“Em retrospetiva, o nosso maior erro foi ter autorizado a realização das eleições [em 1975]. Esse foi o início do nosso declínio.”
Otelo Saraiva de Carvalho
25 de abril de 1974 foi o dia de uma revolução, um golpe de Estado, com uma motivação inicial algo prosaica – uma reivindicação salarial –, que culminou na queda de um regime que não soube resolver a questão colonial. A revolução era inevitável. Se não fosse no dia 25 de abril, seria em 14 de maio ou em qualquer outra data. (É fácil dizer isto, já que a comprovação é impossível.) O certo é que o regime caiu.
25 de abril foi só um dia. Mais importante era saber o que se deveria fazer a seguir. Houve os que sonharam com a instauração em Portugal de um regime democrático de estilo ocidental, com liberdade, parlamentos e eleições, e houve os que quiseram instaurar um ditadura de estilo soviético, sem liberdade, nem eleições, nem parlamento. Como disse Cunhal, em 1975, numa entrevista a Oriana Fallaci, “em Portugal não haverá um parlamento”, nem eleições, obviamente, já que as eleições para a Assembleia Constituinte tinham sido uma vez sem exemplo e na qual Cunhal se tinha arrependido de participar – arrependido, note-se, depois de ter tido apenas 12% nas eleições. Não havia sondagens na época. “Talvez fosse melhor não termos participado [nas eleições]”, disse Cunhal. Já o MFA tinha apelado ao voto em branco.
“Haverá uma Assembleia Constituinte e basta, com uma importância limitada”, disse também Cunhal. Para que não houvesse dúvidas: “Repito e concluo: Portugal […] não será um companheiro das vossas democracias burguesas. […] Talvez tenhamos novamente um Portugal fascista. É um risco que é necessário correr. […] Mas, seguramente, não teremos um Portugal social-democrático.”
Daqui se vê que quando se fala de “espírito de abril” ou das “conquistas de abril” está-se perante um discurso vazio, já que “abril” pode significar o que se quiser, do sonho de instauração de uma ditadura comunista à esperança de implementação de um regime democrático de tipo ocidental.
Otelo Saraiva de Carvalho, amplamente citado na literatura internacional – mais do que na portuguesa –, como, por exemplo, na monumental obra de Tony Judt, Postwar. A History of Europe Since 1945, afirmou que o maior erro da sua ala política tinha sido consentir na realização das eleições de abril de 1975. Note-se o termo “consentir” (ou “autorizar”, já que retroverti da tradução): Otelo implicitamente disse que dominava o País e que podia, se quisesse, ter impedido a realização de eleições. Foi de facto um erro: as eleições demonstraram quão insignificante era a aceitação popular da extrema-esquerda em Portugal e que a “legitimidade revolucionária” não era mais do que a legitimidade da força.
O período caótico e desastroso que se seguiu ao 25 de abril é conhecido. Sem grande espetacularidade, a insanidade acabou com um homem fardado a ter o discurso cortado em direto na RTP e que ficou famoso (apenas) por causa disso: Duran Clemente. Tive oportunidade de falar com ele recentemente. Disse-me, simpaticamente, que não deveria ter havido eleições em 1975 porque o “povo” não estava “preparado”.
Os que quiseram instaurar uma ditadura de extrema-esquerda em Portugal tiveram o seu último suspiro em 25 de novembro de 1975. Qual é a data que se deve comemorar?