No actual debate sobre o alargamento dos prazos legais do aborto livre, há algo que sempre me fez uma terrível confusão: qual o critério para o número de semanas escolhidas pelos partidos? Uns propõem 12, outros 14, e até há quem já tenha proposto 16. Tirando a necessidade de escolher um número par, não se consegue perceber qual o critério para esta escolha.
Para quem defende a vida por nascer o critério é claro e o objetivo: a partir do momento em que existe uma vida humana, esta goza da proteção da lei e por isso o aborto não deve ser legal. Mas aparentemente, para quem defende que há estágios do desenvolvimento humano que não carecem de proteção jurídica, não há um critério claro para definir em que momento mágico é que o aborto passa de um direito indiscutível a crime.
Seria importante que aquele que agora vem propor um novo prazo para o embrião passar de coisa a vida explicasse por que razão defende essa mudança de estatuto. Que acontecimento se dá às 12, ou às 14, ou mesmo às 16 semanas que justifique que um direito se transforme em crime.
É porque biologicamente trata-se do mesmo ser humano. Um pouco maior, um pouco mais desenvolto, mas sem qualquer diferença substancial que justifique tal mudança de estatuto.
Do lado dos que se opõem ao aborto não há qualquer confusão: vida é vida, independentemente da sua fase de desenvolvimento. Penso que seria importante da parte daqueles que defendem que não é bem assim, que explicassem a razão por que um aborto é um direito às 12 semanas e um crime às 13!
Infelizmente os defensores do alargamento dos prazos do aborto parecem pouco preocupados com a sua aparente incongruência, assim como também não parecem muito interessados em biologia. Defendem agora acaloradamente o direito ao aborto (como não fizeram nos 9 anos que foram maioria no parlamento, diga-se de passagem) e usam o caos em que se encontra o SNS para justificar a sua proposta. Aliás, não deixa de ser impressionante que aparentemente, à esquerda nãos os incomode as grávidas que não conseguem fazer ecografias no SNS, ou os doentes que morrem em listas de espera, mas só os preocupe os atrasos nos processos de aborto. Enfim, prioridades.
Algum espectador mais cínico poderia sugerir que os critérios para os prazos das propostas se prendem apenas com posicionamento político: os que querem parecer progressistas, mas responsáveis, defendem 12, os que querem parecer mais radicais defendem 14. E se no tempo considerarem politicamente mais favorável, defenderão outros prazos com a mesma veemência com que agora defendem estes.
Esse mesmo espectador mais cínico, também poderia fazer notar que os grandes defensores do direito ao aborto, são os mesmo que defenderam com ardor o direito à morte a pedido, e antes disso das barrigas de aluguer, e antes disso qualquer outra bandeira que lhes seja conveniente para liderar a causa progressista. E que para eles, as mulheres, as grávidas, os doentes, são bandeiras políticas que utilizam quando lhes é conveniente e que depois deixam rapidamente cair quando a sua utilidade se esgotou.
O problema é que as pessoas que usam como bandeira são reais e os seus problemas não desaparecem só porque deixaram de ser politicamente relevantes. Vimos isso em 2007, quando os defensores da vida criaram dezenas de associações para apoiar grávidas, famílias e bebés enquanto os defensores do aborto passaram à causa seguinte. Talvez por isso tenhamos uma perspetiva mais realista do drama social que representa o aborto livre em Portugal, uma visão que nasce do trabalho do terreno e não de um cadeirão em São Bento ou de uma cátedra num qualquer canal de televisão.
Por isso sabemos que o aborto em Portugal raramente é livre, mas é, em grande parte dos casos, fruto da pressão de patrões, companheiros, famílias ou simplesmente provocado pela pobreza. Por isso sabemos que o aborto não destrói apenas a vida por nascer, mas tantas vezes destrói também a mulher. Por isso sabemos que o alargamento dos prazos do aborto não irá ajudar nenhuma mulher, mas apenas aumentar a desresponsabilização do Estado e da sociedade diante das grávidas em dificuldade.
Impressiona-me que num país com tão poucos nascimentos, onde as grávidas encontram tantas dificuldades para ter os seus filhos, onde não existe qualquer política de apoio às grávidas em dificuldade, existam deputados que brinquem aos prazos legais do aborto sem qualquer critério que não seja a conveniência política. Pelo caminho ficam todas as mulheres que procuram ajuda para ter os seus filhos e que só encontram da parte do Estado uma resposta: o aborto.
Jurista