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Tomei por empréstimo o título do mais recente livro de Bernard Henri-Levy, “Este vírus que nos enlouquece”, não só porque o recomendo (foi uma dos sugestões de leitura do Conversas à Quinta Há livros e livros, e há as nossas 12 sugestões para o Verão), não só porque o autor deu uma interessante entrevista ao Carlos Bobone – “Fazer pão, pôr fotografias no Instagram e ter encontros no zoom não é uma experiência metafísica” –, mas porque quero deixar uma nota positiva sobre a evolução da pandemia. Pessoalmente, tal como Bernard Henri-Levy, não estou nada optimista sobre o nosso futuro colectivo depois de passada esta prova (deixei disso testemunho em Não vamos sair disto inteiros), mas apesar de tudo esta foi uma semana de noticias auspiciosas sobre a vacina e de algumas boas notícias sobre a própria doença. |
Começo precisamente por uma dessas notícias, muito a propósito de uma polémica doméstica. De acordo com o The Times de Londres, não há nenhum caso conhecido de um professor que tenha sido contagiado por um aluno na sala de aula – No known case of teacher catching coronavirus from pupils, says scientist. Em concreto falamos de Mark Woolhouse, um epidemiologista que é “chairman of infectious disease epidemiology at Edinburgh University” e um dos principais conselheiros científicos do governo britânico. Ao The Times ele disse que “school-age kids are “minimally involved in the epidemiology of this virus.” He adds that youngsters are “vanishingly unlikely to end up in hospital or to die from it” and “rarely transmit” the virus to others.” Muito interessante e relevante e faz pesar o prato da balança dos argumentos para o lado de Luís Aguiar-Conraria na polémica o opôs ao omnipresente Mário Nogueira. A propósito das ameaças de greves e manifestações feitas pelo sindicalista a propósito do regresso das aulas presenciais na reabertura do ano lectivo, Conraria foi contundente no Expresso – Um sindicato sórdido: “Numa altura em que por todo o mundo civilizado há cada vez mais consciência da necessidade de reabrir as escolas, em Portugal, a oposição vem de onde é menos razoável que venha: do principal sindicato de professores, a Fenprof. E essa oposição é feita de uma forma vil.” –, texto que suscitou uma réplica de Mário Nogueira – Sórdida é a desonestidade intelectual. |
Bem, mas deixemos estas polémicas para passarmos à grande notícia desta semana, o anúncio pela Universidade de Oxford de que os resultados preliminares de testes a uma vacina contra a Covid-19 mostraram que esta provocou uma boa resposta imunitária aos ativar duas vias do sistema imunológico. São grandes notícias pois abrem a esperança de que as primeiras vacinas possam estar disponíveis até ao final do ano, mesmo que de forma muito condicional. Vamos por isso começar por fazer uma breve ponto da situação da corrida à vacina recorrendo a várias fontes: |
- Quando teremos uma vacina para a Covid-19? Acompanhe aqui a evolução dos ensaios clínicos. Um trabalho de Vera Novais no Observador onde se nota que, “Se correr tudo bem até ao final da fase III, depois ainda terão de passar pela validação das autoridades de saúde competentes para poderem entrar no mercado. Mas nem todas vão conseguir completar o processo e muitas ficarão pelo caminho, seja porque não funcionam, porque têm efeitos secundários graves ou porque lhes faltou o financiamento.” Entre as várias linhas de investigação a serem desenvolvidas uma das mais surpreendente é a que recupera a velhinha BCG: “Neste momento, estão a decorrer dois ensaios clínicos de fase III com profissionais de saúde: um com mais de 10 mil profissionais de saúde na Austrália, outro com 1.500 na Holanda. É possível que no início do próximo ano já haja resultados do estudo holandês (com menos pessoas).” Para chegar à aprovação as vacinas têm de passar por estas diferentes fases:
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- Coronavirus vaccine tracker: how close are we to a vaccine? A síntese do Guardian, que sublinha que “More than 140 teams of researchers are racing to develop a safe and effective coronavirus vaccine”, e que possui informação detalhada laboratório a laboratório, indicando em que fase da investigação se encontram.
- La vacuna: el único camino de regreso a la vida anterior Este trabalho do El Pais é muito interessante e graficamente atrativo. Uma das coisas que explica é como é difícil desenvolver uma vacina: “Solo hay 26 enfermedades con vacuna, según los datos de la Organización Mundial de la Salud. Llevar una vacuna del laboratorio a la calle ha requerido, hasta ahora, un promedio de más de 10 años. Y eso cuando se consigue. Margaret Heckler, responsable de salud pública del presidente estadounidense Ronald Reagan, anunció en 1984 que la vacuna del sida estaría lista en dos años. Han pasado más de 35 y todavía no existe. Cualquier comparación con el pasado, no obstante, es engañosa. “Las enfermedades infecciosas iban por carreteras secundarias y ahora estamos en la Fórmula 1. Nunca como ahora la ciencia había funcionado de manera tan rápida”. Para perceber como funciona uma vacina este gráfico ajuda:
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Seja lá como for como explica o Wall Street Journal, Coronavirus Vaccine Data Raises Hope for Trio of Candidates. O que são boas notícias. O problema é que ao mesmo tempo apareceram ao longo da semana notícias inquietantes de que a imunidade ao vírus estaria a desaparecer demasiado depressa. O que levantava a dúvida sobre a futura utilidade da vacina. Mas não deixem o vosso relativo optimismo esmorecer assim tão depressa. Derek Thompson, da The Atlantic, também leu essas notícias e em How Long Does COVID-19 Immunity Last? diz-nos que se “A new study from King’s College London inspired a raft of headlines suggesting that immunity might vanish in months. The truth is a lot more complicated—and, thankfully, less dire.” Eis o que lhe disseram os especialistas: “I was definitely very worried when I saw the headlines,” said Shane Crotty, a virologist at the La Jolla Institute for Immunology. “But then I looked at the data. And actually, looking at the data, I feel okay about it.” Mais: “The drop-off isn’t that surprising. When you look at something like the smallpox vaccine, you see the antibody response is down about 75 percent after six months. But that’s a vaccine that works for decades.” É caso para dizer: uf! Mas não para aliviar a guarda. Mesmo que a vacina funcione e seja um sucesso, haverá sempre quem desconfie dela, ou delas, como se recorda neste podcast do New York Times, The vaccine trust problem. Sempre houve e sempre haverá cépticos e adeptos de teorias da conspiração. |
E já que estamos no New York Times aproveitemos para nos actualizarmos sobre como estamos de tratamentos. Quem tem seguido os números da pandemia tem notado que se o número de infectados continua a subir, o número de mortos nem por isso, sinal de que a medicina tem feito progressos no tratamento dos doentes. Em Coronavirus Drug and Treatment Tracker |
Faz-se um ponto da situação relativamente a 19 tratamentos diferentes, classificando-os de acordo com a sua eficácia: |
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Para além do conhecido Remdesivir, o medicamento que mais esperança suscita é a dexametasona, que só custa 6 euros e é o primeiro a reduzir risco de morte em doentes críticos (o Observador já o referiu também). Aqui, o Dexamethasone é descrito assim: “This cheap and widely available steroid blunts many types of immune responses. Doctors have long used it to treat allergies, asthma and inflammation. In June, it became the first drug shown to reduce Covid-19 deaths. That study of more than 6,000 people, which in July was published in the New England Journal of Medicine, found that dexamethasone reduced deaths by one-third in patients on ventilators, and by one-fifth in patients on oxygen. It may be less likely to help — and may even harm — patients who are at an earlier stage of Covid-19 infections, however. In its Covid-19 treatment guidelines, the National Institutes of Health recommends only using dexamethasone in patients with COVID-19 who are on a ventilator or are receiving supplemental oxygen.” |
Finalmente chegamos a um dos pontos que mais discussões suscita: qual a perigosidade real desta doença. O Wall Street Journal faz um bom balanço em How Deadly Is Covid-19? Researchers Are Getting Closer to an Answer e as conclusões começam a ser menos inquietantes que ao princípio: “Researchers, initially analyzing data from outbreaks on cruise ships and more recently from surveys of thousands of people in virus hot spots, have now conducted dozens of studies to calculate the infection fatality rate of Covid-19. That research—examining deaths out of the total number of infections, which includes unreported cases—suggests that Covid-19 kills from around 0.3% to 1.5% of people infected. Most studies put the rate between 0.5% and 1.0%, meaning that for every 1,000 people who get infected, from five to 10 would die on average.” Mesmo assim, considerando que a Covid-19 é extremamente contagiosa, o perigo mantem-se, pois “An infection-fatality rate of roughly 0.6% is six times greater than the 0.1% estimate for seasonal influenza, which is based on CDC data. Though researchers point out the estimates are calculated in different ways and the flu estimate doesn’t take asymptomatic cases into account.” |
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Noto que falamos de taxas calculadas quase sempre sobre pessoas testadas para a infecção, não para a presença de anti-corpos. Quando isso sucede – isto é, quando se fazem estudos serológicos – os números mudam muito. Esta newsletter da Spectator, por exemplo, chamou-me a atenção para um estudo realizado em Nova Deli segundo o qual 23,5% da população daquela megapolis já terá anticorpos para o Sars-Cov-2. Trata-se de um resultado surpreendente “given Delhi’s relatively low numbers of deaths. As the population of Delhi’s National Capital Territory is 16 million, the antibody figures suggest that 3.76 million people in the city have been infected. Up until Saturday, the Indian government had recorded 3,571 deaths in Delhi. That would give an Infection Fatality Rate (IFR) of just 0.094 per cent – far lower than the estimates of 0.5 per cent to 1 per cent suggested by the experience of European and North American countries and no higher than seasonal flu.” |
Claro que se trata de apenas mais um estudo, entre milhares que continuam a ser realizados. E entre os que nos dão esperança cito mais um, este da epidemiologista de Oxford Sunetra Gupta que defende que em algumas regiões do Reino Unido já se terá alcançado a imunidade de grupo: We may already have herd immunity, disse ela ao site Reaction. Aviso: as teses desta epidemiologista contestam as de Nial Ferguson, o cientista do Imperial College cujo estudo levou o Reino Unido a mudar a mudar a sua a sua política. Mas convém sempre conhecer os seus argumentos: “The school of thought I belong to likes to use simple mathematical models, and use these to make fundamental qualitative inferences. For example, one of the things I do is work on flu vaccines, which come out of very simple mathematical models. These simple models are where the main power lies. But at the other extreme, people use very large, complex computer models. They fit these computer models to data, and then use them to predict what’s going to happen next. That’s a school of epidemiology with which I’m less comfortable.” Vale a pena ler a entrevista toda, que é longa. Food for thought… |
E por hoje é tudo. Tenham boa saúde, bom descanso, sendo caso disso, boas férias. |
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