necessariamente ter de se abdicar da vida inteira, para se ser o melhor. |
Hoje vai haver jogo – claro – e lá vou eu ver. E depois o volei pode durar três sets como pode durar cinco. E cinco sets pode ser uma eternidade. Mais de duas horas. Um castigo. Um massacre. Já disse que não nasci para ser mãe de um atleta, não já? Admito, não nasci. Mas também não contem comigo para ser a mãe que nunca aparece, que não vai ver os jogos, que tem dois olhinhos perdidos sempre à sua procura nas bancadas. Vou, vejo como ela sorri com a cara toda quando me/nos encontra, torço por ela, às vezes sinto um orgulho do caraças, outras encolho-me, sofro. Estou lá, nem sempre, nem nunca. Mas – não vou mentir — preferia quase sempre estar noutro lugar (nem sequer tem de ser um lugar exótico, podia muito bem ser apenas o meu sofá). E agora crucifiquem-me, mães perfeitas. Já estou acostumada. |
Vale a Pena… |
… Ir com o postilhão viajar por 500 anos da história das comunicações em Portugal
É uma visita-teatro que vai de certeza ensinar muito não só aos miúdos como a toda a família. O postilhão era a pessoa que no século XIX estava encarregue do correio e o mantinha em segurança na carruagem da mala-posta. Durante as suas viagens de até 40 horas entre Lisboa e Coimbra, o Joaquim atravessa vários perigos e peripécias, das quais ninguém ficará de fora – nem mesmo os pais. Desde cocheiros a passageiros e até mesmo rufias, são várias as personagens que os visitantes podem encarnar para tornar a experiência inesquecível. Apressem-se porque a atividade acontece hoje às 15h30 e só volta a acontecer dias 24 de Junho e 15 de julho.
Museu da Fundação Portuguesa das Comunicações. Preço: 12,50 euros (crianças), 15 euros (adultos). Duração: 1h30. |
Visitar a Feira do Livro de Lisboa
Claro, como não? Todos os estudos apontam no mesmo sentido: pais que leem são os que mais passam hábitos de leitura aos filhos. Eu, por acaso, poderia rebater este exemplo com a minha própria experiência, mas ainda não perdi a esperança (tenho um que lê, dois que não leem, e um que ainda talvez consiga pôr no caminho da luz). Têm até 7 de junho para passear pela Feira do Livro, que quanto a mim tem estado cada ano melhor, mais organizada, mais modernizada, mais apelativa. É um belíssimo programa para fazer em família (e para dar cabo das finanças também). Não esquecer que hoje fecha mais cedo (às 17h00) por causa dos festejos de um clube-cujo-nome-não-posso-pronunciar. Estou a brincar. Se tudo correr como tudo indica, parabéns ao Benfica (olha, rimei e tudo). E aos adeptos mais ensandecidos, pede-se que não escavaquem a feira na sua passagem para a celebração. |
Ler o livro Perdido, de Mariajo Ilustrajo
Com este livro desta autora premiada, as crianças despertam para o outro e para o facto de poder ser alguém a precisar de ajuda. Acho que nunca são demais os livros que tornem os nossos filhos empáticos, num mundo em que por vezes a empatia parece uma raridade. Nesta fábula, um urso polar dá por si perdido numa cidade, obviamente um lugar estranhíssimo para ele. Acontece que toda a gente parece demasiado distraída e ocupada para o ajudar. Se nunca leram o outro livro da autora, A Inundação, podem aproveitar e comprar também.
(ed. Fábula) |
… Gostou desta newsletter? Tem sugestões e histórias que quer partilhar? Escreva-me para smsantos@observador.pt.
Pode subscrever a newsletter “Coisas de Família” aqui. E, para garantir que não perde nenhuma, pode assinar já o Observador aqui. |
Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
|
|