Abril fez-se para se ter Liberdade. Mas, no ano do cinquentenário deste dia a que tantos apelam diariamente, a Liberdade parece ser uma miragem cada vez mais ofuscada pelas parangonas que vão enchendo os escaparates e vendendo novas edições…

Aparentemente, a liberdade é um valor transversal na nossa sociedade e indissociável da democracia. Vivemos actualmente num Portugal com uma rede de legislação cada vez mais inclusiva. Crianças já podem trocar de género; mulheres podem abortar sem que lhes seja colocado algum entrave; e, daqui a pouco tempo, poderemos morrer quando quisermos, livremente, sem que a nossa morte seja anunciada como um tradicional suicídio. Somos livres… enfim!

Mas será que não valia a pena parar um pouco para repensar esta liberdade? É que no léxico português que resultou da revolução, o uso da palavra “liberdade” multiplica-se de forma exponencial, transformando um valor que é absoluto para a democracia, num banalizado adjectivo que vai perdendo a sua importância com o correr dos tempos.

Quantas vezes vemos a palavra “liberdade” conjugada directamente com o substantivo “responsabilidade”? E o que é a liberdade sem a responsabilidade? Não será sinónimo de uma anarquia que acaba por promover a morte dessa mesma liberdade?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Num Mundo em que cada vez mais parece que o solipsismo ganha seguidores, em que todos nos empurram e incentivam a tomar as nossas decisões, sem pensar, nem muitas vezes ter em conta o impacto que isso vai ter em alguém, é estranho, no mínimo, não podermos ainda votar efectivamente naqueles que queremos que nos representem.

Em Portugal os cidadãos não são livres para votar em quem quiserem. Vota-se naqueles que os partidos determinam e, em última instância, escolhe-se em segunda escolha por entre aqueles que a partidocracia nos impõe. Os portugueses não podem (incrivelmente 50 anos depois de Abril) escolher sequer os deputados que os representam na Assembleia da República!

Ao não votarmos em pessoas concretas, os deputados eleitos não têm qualquer capacidade de representação perante aqueles que os elegeram nem tão pouco sentem a responsabilidade de terem sido os escolhidos para os defender. Sabem que se quiserem sair, simplesmente, saem e a outra pessoa que figurava como o número depois dele, entra.

A implementação de círculos uninominais em Portugal permitiria uma política de maior proximidade, essencial para a boa governação, e permite um sério escrutínio à acção dos que governam. Pedir responsabilidades aos eleitos!

50 anos depois de Abril a palavra de ordem tem de ser esta: responsabilidade! Com a responsabilidade de promover o respeito pelo outro e pela diferença, de assumir um cargo para servir o País, de ter a noção de que tem todas as condições para ser um operador da mudança, com isto tudo, a liberdade pode concretizar-se de forma plena, porque as fronteiras que as definem, num Estado de Direito como aquele em que felizmente vivemos, se adequam de forma natural às contrariedades conjunturais que nos vão afectando a cada momento.

Para concluir, e numa perspectiva mais filosófica ou descontraída, é comum dizer-se a que a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros. Mas, para mim, e tal como escreve Fernando Pessoa, Liberdade é “ter um livro para ler e não o fazer!”.