1Independentemente das diferentes convicções políticas, culturais, religiosas, existe um consenso generalizado em reconhecer que a “Educação”, como verdadeiro desígnio das nações, atravessa um processo de degradação, de decomposição e erosão, porventura em queda livre, dirão os os mais pessimistas. Existe a percepção clara (para além dos números a confirmá-lo) de que os alunos terminam a escolaridade obrigatória a “saber menos”,  com reduzida capacidade para escrever, ler e, pasme-se, a perceber o que se lê e, portanto, com menos ferramentas e competências para perceber algo tão importante como seja o “mundo em que vivemos”, como seja a própria realidade. Com muita dificuldade aprendem a raciocinar e expressar os seus pensamentos com clareza, a integrar ou aplicar novos conhecimentos, a distinguir o essencial do acidental, a detectar os falsos argumentos, a perceber que estão a ser manipulados, instrumentalizados. E isto, paradoxalmente, apesar do acesso ao inabarcável mundo que a tecnologia e a informação torna disponível. Revelam, ainda, pouco apreço pela herança cultural do próprio país, pelos valores da civilização ocidental (que construiu a Europa), pelos clássicos, pela tradição, pelo passado, pela história (veja-se a desvalorização que a disciplina tem vindo a sofrer ao longo dos últimos anos). Tudo isto é um sinal inequívoco de uma educação hedonista, materialista, pragmática e meramente utilitária que afasta o aluno do ensino das virtudes, do mérito e da responsabilidade pessoal. O secularismo, o materialismo e o relativismo contemporâneo assumem-se assim como uma espécie de trindade mundana e absoluta que inspira e conduz as actuais gerações, as quais, por causa da inexorável marcha do tempo estarão, a prazo, no leme. Por vezes, temos a sensação de que se estabeleceu um autêntico pacto secreto do “faz-de-conta” para tudo, aparentemente, ir funcionando. Uns, fingem que são alunos; outros, que são professores; outros, pais e encarregados de educação; outros, funcionários; outros, ainda, políticos e governantes. Será mesmo assim?

2Continuemos, com uma abordagem mais institucional, isto é, a Educação como direito (atenção ao perigo dos chavões). A Educação é, invariavelmente, tema obrigatório de propaganda ideológica, serve de arma de arremesso na estratégia política; é uma verdadeira bandeira, cujo valor foi elevado a Direito Humano (e, na medida certa, ainda bem)! Contudo, a substância do direito não é ( já dizia Simone Weil ) mais do que o dever que se impõe a um terceiro. E “o terceiro” são os políticos, as instituições e todos os professores e educadores. Ou seja, quando estes, e os políticos em particular, dizem “ad nauseam”, que todos têm direito à educação, estão apenas a enunciar algo que os obriga a eles próprios, a cumprir com tal desígnio (bizarro…). Por outro lado, repetir insistentemente que a educação é um direito pode até ser contraproducente pois leva a criança, frequentemente, a exigir tudo da escola, dos professores, dos funcionários, dos pais… e nada de si mesmo. Enfatiza-se que a educação é um direito e isso retira e dispensa a criança, e os próprios pais e EE, ao seu próprio esforço e responsabilidade pessoais (veja-se o peso desproporcionado, e perverso, que os pais têm na escola actual); evidencia-se a Educação, não como um processo de investimento pessoal onde é estimulado o gosto pelo estudo e pelo conhecimento e, perante a escola, os professores e o estado, incentiva-se na criança o direito ao tão desejado “canudo” para “subir na vida”. Atravessamos um período de uma evidente decadência da ordem moral, para a qual os adultos muito contribuíram, e que estará na origem de uma juventude marcadamente Hedonista (busca pelo prazer como modo de vida) e Niilista, isto é, as crenças, a verdade, a fé e os valores tradicionais são considerados inúteis. Quem “anda nas escolas” sabe o quão crescente e verdadeira é esta realidade.

3O modelo educativo moderno destina-se basicamente a preparar os alunos para a competência e eficácia, para a aquisição e desenvolvimento de técnicas, que os preparam e capacitam para o êxito no mercado de trabalho, na competitiva e, por vezes, desumana vida profissional que abraçarem. Esta abordagem é importante e necessária para uma carreira ou profissão mas corre o risco de ser rasa e superficial. A educação “verdadeira”, integral, é muito mais do que a simples assimilação de fatos, do que a mera aquisição de informação, técnicas e competências. Oferecer aos alunos apenas referências e valores humanos seria uma grave lacuna no processo de educação. É o cultivo elevado da mente,  da sabedoria e da virtude  através da promoção do Verdadeiro, do Bom e do Belo que constitui o fim último da educação.                                                                                                            Hannah Arendt, alemã de origem judaica, foi uma das mentes mais brilhantes e influentes do séc XX e sobre o referido assunto alerta para vários perigos e erros cometidos. Um dos perigos da educação actual, refere, tem sido pretender “encerrar” a criança dentro do chamado “mundo da criança”. Fechadas neste alegado mundo imaginário as crianças ficam privadas de aprender os conteúdos que as irão preparar para a vida, ficando assim com menos “ferramentas” para enfrentar as dificuldades e os desafios do incontornável mundo real. A espontaneidade, a criatividade e a novidade devem ser estimuladas na criança, mas quando estas estão desligadas das ferramentas de conteúdo para enfrentar os desafios do mundo “criam-se” crianças com mais dificuldades na vida, mais desadaptadas, mais insatisfeitas e inseguras e, finalmente, com menos preocupação e interesse em cultivar as competências mais elevadas do espírito, os conteúdos de valor e a formação de virtudes. Prender a criança no mundo da criança é, então, uma violência para a própria criança.

4Constata-se, também, o foco no grupo e não na criança. As novas pedagogias (em muitos casos autênticas pseudo-pedagogías) levam isto ao limite: dinâmicas de sala de aula, processos de grupo, avaliações e auto-avaliações em grupo… o que retira o ênfase ao desenvolvimento, ao aperfeiçoamento e responsabilidade pessoal. É a obsessão pelo grupo, pelo conjunto, e por um certo tipo de colectivismo moderno (a importância exacerbada dada à Psicologia tem muita responsabilidade neste campo).       Sobrevaloriza-se a importância dos processos, da dimensão lúdica, dos jogos, dos estímulos, das metodologias activas, da experiência, da experiência atrás de experiência, dos “fluxos de experiências”. Dá-se um grande protagonismo às técnicas e estratégias de ensino em detrimento dos conteúdos propriamente ditos. Lá vem outra vez o “processo” em detrimento do “conteúdo” (pragmatismo e nominalismo americano de John Dewey), ou seja, uma abordagem focada e exacerbada na “experiência” em detrimento dos conteúdos mais clássicos e tradicionais. Perdemos, portanto, a Tradição, e Tradição é aquilo que se traz, é o nosso legado do saber transmitido de geração em geração. É preciso então transmitir e restituir o legado de conteúdos mais elevados, mais profundos. Educação e tradição estão, por isso, intimamente ligadas. Por outro lado, só o que eu faço e vivencio é que me permite aprender; “eu só aprendo aquilo que faço”! Esta é outra das grandes bandeiras das pedagogias actuais, e também outro dos factores que estará na origem da crise actual. Este “ learn by doing” (aprender fazendo), ainda que útil e importante, não deve ser considerado um valor absoluto ao ponto de impedir a criança de uma certa atitude de contemplação (continua a defender Hannah Arendt) e busca por valores mais elevados, por um certo cultivar da vida do espírito, pela procura do bem, da beleza, tão decisivos no processo de Ensino-Aprendizagem. Exacerbar o “aprender fazendo” é uma abordagem incompleta, parcial que reduz muito a experiência de ensino.

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5É também evidente uma Crise da Autoridade. Autoridade não é autoritarismo. O autoritarismo, isto é, o exercício do poder de forma arbitrária, abusiva, injusta, surge precisamente porque não há autoridade. E não há autoridade porque cada vez é mais difícil criar um clima de “afinidade”, isto é, de amizade, de cooperação e respeito mútuo, de confiança e também, necessariamente, de vigilância. Quando se estabelece este clima de “afinidade”, a autoridade do professor é exercida de forma mais amistosa, mais conciliadora e construtiva, ponderada e, por isso, mais respeitada. Mas também não há autoridade porque há “pouco” conhecimento a transmitir; o que mais interessa são então as experiências, as vivências, as técnicas de ensino, o processo. E qual o problema? O problema é que deste modo o professor já não é reconhecido como o detentor do conhecimento; o professor é mais visto como “um igual”, como uma espécie de mero mediador e facilitador das aprendizagens. Ou seja, o professor já não é a referência do saber e do conhecimento, dentro da sala de aula; o que obviamente diminui a sua relevância, potenciando todas as situações gritantes de desordem, rebeldia e indisciplina com que diariamente nos confrontamos. Generalizou-se a ideia que a falta de autoridade é uma marca de nossa geração, mas Hanna Arendt demonstra que a crise da autoridade está também relacionada com a perda das tradições e a chegada do mundo moderno. Devemos ser conservadores ou revolucionários como educadores? Hannah Arendt defendia que podia até não se ser conservador na política mas não na educação. Educar é conservar, é preservar, é transmitir um determinado legado, não anulando naturalmente a saudável novidade das novas gerações. Também Rod Dreher, escritor e jornalista norte americano, nos diz que “a melhor maneira de criar uma geração de ignorantes, sem direcção e propósito algum, sem qualquer sentido do dever, e encerrados sobre si mesmos, é privá-los do seu passado”.

6Como diz o sábio: “Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele” (Pv 22,6).  Nos modelos clássicos de educação cristã pretende-se dar ao aluno uma formação completa e integral cujas aspirações vão para além da mera aquisição de técnicas e competências, do mero sucesso académico e profissional. “Educação é converter para a ideia do bem transcendente”, já dizia Platão. Nos modelos clássicos de educação cristã não se separa a busca pelo conhecimento da busca pela virtude; o modelo clássico de educação cristã parte da sabedoria do passado para criar novas gerações com os mesmos ideais e valores, baseados por sua vez, na sua milenar visão antropológica acerca do Homem.”Se eu vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes”, disse-nos Isaac Newton. A educação contemporânea parte de uma antropologia equivocada, utilitária, redutora, parcial. Uma educação que não proporcione ao Homem uma formação na sua totalidade e integralidade, e que ignore o fim último para o qual o mesmo foi criado não é, mais uma vez, uma educação cristã, nem sequer “humana”. A Religião (qualquer que ela seja) foi retirada do ensino público. E diga-se religião, no sentido de se voltar a uma certa experiência original ou originária; a religião restitui para as pessoas uma noção de nexo, de fundamento, de sentido. Religião é “religare”, isto é: ligar novamente. Ao retirar-se das escolas o ensino das religiões, remetendo-as para o uso e práticas, privadas amputou-se a pessoa humana de uma das suas dimensões mais estruturantes e transversais da sua existência: a abertura e a “fome” de transcendência (transcendência = abertura a qualquer coisa maior do que ela, que a ultrapassa). E com isto, a ausência da procura de sentidos para a vida. A religião tem então o papel de dar sentido e direccionar as acções. Na educação contemporânea perdeu-se totalmente esta dimensão do sentido. Eu ensino para quê? As pessoas aprendem, saem das universidades para saberem (quando sabem…) fazer coisas, saber técnicas, ter competências, saber trabalhar com máquinas, números, gráficos. A educação actual perdeu o sentido, o fim último. A conjugação de todos estes erros e equívocos ter-nos-á conduzido até aqui. É então na dimensão do transcendente que reside a grande diferença entre Educação “pública”, contemporânea, moderna e Educação cristã. Para a Educação contemporânea, especialmente depois de John Dewey, a transcendência (a metafísica) é desnecessária, é uma perda de tempo pois só o conhecimento gerado pela experimentação e quantificação das ciências naturais importa; só este, permite a plena adaptação da pessoa ao ambiente que a rodeia; só este, é relevante. Para a Educação Cristã a metafísica, a dimensão do transcendente, a dimensão religiosa, é absolutamente determinante, pois só através desta a educação pode ser integral e dar resposta aos anseios mais profundos do ser humano.

7Finalmente, em muitas escolas e colégios que se dizem cristãos, o Cristianismo não é mais do que um verniz, um adorno, uma fachada onde se encapotam práticas de um capitalismo liberal, individualista e consumista, e onde se mascara uma educação essencialmente mundana e secularizada, cujo principal objectivo é a “imagem de marca”e o estatuto de que muitas ainda se valem, vivendo à sombra de méritos pedagógicos de tempos remotos. A verdadeira Identidade cristã não é apenas uma questão meramente estatutária ou de elaborados princípios teóricos, vertidos nos documentos orientadores, nos manuais, nos sites, nos panfletos e nos certificados de habilitações. É indispensável que toda a organização da escola, a sua gestão (que cria o enquadramento e o ambiente favorável às aprendizagens), o recrutamento de professores (que define o perfil de quem tem a missão de educar), a organização e selecção de conteúdos programáticos (concorrentes com o objetivo e fim último  da educação cristã), as relações que se promovem entre todos os membros da comunidade educativa, isto é: direcção, clero, professores, alunos, pais, funcionários e colaboradores (que credibiliza, dá coerência e potencia o processo de ensino-apz), e o ambiente escolar, a mística e identidade próprias (que lhe dão o “perfume”, a especificidade e singularidade, propriamente cristãs) tenham como referência as sagradas escrituras, a tradição e o magistério da Igreja Católica. Só deste modo pode a religião cristã ser o fundamento de toda a educação.