Segundo o mais recente balanço do Instituto Nacional de Estatística, em 2023, Portugal registou um aumento significativo da sua população, um desenvolvimento que, à primeira vista, poderia ser interpretado como um sinal positivo de recuperação e dinamismo populacional. No entanto, é crucial examinar este crescimento com um olhar crítico, pois tal crescimento pode maquiar os verdadeiros desafios demográficos e sociais que o país enfrenta.

O crescimento populacional verificado deve-se, em grande parte, aos fluxos migratórios que têm contribuído para a entrada de novos residentes no país. A imigração pode trazer benefícios diversos, como o rejuvenescimento da força de trabalho e a introdução de novas competências, todavia não pode ser vista como uma solução mágica para os problemas estruturais de Portugal. Essa mesma imigração poderá servir, igualmente, para o país elevar os seus níveis de auto estima, uma vez que prova tratar-se de um país bastante desejado por quem o olha de fora, independentemente, da origem ou condição social.

Sem ilusões, é necessário olhar para os maiores desafios demográficos desta era, à cabeça representados pela proporção desajustada entre idosos e jovens. O país apresenta um envelhecimento acentuado da sua população, com um aumento do número de idosos em comparação aos jovens. Este desequilíbrio demográfico traz consigo várias implicações, desde a pressão sobre o sistema de segurança social até à necessidade crescente de serviços de saúde e assistência para a terceira idade, que uma sociedade moderna e evoluída não deve descurar.
Geograficamente, também é sabido que os mais velhos vão representando a (pequena) ocupação territorial existente nas zonas mais despovoadas, em particular nas zonas mais interiores do país, que se vêem sob a ameaça de um despovoamento total que se vai sentido ao ritmo do envelhecimento e de quem ali vive.

Adicionalmente, a questão da habitação tornou-se ainda mais premente. O crescimento populacional tem exacerbado a já existente crise habitacional, com uma procura que supera a oferta de habitações acessíveis. Isto resulta num aumento dos preços do mercado imobiliário, dificultando o acesso à habitação, especialmente para os grupos mais jovens e para as famílias de rendimentos mais baixos. Ainda que, o atual governo procure encontrar soluções para resolver a questão da falta de habitação junto dos mais jovens, bem se sabe que quanto à população com rendimentos mais baixos, tal problemática subsistirá no tempo, porquanto não se vislumbram medidas capazes de contornar a problemática em causa.

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Portanto, é vital que o aumento populacional não seja visto como um indicador de que os problemas demográficos de Portugal estão a ser resolvidos. Pelo contrário, a realidade é que os desafios permanecem e, em alguns casos, agravam-se. É necessário um plano abrangente e sustentável que aborde tanto o envelhecimento populacional como a crise de habitação, garantindo que o país possa lidar de forma eficaz com as mudanças demográficas e assegurar uma qualidade de vida digna para todos os seus cidadãos (não só para os que vivem cá desde sempre, mas também para aqueles que, não tendo cá nascido, optaram por  escolher Portugal como país de residência).

Para além disso, políticas de incentivo à natalidade, apoio às famílias jovens e investimentos em infraestruturas sociais são fundamentais para criar um equilíbrio saudável entre as diferentes faixas etárias da população. Só assim, Portugal poderá enfrentar o futuro com resiliência e prosperidade, sem se deixar enganar por números que, à primeira vista, podem parecer promissores, mas que escondem complexidades significativas.

Em suma, o aumento populacional de 2023 deve ser encarado com cautela, ainda que com positivismo, mas sem prescindir de uma análise profunda, a fim de garantir que as soluções implementadas sejam verdadeiramente eficazes e duradouras. Só com uma visão clara e um compromisso firme com políticas inclusivas e equilibradas, poderemos superar os desafios demográficos e sociais que se apresentam.