Com eleições legislativas à porta e com aquilo que se vai conhecendo sobre as propostas do Partido Socialista (PS) e dos restantes partidos de esquerda, tenho recordado, com alguma frequência, a fábula “A Cigarra e a Formiga”. Infelizmente, não pelas melhores razões.

A Fábula da Cigarra e da Formiga conta-nos a estória de uma formiguinha trabalhadora que, durante o verão, trata de amealhar folhas para, quando o inverno chegar, ter os alimentos necessários para aguentar até ao ano seguinte.

Estava a Formiga nesses preparos, enquanto ouvia a sua vizinha Cigarra cantando, descuidada, sem se preocupar com o inverno.

Tomada de apreensão, a Formiga avisa a Cigarra da imprudência de tal comportamento, mas sem sucesso e quando, finalmente, chega o inverno, encontramos a Formiga quentinha, com a despensa cheia, enquanto a Cigarra vagueia faminta e gelada…

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A Cigarra não sabe como irá sobreviver e, desesperada, vai ter com a Formiga que, segundo a versão original, não mostra qualquer compaixão pelos seus apertos, deixando-a entregue à sua própria sorte.

Neste resumo livre da fábula atribuída a Esopo, prefiro uma versão mais ao gosto da minha sensibilidade, em que a Formiga transmite à Cigarra noções básicas de literacia financeira e lhe dá o suficiente para sobreviver até ao próximo verão, altura em que, adverte, a Cigarra terá de trabalhar para assegurar a sua subsistência, sob pena de, no inverno que se seguirá, perecer gelada e esfomeada.

A Cigarra aprende a lição e, grata pela generosidade da Formiga, no verão seguinte, junta-se a esta no trabalho e fá-lo cantando, por descobrir a enorme alegria de nos sentirmos úteis.

E, assim, por muitos e longos anos, a Formiga e a Cigarra continuam amigas, trabalhando, cantando e divertindo-se juntas até esgotarem os seus verões e invernos.

Passados muitos anos, as tataranetas daquelas amigas vivem em Portugal, um país, há muito, capturado por políticas de esquerda, onde Formigas e Cigarras já não são o que eram…

No Portugal de 2024, há Formigas que trabalham arduamente, amiúde acumulando empregos, mas, ao contrário do que acontecia com as suas antepassadas, esse esforço não chega a protegê-las no verão e muito menos no inverno.

Aprisionadas por salários baixos, por muito que trabalhem, não conseguem pagar as rendas, não recebem os cuidados de saúde que necessitam, nem têm uma escola pública que garanta uma educação sólida aos seus filhos…. falta-lhes o essencial.

Vivem no país com o segundo maior número de escalões de IRS da União Europeia, pelo que, se as Formigas não estiverem atentas, ao menor descuido, trabalham mais e recebem menos.

Outras Formigas há que, apesar da carga fiscal que lhes é aplicada por um Estado ineficiente e insaciável, conseguem, mesmo assim, que lhes sobre alguma coisa, mas, em vez de poderem contar com o que amealharam para construir um futuro mais desafogado, veem-se acusadas do pecado de “acumular”.

Neste estranho país, onde tudo se admite à esquerda radical, a atual Coordenadora do Bloco de Esquerda não se inibiu de afirmar “que temos de perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”.

Seguindo a mesma terminologia, devo dizer que o que é mesmo preciso é muita falta de vergonha para pensar em “ir buscar” seja o que for àquilo que os portugueses conseguem “acumular”, depois de sujeitos ao quarto maior esforço fiscal da União Europeia.

A conhecida afirmação da Coordenadora do Bloco de Esquerda, produzida em 2016, surge acompanhada de um repto ao PS, instando-o a “refletir até que ponto onde está disposto a chegar para se assumir como uma alternativa global ao sistema capitalista”.

Estaria a Coordenadora do Bloco de Esquerda a pensar naquelas “alternativas globais ao sistema capitalista” aplicadas em Cuba, na Coreia do Norte, na Venezuela e em tantas outras idílicas paragens, onde se mesclam autoritarismo, repressão, políticas desastrosas de esquerda e outras supostamente capitalistas, que enriquecem caudilhos, autocratas e oligarcas, que vivem da exploração dos trabalhadores e condenam os seus cidadãos à pobreza e à falta de liberdade?

Deve ter-me escapado qualquer coisa, pois não dei por nenhuma vaga de imigrantes a arriscar a vida para chegar a esses países, a fim de usufruírem dos benefícios trazidos por essas miríficas “alternativas globais ao sistema capitalista” de que nos fala o Bloco de Esquerda.

As Formigas devem andar distraídas…

Para a esquerda radical, empreender, poupar, investir e, sobretudo, enriquecer são crimes graves, de que nos devemos envergonhar, merecedores de censura e puníveis com pena de confisco.

Esquece que, salvo naqueles casos que compete à Polícia investigar e aos Tribunais julgar, as pessoas enriquecem com o seu trabalho e devem ter o direito de usufruir do resultado do seu esforço.

Sem recompensa não há incentivo, sem incentivo não há iniciativa e sem iniciativa não há riqueza.

Foi esse o ciclo que nos trouxe até aqui e que nos condena a ser o aquilo que somos: um país em que, se não fosse a ajuda do Estado, quatro em cada dez portugueses seriam pobres.

Num país repleto de pobres, o voto converte-se numa moeda de troca, em que demasiadas Formigas, reféns das migalhas que o Estado lhes vai concedendo e condicionadas pelas contas ao fim do mês, votam naqueles que lhes prometem tais migalhas e que, trágica e ironicamente, são os mesmos que as puserem nesse estado de dependência.

É certo e sabido que as reformas no futuro não serão o que são hoje.

Aqueles que hoje estão na vida ativa, para carreira contributiva e condições remuneratórias equivalentes, dificilmente terão o nível de reformas de que usufruem os atuais reformados.

Seria, pois, de esperar que o Estado português promovesse a poupança e o investimento necessários para que cada um de nós, tal como a Formiga popularizada por La Fontaine, pudesse, no verão, preparar o seu inverno, criando condições para complementar a sua reforma, tornando-a mais próspera e sustentável.

Uma forma tradicional de poupança para os pequenos aforradores é a compra de património e a sua colocação no mercado de arrendamento. Todavia, num setor onde reina a imprevisibilidade jurídica e o ataque constante aos direitos dos senhorios, essa opção apresenta um risco considerável, que impede que o mercado de arrendamento floresça e contribua para a resolução do problema da habitação em Portugal.

Incompetente na gestão do vasto património devoluto do Estado, indiferente à imperiosa necessidade de incentivar a construção de casas para a classe média, incapaz de transmitir aos proprietários a confiança necessária para colocarem a sua propriedade no mercado de arrendamento, o PS, com o apoio da  esquerda radical, insiste em soluções populistas e, sem qualquer pudor, empurra para os senhorios o ónus de fazer política social, esquecendo-se que o direito à habitação tem de ser provido pelo Estado e não pelos particulares, que já fazem a sua parte pagando os pesados impostos a que estão sujeitos.

Em Portugal, a improvável avó da Coordenadora do Bloco de Esquerda não esteve certamente mais “sobressaltada” do que estão, hoje, outras avós que investiram as suas poupanças em património, com a esperança de o arrendar e complementar as magras reformas que as esperam e que veem esse património exposto às medidas extremistas da esquerda que, não sendo capaz de criar riqueza, vive de perseguir quem o faz.

Neste capítulo, em mais uma inspirada medida para resolver o problema da habitação, o líder do PS veio defender que o aumento das rendas seja indexado ao aumento dos salários, pelo que as Formigas deste Portugal perdem, compreensivelmente, toda e qualquer vontade de arrendar as suas casas, pois mais vale vê-las fechadas e improdutivas do que sujeitas a todo tipo de riscos, num país de má memória quando o tema é o arrendamento.

A esquerda, mesmo a supostamente “mais moderada”, não resiste à tentação de “ir buscar”, sendo disso exemplo a proposta do Livre sobre a criação de uma “herança social”, suportada por um hipotético imposto sobre “grandes heranças”, seja lá isso o que for num país em que o conceito de classe média é aquele que conhecemos…

Mais uma vez, uma esquerda que tem como única solução taxar, ainda mais, a riqueza de quem trabalhou, poupou, investiu, arriscou e enriqueceu e que, justamente, deve poder usufruir dessa riqueza e transmitir o que lhe sobrar aos seus filhos ou a quem entendam.

A verdade é que, se à esquerda escasseiam as ideias para desenvolver Portugal, o mesmo não se poderá dizer quando o tema é ”ir buscar”, pois, num país repleto de taxas, taxinhas e impostos, há que louvar a sua fértil imaginação, sendo disso bom exemplo o Programa Eleitoral do Livre, que defende um imposto adicional sobre as empresas que reduzam pessoal em consequência do uso de automação e inteligência artificial.

Com mais uma excelente medida para promover a modernização do nosso tecido empresarial, ficamos a saber que, se dependesse do Livre, ainda andaríamos todos de carroça para proteger os empregos ameaçados pelo aparecimento do automóvel.

Neste país culturalmente apegado à esquerda, talvez a única solução seja mesmo bater no fundo, para que os portugueses fiquem definitivamente vacinados, como ficaram os países do ex-bloco comunista, que, hoje membros da União Europeia, nos vão ultrapassando alegremente e continuarão a fazê-lo, relegando-nos ao nosso merecido lugar na cauda da Europa.

Em democracia, não temos de nos conformar com esse destino.

Estamos sempre a tempo de apostar na mudança, de não nos iludirmos com soluções milagrosas e de não nos deixarmos enganar por aqueles que nos querem assustar, acusando qualquer um que sugira alternativas a um Estado omnipresente de querer acabar com o Serviço Nacional de Saúde, com a Escola Pública, com o Estado Social…

Este é o momento de acreditar nas nossas Formigas, dar-lhes espaço, condições e confiança para que, com o seu trabalho, impulsionadas pelas recompensas pessoais e materiais que dele irão receber, criem a riqueza necessária para terem a vida que merecem e para repartirem essa riqueza com aqueles que precisam de ser apoiados, até conseguirem romper as amarras da pobreza e das limitações impostas pelas suas condições sócio-económicas de partida.

Não obstante, se, apesar do estado em que está o país, perdermos mais esta oportunidade e o PS formar governo após as próximas eleições, resta-me aconselhar muito cuidado às Formigas com as folhas que irão juntar, pois podem contar com a geringonça à porta para “ir buscar” o que tiverem a imprudência de “acumular”…