Será o reino de Jesus Cristo um reino puramente espiritual? Ou também será temporal1? Este é um tema que tem dividido os cristãos ao longo dos tempos. Mas é uma questão que potencialmente também interessa aos fiéis de outras religiões, como warxistas e ecologistas, para já não dizer nada dos piedosos crentes no ateísmo. E interessa, como é óbvio, aos constitucionalistas.

Se Jesus Cristo for de facto Rei, não apenas do que é fofinho e espiritual, mas também do mundo temporal e, consequentemente, material, da política e da sociedade, da economia e da educação2, da polícia e do sns, da cultura, do sef e do orçamento de estado, a constituição da república não só é ilegítima, mas também é ilegal, usurpadora dos direitos do verdadeiro soberano e danosa para o bem-estar, espiritual e material, dos cidadãos. Ou alguém duvida que Nosso Senhor Jesus Cristo tem mais sentido de Estado que o sr. prof. Marcelo, e políticas sociais e económicas mais justas e eficazes que as do sr. eng. Costa? E, como é evidente, não apenas a constituição é ilegítima, mas também ilegítimo é o regime que dela pende. Se se provar, inequívoca e convincentemente, que Jesus Cristo é rei temporal deste mundo e nesta Terra de Santa Maria, isso será equivalente a um golpe de estado e terá como consequência inevitável regime change.

Assim terá sido com apreensão que os dignitários da república e os sustentáculos do regime terão tido conhecimento da recente descoberta, feita por investigadores nacionais, do manuscrito3 inédito da obra do Pe. António Vieira SJ (1608—1697), Clavis Prophetarum. Este manuscrito, original e parcialmente autógrafo4, que nunca tinha sido visto por ninguém nos últimos três séculos, e cujo teor parece que era totalmente desconhecido dos historiadores & vieiristas lusitanos, prova “pela Escritura”, “com os Padres” e “através da razão” que Cristo é Rei temporal da república humana, Portugal inclusive.

Ou, pelo menos, é essa a conclusão que se retira da leitura da tradução feita por António Guimarães Pinto5 do latim para português, segundo as regras do último acordo ortugráphyco, da Clavis Prophetarum, publicada em dois volumosos tomos pelo Círculo dos Leitores, em 2013, e que está disponível para leitura na Biblioteca Nacional a qualquer cidadão que, não tendo ainda adquirido esta obra, pague as taxas de leitura necessárias. Edição que, inserida na publicação das obras completas do sacerdote jesuíta foi, é bom não esquecer, subsidiada com o perfume6 e a substância do dinheiro, pela Santa Casa da Misericórdia, em 73 anos e 8 meses de salários mínimos nacionais (à data). Esta mesma tradução de António Guimarães Pinto foi depois republicada várias vezes por outras editoras, tendo as Edições Loyola (São Paulo), Bertrand e Temas e Debates inundado o mundo lusófono com largos milhares de exemplares desta obra originalmente escrita pelo Imperador da Língua Portuguesa, não em tuga barroco, mas em italiano arcaico. “Escrita” é, como é óbvio, uma maneira de dizer, pois parece que o jesuíta, muito antes de perder a vista devido a duas sangrias que os médicos dele prepararam —e, sem dúvida, gozaram—, já não escrevia do seu próprio punho uns tempos antes de ter ido ao encontro do seu Criador, mas que ditava da sua própria boca7.

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A tradução de António Guimarães Pinto foi feita a partir do manuscrito (da biblioteca) Casanatense 706, que se supõe seja “a primeiríssima cópia enviada da Bahia ao Geral” da Companhia de Jesus em 1699, cotejado sobretudo com o manuscrito 359 da Biblioteca da Universidade Gregoriana, conhecido desde há muito, inclusive pelos rev. srs. Padres João Pereira Gomes SJ (1917-2002) e António Lopes SJ (1931-2007), certamente os dois mais profundos conhecedores desta obra nestes passados 40 ou 50 anos, como sendo o que do outro mais divergia—pois conserva o que nele havia sido suprimido. De notar que, nos primeiros anos do séc. 18 foram feitos inúmeros manuscritos, isto é, cópias escritas à mão, por múltiplas patas, desta obra do Pe. António Vieira, que hoje se encontram espalhadas por várias bibliotecas. Só na Casanatense existem —que se saiba— 4 (quatro) cópias manuscritas da coisa. O que levanta uma questão.

Porque só agora surge esta descoberta? O que andaram a fazer todo este tempo, desde 1824 até agora, todos os vieiristas do mundo lusófono, já para não mencionar os dos outros mundos? Afinal o manuscrito agora descoberto esteve todo este tempo arrumado a poucos metros, senão que a poucos centímetros, do manuscrito 359. E ninguém deu por ele? Estavam todos ceguinhos ou estariam os maquiavélicos dos srs. padres jesuítas a limitar o acesso ao manuscrito original da Clavis Prophetarum? No primeiro caso, como justificar todos os fundos de investigação derramados nos últimos decénios em estudos vieiristas pela fct, ScML & congéneres? Se o verdadeiro for o segundo caso, qual será o propósito deste golpe dos confrades de Sua Santidade? Que motivo os leva a porem agora, parece que propositadamente, a Clavis Prophetarum no regaço da investigadora lusa que “deu por ele”?

E, atendendo a que seria muito de espantar se o manuscrito agora vindo a lume diferisse substancialmente do manuscrito 359, porquê a presente comoção pública? Será uma estratégia mediática para levar os portugueses a finalmente abrirem e lerem a tradução que têm lá em casa e assim tomarem conhecimento do persuasivo argumento do Pe. António Vieira sobre o reinado temporal de Nosso Senhor? Não será de temer que, caso eles deixem de usar A Chave dos Profetas apenas como bibelô decorativo, mas que de facto venham a ler a obra do Pe. Vieira, não se levantem em revolução e implantem um novo regime? A quem se deve a orquestração desta cabala? Aos pérfidos jesuítas ou à mão de Deus?

Será que estamos assim às portas do Quinto Império e os portugueses têm na mão a chave dele? Será bom que, para evitar um banho de sangue, frequente neste tipo de eventos, os próceres da república e os sustentáculos do regime não se esqueçam de uma outra profecia (ver Mateus 16): as portas do regime não prevalecerão contra o Reino de Deus!

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Temporal: aquilo que é material, que muda e que é instável como a composição e determinações dos governos da república portuguesa; agitação dos elementos, da atmosfera e oceanos, semelhante à que permanentemente sofrem os governos do sr. eng. Costa; alteração climática temporária; estado permanente no copo de água que é Lisboa.
  2. Educação: processo de formatação de humanos ainda inviáveis e em desenvolvimento pós-gestacional; atividade cuja responsabilidade pertence, por direito divino, somente ao estado, sendo crime grave qualquer intromissão dos progenitores do puto neste tipo de assuntos como o demonstra o caso Mesquita Guimarães; instrumento eficientíssimo dessa formatação, usado durante séculos, foi a palmatória, que foi recentemente substituída por várias formas de streaming politicamente correto, ou bullying; aquilo que dá a conhecer aos sábios e esconde aos néscios a profundeza dos desígnios de Deus; os títulos para-nobiliárquicos por ela concedidos servem de biombo para os ignorantes se esconderem da sua ignorância e a esconderem aos outros.
  3. Manuscrito: escrito à mão com pena, caneta, lápis, máquina de escrever, teclado ou ecrã; assim, ao contrário da crença geral, todos twitters, bem como posts no Facebook, são tão manuscritos como o eram os sermões não impressos do Pe. António Viera; como é obvio, se for escrito com o pé, boca ou outra parte do corpo, o escrito será outra coisa, mas não será manuscrito; não confundir com autógrafo.
  4. Autógrafo: algo escrito por si próprio; se algum vier a ser descoberto ficará provado que a Palavra tem existência autónoma, como sugerido por Platão.
  5. António Guimarães Pinto: latinista português que além da Clavis Prophetarum também traduziu para português, entre muitas outras coisas, quase tudo o que em latim escreveram Pedro Nunes (1502-1578), D. Jerónimo Osório (1515/1516-1580), Amato Lusitano (1511-1568), António Luís (?-1564?), Diogo de Teive (1514-1565), Diogo de Paiva de Andrade (1528-1575), Duarte de Sande (1547-1599) entre outros portugueses há muito mortos e esquecidos; para sua infelicidade cruzou-se uma vez na sua vida com este lexicógrafo, num dos entroncamentos da Biblioteca Nacional, de onde resultou a sua tradução e edição conjunta do Catechismus Japonensis do Pe. Alexandro Valignano (1539-1606) e um lacónico artigo comum no Observador, sobre o cuidado extremoso com que as autoridades beneficiárias das rubricas “culturais” no orçamento de estado tratam o património bibliográfico tuga, aventura que o levou a deixar de frequentar a mencionada biblioteca para evitar dissabores semelhantes; vive no Brasil porque em Portugal, onde já todos sabem, falam e escrevem, a língua de Séneca, os seus préstimos são inúteis; a fluência, já antiga, dos portugueses em latim explica o facto de ninguém ter sentido a falta de uma tradução da Clavis Prophetarum durante 315 anos mas gera um mistério: para que se deu o sr. prof. Guimarães Pinto ao trabalho inútil de fazer uma tradução de que ninguém precisa? Fontes geralmente bem informadas dão como certo o ele, seguindo os passos do Pe. António Vieira, ter começado recentemente a dedicar-se a algo de mais útil & relevante que o latim, ao iniciar-se no nheengatu e no maniwa, idiomas nativos do Amazonas dos quais, como é sobejamente sabido, a língua de Camões deriva.
  6. Perfume: distorçor artificial do odor natural; segundo uma escola psicológica, o seu uso é sintomático de patologia de gravidade variável exemplificada por Addict de Dior, Animale by Animale, ou Obsession by Calvin Klein; substância nociva como em Poison de Dior ou Opium de Yves Saint Laurent; morbidade como em Ripped by Ripped ou Ghost by Ghost.
  7. Boca: local onde está a língua e por onde se fala a Língua; alguns eruditos duvidam que a Língua esteja realmente na boca e, usando como evidencia o refugo reciclado pelos alfarrabistas, afirmam que ela se localiza de facto na mão; cavidade delimitada por dois maxilares onde além da língua se encontram dentes e gengivas; órgão que permite aos humanos ladrar oumorder pois, como bem nota a sabedoria popular, “homem que ladra não morde”; na mulher, o espelho da alma; no homem, a porta do estômago.