As eleições europeias estão à porta e prevê-se uma subida do voto popular nos dois grupos da Direita: Conservadores e Reformistas Europeus e Identidade e Democracia. Ambos os grupos esperam alargar significativamente a sua representação.

Para vigiar e prevenir tudo o que, na expressão da vontade popular, possa denotar iliteracia informática, política ou ideológica – pela sujeição à desinformação, à propaganda enganosa ou à emissão de discurso de ódio nas redes sociais – a Comissão Europeia, através do DAS (Digital Services Act), deu início a um esforço acelerado de combate pré-eleitoral às fake-news, bem como a conteúdos “legais, mas prejudiciais” nas grandes plataformas digitais. Para tal, destacou equipas de observadores independentes e de fact checkers credenciados. O objectivo é a higienização do ciber-espaço e a promoção de “um discurso político inclusivo”, mediante a “aplicação de medidas de mitigação de riscos eleitorais”, entre elas a afinação de algoritmos.

Invernosa censura salazarista a bem do povo e do regime? Primaveril “exame prévio” marcelista, para aguentar o povo e o regime? Nada disso: campanha de alfabetização pré-eleitoral do povo europeu iletrado, incapaz de distinguir o verdadeiro do falso, a bem da democracia e das bancadas bem-pensantes do Parlamento Europeu.

Acusar de “desinformação” a opinião alheia é uma forma de cancelamento que se vai tornando cada vez mais comum. Há desinformação? Com certeza. Há manipulação? Sem dúvida. Há notícias falsas? Mais que muitas. Nas redes sociais e fora delas, no jornalismo “instantâneo” e no “de referência”, nos extremos e ao centro. Mas deverá uma instituição como a União Europeia embarcar na febre regulatória que varre algumas “vanguardas esclarecidas” europeias e norte-americanas, a fim de “mitigar riscos eleitorais” em causa própria e para que o povo “vote bem”?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Aqui, o alvo é nitidamente a “concorrência desleal”, a “ameaça à democracia” dos racistas, dos machistas, dos xenófobos, dos homofóbicos, dos transfóbicos, dos fascistas, dos reaccionários, dos conservadores, enfim, dos populistas da “extrema-direita”, os únicos emissores de fake news e de discurso de ódio conhecidos e certificados… mas o alvo pode mudar e crescer perigosa, arbitrária e indefinidamente.

As linhas mestras da Comissão

Foi no passado dia 26 de Março, com vista às eleições de Julho para o Parlamento Europeu, que a Comissão tornou público o documento “Guidelines for providers of Very Large Online Platforms (VLOPs) and Very Large Online Search Engines (VLOSEs) on the mitigation of sistemic risks for electoral processes”, recomendando às grandes plataformas online, como o Facebook, o Tiktok ou o Instagram, e aos grandes motores de busca, como o Google, que disciplinassem a difusão de notícias falsas e os portadores de “riscos sistémicos para o processo eleitoral.”

Para tal, a Comissão lançava às redes “equipas, integradas por especialistas com conhecimento privilegiado dos países, tais como verificadores de factos locais e organizações da sociedade civil independentes”. A par da inteligência natural destas equipas nacionais de “especialistas independentes” e para as coadjuvar, a Comissão disponibilizava também ferramentas de Inteligência Artificial sob a forma de uma série de algoritmos programados para evitar notícias ou análises “legais, mas prejudiciais”, porque susceptíveis de influenciar o comportamento dos eleitores (levando-os a “votar mal”, presume-se).

Na compostura cândida da linguagem neutra e tecnocrática de Bruxelas, estamos, declaradamente, perante um bem-educado e bem equipado Big Brother que, para nos proteger das “mentiras e intrigas” de alguns e para nos poupar aos horrores de certos “discursos de ódio”, se propõe examinar previamente e proibir, através da gestão das grandes plataformas sociais, o que se diz, o que se escreve e o que se pergunta. E o que não se diz, não se escreve e não se pergunta.

Cancelar para reinar

Não precisamos de ser muito subtis para, perante a referência a “equipas de especialistas” e “verificadores de factos independentes”, calcularmos o que aí vem, ou o que já aí está. Reunidas entre a esquerda liberal e a esquerda radical, estas “equipas de independentes com sensibilidade local” foram já chamadas à nobre missão de nos livrarem do mal, incentivadas pelo espírito de cruzada pela democracia e pelos fundos de coesão. Os velhos coronéis da censura do salazarismo-marcelismo, de que os capitães de Abril nos libertaram vai para cinquenta anos, empalidecem perante a extensão e a ubiquidade destes novos lápis azuis.

Tal como os democratas de Abril, na sua pequena escala, não hesitaram, no 28 de Setembro de 1974, em prender os reaccionários por listas de suspeitos para salvar preventivamente a democracia, assim também os democratas da União Europeia, na sua grande escala, não hesitam em examinar previamente e em censurar conteúdos “legais mas prejudiciais” para salvar preventivamente a democracia dos excessos de liberdade de expressão e de populismo que a ameaçam.