Após a tragédia sanjoanense de Pedro Nuno Santos, o candidato a primeiro-ministro que, há pouco tempo, fez um espetáculo teatral sobre as suas origens “humildes”, Mariana Mortágua – ao jeito enternecedor de uma não-saudosa Geringonça – seguiu-lhe os passos e a deputada do BE encarnou, de forma ainda mais comovente, o papel da tragédia familiar, tendo em vista apelar às emoções dos seus concidadãos.
Desta feita, Mariana lançou uma história tocante sobre a sua Avó, tentando ganhar um lugar no coração das audiências, com uma peça teatral digna de Shakespeare.
A deputada – qual Sísifo contemporâneo – tentou empurrar para a plateia uma pedra de desinformação, numa encenação que faria mesmo a mitológica personagem de Camus ficar boquiaberta. Sucede que, ao contrário da personagem helénica, Mortágua parece ter subestimado a astúcia do público português, confundindo o seu QI médio com o da média dos deputados do Bloco de Esquerda.
No entanto, como o votante mediano assume mesmo um quociente superior à média dos representantes da sua ala parlamentar, a maioria das pessoas chegou a tempo de desvendar o equívoco, ainda que o mesmo tenha sido belissimamente adornado por lágrimas fictícias.
Tal como o filósofo franco-argelino explora n’«O Mito de Sísifo», a repetição infinita da mesma tarefa absurda torna-se o verdadeiro castigo. No caso de Mortágua, a repetição da mentira pode agora tornar-se uma rocha incómoda e pesada de carregar. Ou tornar-se-ia, se não valesse tudo. [E, ao que parece, vale.]
Agora, a cada tentativa de justificação, a pedra vai crescendo e o público vai ecoando gargalhadas, que até mesmo Sísifo invejaria. Mas, como nem tudo é suficientemente mau que não possa antever um lado positivo, então a Avó fictícia de Mariana Mortágua pode agora juntar-se ao panteão de personagens imaginários, ao lado de Pinóquio, ou do Barão de Münchhausen.
Enquanto «O Mito de Sísifo» é uma reflexão existencial sobre a repetição, por vezes fútil e absurda, que sucede nas nossas vidas, o mito de Mortágua parece ser uma lição sobre a frivolidade de tentar empurrar uma mentira colossal colina acima, na vã esperança de que ninguém compreenda a artimanha.
Ao que parece e de modo crescente, a sinceridade, assim como a verdade, é um luxo que alguns preferem evitar, especialmente quando se trata de construir uma imagem de empatia.
Numa era em que a informação é mais acessível do que nunca, esperemos que Mariana Mortágua já tenha entendido que, ao contrário de Sísifo, a sua pedra de desinformação pode, eventualmente, rolar de volta e esmagar as suas próprias pretensões. Por agora, resta-nos aguardar, para ver se tamanha farsa ganhará o devido destaque na extensa lista das grandes tragédias bloquistas; ou se será apenas mais uma comédia efémera – e sem punição – no teatro da política.