Antes de escrever um artigo gosto de conversar com os meus pares em busca de temas relevantes. Nos últimos tempos tem sido rara a vez que não haja alguém que me responda ‘’pede ao chat GPT’’. Ora, ainda que essa sugestão seja feita em tom jocoso, levou-me a pensar sobre a inteligência artificial (IA) enquanto peça instrumental no pensamento criativo.

Creio ser relevante que nos debrucemos acerca do uso desta ferramenta como meio de criação no geral, mas em particular – e por inclinações pessoais — parece-me de maior relevância refletir sobre o significado do uso de inteligência artificial para a criação de objetos ou práticas de qualidade artística. Não desprimorando a escrita técnica e a componente pessoal que esta também possa ter, em textos de opinião, guião de cinema, artes visuais, música, a componente humana carrega um peso maior.

Por um lado existe uma questão filosófica controversa acerca da definição da arte, não existindo propriamente um consenso acerca dos seus limites. Se avaliar arte sempre foi um enigma para a maior parte da população, sendo que os critérios são, frequentemente, tidos como pretensiosos ou elitistas, então como avaliar algo produzido por um modelo de IA? Será a “arte do prompt*” tão nobre como qualquer outra? E como comparar o uso desta ferramenta ao processo tradicional?

O prompt é usado como ponto de partida para procurar vários conceitos, anteriormente criados e compilar algo novo. Não será isto que os artistas de carne e osso fazem também? Viver, experienciar, visitar galerias, ver filmes, ouvir música e posteriormente com mais ou menos intencionalidade usar esses elementos como matéria-prima para criar algo novo, inspirado por um conceito. Parece-me que no final de contas, tudo se resume a como avaliamos arte. Esse exercício está em constante mudança com base no paradigma contemporâneo e permanece subjetivo. Entre inúmeros critérios que podem ser usados, os mais frequentes incluem uma análise do contexto da época, a identidade do artista e a profundidade conceptual da criação.

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Quando a inteligência artificial generativa se popularizou, um dos primeiros segmentos da sociedade a manifestar preocupações foram os guionistas de cinema. Em bom rigor, toda a produção que advém destes sistemas é treinada em conteúdo criado por seres humanos que nem sempre vêm o seu trabalho reconhecido – e esta é uma preocupação que deve ser endereçada.

Creio que para além de pensar acerca da categorização ou não destes conteúdos em arte, interessa também pensar acerca dos impactos que esta vai ter em nós como um coletivo. Não vai ser possível travar a IA e impedi-la de se embrenhar nas nossas vidas. A um espectador-tipo, sendo-lhe dado a escolher entre um filme do seu realizador favorito ou um filme feito à medida com base nas suas vivências e gostos – qual seria o escolhido? E qual é o retrato de uma sociedade em que os indivíduos consomem um só sabor, previsivelmente dentro do seu palato?

Por enquanto algumas destas questões ficarão na prateleira da filosofia, para já podemos aprender a como usar a IA para o nosso benefício. É um bom instrumento para fomentar a criatividade e pensamento divergente, podendo ajudar um artista a desenvolver a sua identidade, sem que fiquemos todos a ‘’soar ao mesmo’’.

No que toca a mim, gosto dos meus artigos escritos ‘’à mão’’, dos quadros pintados por seres humanos e dos filmes dirigidos por diretores que me surpreendem, erram e deixam entornar a sua imperfeição naquilo que fazem – pois para mim, a arte não o é sem humanidade.

*prompt = linha de entrada para que o sistema de inteligência artificial gere texto, imagem, vídeo…

Observadorassocia-se ao Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.