Talvez o meu maior desejo quando era miúdo fosse o de ser bonito. Não aconteceu propriamente assim mas não me queixo, tendo em conta a generosidade dos que me amam. O segundo desejo talvez fosse o de ser inteligente. Sobre este tudo se complica mais e não é porque tente a falsa modéstia de me confessar burro. Sem dúvida que me acontece ter de com custo admitir que não entendi muito do que me aconteceu. Mas adiciono a este fenómeno exigente o de ir mudando o próprio conceito que tenho do que a verdadeira inteligência é.
A carta de Tiago, no Novo Testamento, tem desfeito muitas das concepções mais clássicas que mantinha acerca de ser inteligente. Dou um exemplo: o seu autor, pastor na Igreja de Jerusalém, trazia palavras duras para cristãos que se andavam a dar mal, dividindo-se entre os mais ricos, que eram bem tratados, e os outros que, tristemente, ficavam para trás. Outro problema é que estes cristãos eram também linguarudos. A técnica usada para serem socialmente selectivos era alimentada pelas suas bocas soltas. Era um triste espectáculo com nome de igreja.
Tiago, o líder da congregação, vai ter de confrontar aqueles snobes explicando que o erro de preferir ricos aos pobres é uma verdadeira burrice. “Há no vosso meio alguém que seja sábio e inteligente? Então, que mostre com o seu bom procedimento obras de uma sabedoria vivida com modéstia. Se tiverem sentimentos de grande ciúme ou inveja, em vossos corações, não sejam presunçosos, nem usem da mentira em prejuízo da verdade. Essa não é a sabedoria que vem de Deus. Pelo contrário, é terrena e mundana, vem do Demónio” (Tiago 3:13-15).
Geralmente não pensamos assim acerca dos assuntos da inteligência. A nossa tendência é fazer a dicotomia entre inteligência de um lado, e ignorância do outro. Mapeamos estas questões na cabeça e não no coração. Mas não é assim que a Bíblia aqui o faz. A Bíblia diz-nos que a ignorância não é um problema do cérebro mas, sobretudo, um problema do coração. Como é que isto funciona? O que denuncia a pessoa que realmente não é sábia é precisamente a inveja que ela sente. A inveja é a verdadeira burrice. Sejamos sinceros: se a falta de inteligência começar na inveja, não serei o único a sentir-se tramado.
A solução que Tiago apresenta é, naturalmente, mostrada no exemplo de Jesus. Ele foi o oposto desta atitude de não ter paz no que se tem, que, no fundo, é o recheio da inveja. Cristo doou-se ao morrer na cruz. Logo, a verdadeira inteligência não funciona como um armazém que acumula produtos. A verdadeira inteligência é ser atento às necessidades dos outros, antídoto para a selectividade com que nos separamos socialmente. Uma polémica fica lançada contra as nossas projecções de sofisticação intelectual: o sábio quando snob é o mais burro e sem paz de todos.
Quanto mais solta a língua me corre, quanto mais conquistas sociais amealho, menos paz a Bíblia me oferece. Quando o mundo me bate palmas, não posso esquecer-me de apalpar as orelhas. Grandes asneiras, de asno mesmo, começam assim.