Quando António Costa, depois de obter a maioria absoluta, afirmou que ele próprio seria o garante de que o PS não pisaria o risco e vários dirigentes socialistas também afirmaram que “maioria absoluta” não é poder absoluto. Em artigo (“L´État c´est moi”), por mim escrito e publicado em Abril, disse “é o que veremos”, mas, na verdade, nunca acreditei naquelas promessas e a prova está à vista, passados 200 dias do atual governo. Os casos de tiques de abuso de poder e de impunidade sucederam-se.
Vários ministros já foram apanhados em situação de incompatibilidade, mas o Primeiro-Ministro e eles próprios desvalorizam, ora refugiando-se na ética republicana, ora admitindo a incompatibilidade, mas referindo que é uma questão menor e que se vai resolver. Só é grave quando toca aos adversários. O presidente Marcelo também assobia para o lado, fazendo de conta que não é com ele. O governo vai assim colecionando incompatibilidades e o mais grave é que não há consequências. Mas as situações que corporizam a máxima do “quero, posso e mando” não se ficam por aqui. Houve uma deputada a pedir para apagar gravações de uma ata numa Comissão da Assembleia da República. O PS e o Governo, ancorados na maioria absoluta, comportam-se como se fossem “donos disto tudo”. A bancada do PS já chumbou vários pedidos de idas ao parlamento de ministros para dar explicações.
Refira-se também a iniciativa do PS de fazer um diploma que pretende transferir a competência da Interpol e da Europol da PJ para a esfera do Secretário-Geral do sistema de segurança interna, que ficaria assim na dependência do Primeiro-Ministro. Com isto, o PS dá um sinal de querer mandar na Justiça, põe em causa o Estado de Direito, a isenção, independência, autonomia e confidencialidade da investigação criminal.
Por outro lado, os casos bizarros e caricatos que revelam desarticulação e navegação à vista do atual governo também abundam: o episódio do anúncio do novo aeroporto pelo Ministro Pedro Nuno Santos, que foi desautorizado pelo Primeiro-Ministro (Sampaio demitiu Santana Lopes por um conflito com um Secretário de Estado); o caso de Sérgio Figueiredo, jornalista nomeado assessor pelo Ministro das Finanças para pagar favores antigos na TVI; o Ministro da Economia, António Costa e Silva, o tal homem providencial, é desmentido pelo Ministro das Finanças e pelo próprio Secretário de Estado; também a Secretária de Estado da Administração Interna, Patrícia Gaspar, que afirmou que, segundo determinado algoritmo, a área ardida tinha ficado 30% aquém do previsto; ainda sobre incêndios, a todo-poderosa Ministra Mariana Vieira da Silva afirmou que o parque natural da Serra da Estrela, depois de ser devastado pelo fogo, iria ficar melhor do que estava. Ora, os incêndios afinal servem para alguma coisa, isto é, tudo o que ardeu “ficará melhor”. Mas, na verdade, o que dizem os especialistas é que o governo não aprendeu nada com os incêndios de Pedrógão e continuou o falhanço ao seu combate e da reconversão da floresta. Também a Ministra da Saúde, Marta Temido, vedeta no congresso socialista, não resistiu ao desgaste provocado pelo caos nas urgências hospitalares e desapareceu de cena em Agosto.
As situações obscuras que podem indiciar suspeitas de corrupção também não faltaram, como a empresa do marido da Ministra da Coesão que recebeu fundos comunitários e as buscas pela PJ na presidência de Conselho de Ministros. Todas estas situações, casos e polémicas consomem o governo, por isso este vive do dia-a-dia, a resolver, de forma efémera e superficial, as pequenas crises.
O governo continua sem um desígnio nacional e sem estratégia. Portugal continua um país adiado, empobrecido e resignado. Estes 200 dias demonstraram que o Governo não consegue planear e governar a longo prazo, anda desorientado e em modo de navegação à vista e à deriva. Com menos de 1 ano de governação, o executivo demonstra cansaço, desgaste e falta de iniciativa política. Mesmo com maioria absoluta, o governo não tem coragem de fazer reformas na educação, na saúde, administração pública, Justiça, etc. O PS continua “alérgico” a reformas e nada faz para não ser o partido associado ao pântano, à banca rota, à corrupção e ao empobrecimento.
Costa anda muito empenhado na agenda e no debate europeu, enquanto a política doméstica se degrada. O PS, apesar da maioria, já deu mostras que não quer mudar nada, limita-se a gerir e a repartir os fundos europeus. O Estado está cada vez com piores serviços públicos, na educação dezenas de milhares de alunos sem professores; na saúde, apesar dos investimentos anunciados e aumento dos recursos humanos, nunca os cuidados de saúde foram tão maus, aumento das listas de espera, caos nas urgências e muito mais. Há incompetência na gestão e má utilização dos dinheiros públicos, mais dinheiro e mais meios, piores resultados. A cedência aos antigos parceiros da Geringonça que, por razões ideológicas, pôs fim às PPPs (Braga, Vila Franca de Xira e Loures) vieram também agravar os serviços de saúde nesses hospitais. Apesar disso, foi com o PS que os hospitais privados mais ganharam. Mas mesmo com o novo Ministro da Saúde, Costa já disse que a política será a mesma. Assim já se sabe quais serão os resultados.
Em relação aos serviços do Estado nas Regiões Autónomas, posso falar dos Açores, região onde trabalho e resido. Verifica-se um abandono sistemático e degradação acentuada, designadamente nos Tribunais (falta de equipamentos e meios humanos) e nas forças de segurança (degradação das esquadras, viaturas e falta de efetivos). Além disso, há um atraso significativo na substituição do cabo de fibra ótica entre o Continente e os Açores, que, se não for executado atempadamente, poderá levar a um apagão digital com consequências gravíssimas. Este é o pior governo de sempre para os Açores.
Uma medida do governo PS que se revelou desastrosa foi a redução de 40 para 35 horas do horário de trabalho, que teve um impacto significativo na despesa, perturbou seriamente o regime de turnos e obriga a um aumento significativo das horas extraordinárias, designadamente na saúde.
Querer agora também implementar a semana de 4 dias nos serviços da Administração Pública é um mau sinal e só poderá potenciar o caos nas urgências, no SEF, nos aeroportos, na TAP e noutros serviços do Estado.
O governo apresentou o OE como um troféu, porque conseguiu um acordo com a maioria dos parceiros sociais. Ora, como sabemos, o OE é essencialmente uma previsão de receitas e despesas, mas na verdade o que mais conta são as políticas seguidas e a execução orçamental. Sabe-se já que o investimento público no corrente ano foi mil milhões inferior ao que estava orçamentado.
Numa altura de incerteza, pós-covid, e com a guerra a decorrer na Europa, a persistência da inflação é um dado adquirido, mas o governo adota uma política orçamental que muito criticou no tempo da Troika, de contas certas (redução da dívida e do défice), ao invés de usar o OE como almofada para a perda de poder de compra e de subida dos juros que irão criar sérias dificuldades aos portugueses. Hoje, contas certas são propaganda usada pelo governo. O PS abominava agradar aos mercados financeiros aquando da crise de 2008-2015 e agora prefere empobrecer os portugueses em nome das contas certas. E quer implementar uma redução acelerada da rácio da dívida superior às exigências europeias. A privatização da TAP também era uma questão de lesa pátria no tempo de Passos Coelho, hoje é desejada. Recorde-se o infeliz episódio em que a atual administração pretendia comprar 50 viaturas topo de gama para as chefias e diretores, num total superior e três milhões de euros. O Primeiro-Ministro, sobre o caso, disse que desconhecia e não teve coragem para se demarcar desta vergonha. Foi preciso a pressão dos sindicatos e da imprensa para a administração da TAP recuar.
O governo podia e devia iniciar uma reforma tributária e, consequentemente, reduzir, de forma estrutural, a carga fiscal, conferindo um melhor poder de compra aos portugueses, tornando assim a economia portuguesa mais competitiva, atraindo investimento estrangeiro. Veja-se, a título de exemplo, o preço dos combustíveis em que 60% são impostos, tornando a gasolina em Portugal uma das mais caras da Europa.
Os governos socialistas sempre demonstraram uma fome insaciável na cobrança de impostos. Devido à subida da inflação, o Estado teve uma receita fiscal proveniente do IVA no 1º semestre de 2022 superior a cinco mil milhões relativamente ao ano passado. Apesar disso, as ajudas tardias aos portugueses, pela subida da inflação e das taxas de juro, foram pouco mais de dois mil milhões. Será que o governo está a aforrar dinheiro dos impostos para acudir à sustentabilidade da Segurança Social, que antes dizia não ser um problema, porque o Ministro Vieira da Silva tinha feito a reforma necessária?
São essas políticas que fazem com que os países do “nosso campeonato” estejam a crescer muito mais do que nós e a ultrapassar-nos. Este é o reflexo de um governo que não oferece esperança, nem otimismo, mas apenas ilusão.
Não queria deixar de terminar este escrito sem uma referência ao presidente Marcelo, comentador-mor de todos os assuntos do país e da República. O infeliz e lamentável comentário de Marcelo, apesar de católico, sobre os abusos sexuais no seio da igreja, pretendendo minorar a sua responsabilidade, é disso revelador. Costa foi em socorro de Marcelo, demonstrando oportunismo político e solidariedade interesseira para pagar os muitos favores que Marcelo já fez ao PS e ao governo, principalmente o da Geringonça. Agora, Marcelo tem que continuar a apoiar as asneiras de Costa e dos seus Ministros. No entanto, o apoio de Costa não foi suficiente e Marcelo teve que pedir desculpas ao fim de três dias.
Com este triste retrato do governo e com o presidente que temos, infelizmente é muito provável que o país continue à deriva por muito tempo.