Quando as coisas não correm bem, a culpa é do treinador. Foi e será sempre assim no futebol, sobretudo em Portugal. Porém, uma análise mais cuidada permite perceber que no caso do Benfica, esta temporada, a não conquista do campeonato não tem como ator principal Rui Vitória.

Com a entrada de Luís Filipe Vieira no Benfica em 2002, Domingos Soares de Oliveira em 2004, a inauguração do Caixa Futebol Campus em 2006, e a entrada de Rui Vitoria em 2015, o Benfica concebeu e implementou um modelo desportivo que se articula coerentemente com o modelo de gestão financeira: o lançamento de jovens jogadores na equipa A até aos 21 anos, e posterior venda até aos 23/24 anos, a idade de ouro do mercado internacional, com elevadas mais-valias, permite à SAD fazer face aos juros da dívida elevada.

Contudo, esta estratégia empresarial apresenta um risco elevado: primeiro porque coloca muita pressão no departamento de prospeção. Se por um lado é relativamente fácil avaliar se um jogador é bom do ponto de vista técnica e tático, por outro lado é difícil inferir sobre a sua dimensão psicológica e capacidade de adaptação à vida social num grande clube. Esta estratégia coloca muita pressão nos primeiros jogos do campeonato e na capacidade de o treinador reinventar uma equipa a cada cinco semanas de pré-temporada.

Em 2015/16, o Benfica, à oitava jornada, já tinha perdido 11 pontos. Contudo, já tinha jogado e perdido com Porto e Sporting. Nessa época, até à 34ª jornada, o Benfica só perdeu mais três pontos, curiosamente em casa com o Futebol Clube do Porto. Só um grande Rui Vitória e um pequeno milagre chamado Bryan Ruiz fez desse Benfica campeão. No primeiro terço da presente temporada, o Benfica perdeu sete pontos diante Rio Ave, Boavista e Marítimo, o Sporting perdeu seis pontos diante Marítimo, Moreirense e Porto, e o Porto perdeu dois pontos diante o Sporting.

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A dificuldade em ser-se campeão em Portugal é completamente distinta de outro qualquer país. A média de pontos por jogo do concorrente direto ao campeão português é superior em Portugal (2.36) do que em Espanha (2.17), Inglaterra (2.14), França (2.08) ou Alemanha (1.82).

Aliado à opção estratégica, exclusiva do nosso país, de não centralização dos direitos de transmissão televisiva, a diferença entre os três grandes e do Sporting Clube de Braga face aos restantes 15 clubes, está a aumentar exponencialmente. Atualmente, a diferença pontual na tabela classificativa entre o quarto e o quinto classificados é de 27 pontos, valor superior aos que separam o quinto e o 18º classificados, com 19 pontos.

O aumento das assimetrias entre grandes e restantes clubes encurta a margem de erro para quem queira ser campeão. Só nesta temporada, o Benfica esgotou 50% da margem de manobra em 8 jornadas sem jogar nenhum jogo com Porto, Sporting e Braga.

Todos os anos a pressão para que o treinador do Benfica encontre a sua nova equipa e identidade em pouco tempo, e que a partir daí seja quase perfeita até ao fim da época, é incomportável. A pressão criada pelo modelo de gestão desportivo-financeira de Luís Filipe Vieira e Domingos Soares de Oliveira, e pela pressão dos juros da dívida, tornam essa pressão incomportável.

Na última transição de temporada, centralizou-se, erradamente, as vendas sobre o sector defensivo: três dos cinco titulares mais recuados da equipa abandonaram o clube: Ederson, Nelson Semedo e Lindelof. Entretanto, foi-se testando sem sucesso Svilar, André Moreira (contratação falhada), Pedro Pereira, Buta, Luisão, e Felipe Augusto. O Benfica encontrou-se finalmente no dia 11 de novembro, jogo que ganha 6-0 ao Vitória de Setúbal, em que aparece a jogar em 4-3-3 com Varela na baliza, Ruben Dias e André Almeida na defesa, o triângulo de sucesso no meio-campo com Fejsa, Pizzi e Krovinovic e Jonas sozinho na frente. Portanto, à 12ª jornada do campeonato, justamente antes do empate no Dragão e da perda do nono ponto na Liga.

Por último, o limite de manobra é ultrapassado, curiosamente, outra vez no Estádio da Luz com o Porto com o célebre golo de Herrera ao minuto 90, verificando-se a perda do 16º ponto na Liga.

Não pode o Benfica vender 254M€ em talento nos últimos três anos e aumentar o passivo em 8M€, e achar que o treinador, seja ele quem for, vai conseguir manter ano após ano o elevado rendimento futebolístico da sua equipa. A boa notícia para os adeptos do Benfica é que a SAD parece ter antecipado receitas da NOS para reduzir dívida e diminuir a pressão dos juros, para que não tenha que vender meia equipa de futebol todos os anos e permita que a próxima época seja preparada sem tanta pressão para colocar os resultados financeiros à frente dos resultados desportivos.

Vice-diretor da Faculdade de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Europeia