É surpreendente como pouco se discute o problema demográfico em Portugal e, sobretudo, como se tomam decisões como se a demografia não fosse uma variável fundamental.

A demografia é uma das previsões relativamente fáceis, na medida em que, se estivermos aqui no próximo ano, estaremos um ano mais velhos. Dito de outra forma, o futuro resulta muito de um presente que tem uma inércia quase impossível de alterar de forma orgânica. A problemática demográfica portuguesa anunciava-se há muito e ninguém falava nela. Hoje, estamos bastante piores e, por isso, já falamos no problema, mas insistimos em não a ter em conta em decisões coletivas como seja o aeroporto…

Para compreendermos a magnitude do desafio, observemos alguns números sobre a demografia atual e projetada do relatório 2024 Ageing Report da Comissão Europeia e do relatório de Março de 2024 do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliações e Relações Internacionais:

  • Em 2050, a população portuguesa irá contrair-se 7% face a 2022
  • Em 2050, a população portuguesa entre os 20 e 64 anos irá contrair-se 21% face a 2022
  • Em 2050, a dependência da população com mais de 65 anos da população entre os 20 e os 64 anos passará de 40% em 2022 para 70%

Estes números são projeções, mas tomemos em conta que hoje temos menos 44% de alunos inscritos no primeiro ciclo do que há 30 anos.

Olhemos de forma prática para esses números. Menos 44% de alunos no primeiro ciclo há 30 anos significa uma escassez projetada de 44% de profissionais em diversas áreas já daqui a 10 anos, desde médicos, professores, engenheiros, agricultores e também profissionais de construção civil. É quase uma redução a metade das pessoas disponíveis!

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As previsões demográficas indicam que o saldo migratório possa equilibrar parte desse défice para menos 21%, ainda assim uma redução muito significativa e das maiores a nível mundial. Mas enquanto a evolução natural da demografia é um resultado direto do número de mulheres em idade fértil, crianças por mulher e falecimentos, o saldo migratório depende de imensos fatores, desde logo a nossa competitividade relativa a outros países. Passar de -44% para -21% mostra bem a importância da migração e de como o tema deve ser discutido sem tabus para que a migração possa ser sustentável e responder ao desafio demográfico.

Do ponto de vista económico, a contração populacional em 7% implica uma contração real do PIB em 7%, mantendo o PIB per capita. Para manter o PIB per capita com menos pessoas a trabalhar, a produtividade média deve aumentar significativamente… Aproximadamente duas vezes o que a produtividade média aumentou nos últimos 30 anos!

Se não conseguirmos duplicar a produtividade, enfrentaremos não apenas uma perda real de PIB, mas também uma diminuição do bem-estar em comparação com a situação atual. Aí, a dependência dos idosos passar de 40% para 70% ilustra bem a importância social do desafio de produtividade que temos.

Vejamos agora as implicações do aeroporto sobre a evolução da produtividade.

A CTI fez previsões absurdas de procura do aeroporto de 84M de passageiros face 31M atuais em 2050. Mesmo admitindo que as previsões estejam certas, ter um aeroporto para satisfazer essa procura, não implica que a procura possa ser satisfeita, na medida em que haverá outro tipo de restrições, como seja oferta hoteleira e a própria demografia, que limitam a satisfação dessa procura. E mesmo admitindo que consigamos satisfazer essa procura, tal não implica que sirva o interesse público ter um aeroporto que sirva a procura potencial. Para explicar isto, bastaria referir que ter um aeroporto que consegue servir toda a procura potencial é tão absurdo como ter parques de estacionamento em Lisboa ou no Porto que possam servir toda a procura potencial.

Contudo, importa explicar porque apostar num mega aeroporto pode ser contrário ao interesse público por não contribuir para o aumento de produtividade que necessitamos para manter o nível de riqueza per capita atual com menos trabalhadores.

Um mega aeroporto para satisfazer uma procura várias vezes superior à atual implica a dedicação de uma percentagem maior da população ativa ao turismo, mas também à construção. Ora, estas atividades são de baixo valor acrescentado. Leia-se, estas atividades produzem pouca riqueza e dificilmente ajudarão a duplicar a produtividade. Sem aumento de produtividade, ficaremos presos na atual situação de baixos salários e menos atrativos a uma migração em número e qualificação interessantes.

Além de mantermos o País com níveis baixos de produtividade, Portugal que já é o 3º país europeu com o peso mais alto do turismo no PIB, ficará numa situação de fragilidade económica muito significativa aumentando o peso do turismo na economia, tornando a economia vulnerável a flutuações e crises globais, como pandemias ou instabilidade política. O aumento do peso do turismo também contribui para uma economia sazonal, inflação e potencialmente mais desigual em termos sociais.

A construção do aeroporto e todos os investimentos de grandes infraestruturas conexas como a 3ª travessia sobre o Tejo e a construção da oferta hoteleira vão exigir recursos humanos, mas também financeiros e de equipamentos que não só não poderão acudir à crise habitacional, como tenderão a agravar os custos de construção por efeitos inflacionários.

Por fim, os nossos idosos vão precisar de quem cuide deles. Se colocamos as pessoas que temos na duplicação do turismo, na construção, etc, quem cuidará deles e com que recursos financeiros?

A nossa demografia é a que é. O cenário esperado é que onde hoje temos 4 pessoas a trabalhar vamos ter de fazer o mesmo com 3 pessoas a trabalhar. Significa que coletivamente não podemos pensar nos aeroportos, TGVs e pontes como se a nossa população estivesse a crescer ou não fosse uma restrição ativa.

A demografia é uma restrição efetiva que deve enquadrar todas as decisões coletivas, sejam elas políticas ou empresariais. Temos de começar a pensar com as pessoas que temos, quais as iniciativas políticas e empresariais que melhor utilização fazem das pessoas que temos para termos um Portugal mais próspero, mais justo e menos desigual.

Talvez a pergunta que devemos fazer não é onde deve ser o aeroporto e se o TGV deve passar por Alcochete. A pergunta que coletivamente devemos fazer talvez seja qual o melhor uso para 12 mil milhões tendo em conta a população ativa que temos e os desafios dos baixos salários, problemas na habitação, desigualdade social e população idosa. Muito provavelmente, esse dinheiro seria melhor aplicado simplesmente baixando impostos às empresas para poderem investir e aumentar a produtividade e investindo nas nossas pessoas e nas que recebemos em upskill/reskill para conseguirmos responder a uma economia mais sofisticada e exigente. São perguntas difíceis e não as perguntas que gostaríamos de ter de responder, mas são as perguntas que efetivamente temos nas circunstâncias que temos…

A Demografia e o Aeroporto vão a um bar… O Aeroporto diz para a Demografia, excitado e otimista, que estava a fazer imensa falta ao País e que vai trazer muitas pessoas que vão criar riqueza. A Demografia, velha e cansada de promessas de um amanhã que não chega, diz para o Aeroporto que não vai ter força para receber as pessoas e pagar a conta…