A polémica à volta das afirmações de Aguiar Branco na Assembleia da República está a fazer correr demasiada tinta. Hoje o Presidente da Assembleia passou a ser o alvo principal da contestação, quando o foco poderia estar na afirmação desajustada feita pelo deputado André Ventura sobre o povo turco. Tratou-se de uma afirmação jocosa feita no calor da discussão parlamentar, infelizmente similar a outras que já ouvimos sobre os portugueses pelo futuro secretário-geral da NATO, e que é incompatível com a ambição política, nacional e internacional, de ambos os autores.
Disse Aguiar Branco “Eu não faço uma avaliação dos conteúdos. Eu não sou censor e nunca farei isso, porque a nossa Constituição não diz que a liberdade de expressão é condicionada, ou ponderada, em relação a qualquer opinião do presidente da Assembleia da República ou de qualquer outro português”. O tom cortês com que sempre fala destoa do som tonitruante a que nos temos progressivamente habituado. E é interpretado como fraqueza.
O sucesso político que o Chega demonstrou até hoje está a levar muitos dirigentes políticos do centro-direita, e mesmo do centro-esquerda, à conclusão de que as atitudes belicosas e a agressividade verbal são uma boa arma política. Que os adversários devem ser tratados com desdém e alguma maldade, por que é isso o que os cidadãos votantes apreciam. Que os argumentos inteligentes e calmos são inúteis porque a distinção entre o verdadeiro e o falso é cada vez mais difícil nos novos tempos da inteligência artificial. Que o que conta é a forma, o arrojo e o desejo de vencer a qualquer custo.
Alguns dos factos e das escolhas recentes da política portuguesa parecem dar razão a esta estratégia, mas o tempo irá condená-la.
É precipitada a conclusão de que o programa político do Chega se limita à forma mais agreste com que falam alguns dos seus dirigentes, e que abriu caminho para chamar a atenção dos eleitores. O apelo que captou o apoio de um milhão de portugueses radica na contradição entre as expetativas e a realidade no que diz respeito à qualidade de vida de uma boa parte da população portuguesa, para quem não é clara a relação estreita entre a competitividade económica do país e os rendimentos médios dos cidadãos. É preciso sublinhar que o primarismo de uma parte muito grande do discurso político contribui em grande medida para que essa relação seja esquecida. Que outra conclusão se pode tirar de discussões nos media relativas à caixa de pandora das reivindicações, onde se discute mais a “justiça” da despesa adicional do que a “sustentabilidade” e onde a justiça é medida simplesmente pela capacidade de pressão social de cada classe profissional?
As estratégias defendidas pelo Chega acompanham de perto o que vemos noutros programa políticos da direita europeia, e decorrem de problemas reais que os partidos mais institucionais têm dificuldade em encarar. É mais útil olhar para esses problemas e colocá-los na agenda, do que copiar o estilo demasiado combativo que o Chega utiliza por vezes, mas que irá inevitavelmente abandonar quando considerar necessário, porque ao seu presidente não falta inteligência política.
É neste quadro que a postura do Presidente da Assembleia da República deve ser encarada. As duas guerras que decorrem à porta da Europa deviam fazer-nos relativizar muito do que nos divide. Está na altura de voltarmos, ou iniciarmos, um período novo na política portuguesa. Feito de respeito pelas opiniões alheias, pelo diálogo entre posições complementares, sem excessos, sem acusações desproporcionadas, aceitando as diferenças e promovendo o respeito. Está na altura de inovarmos na política. A força tem de estar na boa educação.