E o mundo de futebol parou: os 12 maiores clubes de futebol da Europa (e do mundo) anunciaram a sua intenção em criar uma Superliga Europeia, substituindo a UEFA Champions League. Esta consiste numa prova (semi) fechada a 20 clubes, em que os 15 membros permanentes têm participação garantida, sendo os restantes 5 apurados por meio dos seus resultados nas competições nacionais.
Como em (quase) tudo no mundo dos negócios, a razão para a criação desta competição parece ser estritamente financeira. Se consideramos a estrutura de receita dos 20 clubes mais ricos do mundo, percebemos que cerca de 45% é proveniente dos direitos de transmissão televisiva das competições em que participam. Este montante é diretamente proporcional ao número de espetadores impactados, sendo influenciado por duas variáveis: (i) o número de jogos e (ii) a audiência média dos jogos.
O atual modelo da UEFA Champions League comporta 125 jogos, nos quais clubes oriundos da periferia da Europa (Hungria, Turquia, Dinamarca, Grécia, Áustria, Portugal, Ucrânia, Bélgica, entre outros) participam em cerca de um terço, diminuindo substancialmente as audiências da competição. No novo formato da Superliga Europeia, os 20 clubes com mais adeptos na Europa irão jogar 197 jogos entre si, maximizando-se tanto o número de jogos, como a audiência média dos jogos. Qualquer extrapolação empírica permite perceber que este novo modelo de competição irá gerar no mínimo oito vezes mais receita, sendo a mesma partilhada por menos clubes. Em simultâneo, cada um dos membros fundadores parece receber 350 M€ só pela criação da competição, que corresponde a mais do triplo do prémio monetário por participar e vencer uma edição da UEFA Champions League. A criação da Superliga Europeia é um resultado natural da privatização da indústria do futebol. Hoje os clubes são empresas for profit e, naturalmente, os seus proprietários procuram maximizar os seus lucros.
Rapidamente a FIFA e a UEFA se manifestaram contra esta competição fundamentada em duas premissas: primeira, acusaram o G12 de negligenciar o desenvolvimento do futebol de base, e depois ameaçaram proibir os clubes e jogadores de participarem nas suas competições. Não obstante as razões que a UEFA possa alegar, parece óbvio que a preocupação é, também ela, financeira. Por exemplo, mais de metade dos 3857 M€ que a UEFA recebeu em 2018/19 teve como origem a UEFA Champions League. O argumento da anti-democratização do futebol cai por terra quando se percebe que menos de 4% deste montante foi destinado a clubes que não participaram na competição. Os restantes 96% foram destinados aos clubes e federações que participaram nas competições da UEFA.
No que concerne à proibição de participação dos melhores jogadores do mundo nas competições da FIFA e UEFA, não espanta que venha a ser precisamente ao contrário: à semelhança da NBA, poderão ser os clubes e os jogadores a não quererem jogar competições de seleção, e a FIFA e UEFA (à semelhança da FIBA ou do COI) a encetarem negociações de bastidores para garantirem a participação dos melhores jogadores do mundo nas suas provas. Porque no fim o dinheiro fala mais alto: os jogadores, como profissionais que são, irão jogar por quem lhes paga mais. Ou seja, o que pode verdadeiramente ter motivado a posição da UEFA é a sua sobrevivência (financeira) enquanto organização.
Curioso também verificar que a Liga Portugal rapidamente se manifestou contra a Superliga Europeia por esta ser um movimento anti-democrático do futebol. Aqui então reside uma suspeita ainda mais forte que a razão do descontentamento seja, outra vez, financeira, porque a existência desta nova competição irá inibir os clubes portugueses de poderem aceder aos milhões que a UEFA Champions League irá deixar de partilhar. Neste caso, a democracia parece servir apenas quando se é o mais pobre, pois quando se tratou de centralizar os direitos de transmissão televisiva da Liga NOS, a Liga Portugal e os seus clubes (grandes) nunca mostraram vontade de ser “democráticos”.