É bom recordar aos mais jovens, que só conhecem do 25 de Abril a retórica da democracia conquistada, que o último ministério detido pelo Partido Comunista em Portugal, já perto do final do PREC, era o Ministério dos Transportes do 6.º Governo provisório, assegurado pelo Eng.º Veiga de Oliveira… Décadas passadas, percebemos que não foi à toa que isso sucedeu. Ainda hoje se sente o controle que o Estado conquistou sobre o tecido sócio-económico do país. Até à bancarrota; até se tornar bandeira de todos os soberanismos, incluindo à direita, como no caso dos Estaleiros de Viana, para não falar do PS e dos seus apoiantes, em suma, dos partidos que tenham herdado o património estatizado pelo PCP.
Com efeito, se algo se deve criticar ao actual governo é não ter feito a maior parte das reformas exigidas pela crise, como a da segurança social, ou seja, a reforma das pensões perante o envelhecimento brutal da população e as desigualdades igualmente brutais que reinam entre nós nesse campo que consome praticamente um terço da despesa pública. Tão importante ou mais como essa, outra das tarefas que o actual governo tinha de levar a cabo a fim de evitar uma nova bancarrota mas que apenas encetou, está a desestatização. Em especial a das empresas de transportes colectivos nacionalizadas no 25 de Abril e que sobreviveram até hoje sob a designação populista de «empresas públicas», cuja dívida acumulada sobe a mais de 20 mil milhões de euros.
Entre essas empresas, conta-se a TAP, cuja deterioração atingiu por estes dias a selvajaria moral de um acto de destruição deliberada por parte de um limitado grupo de funcionários estatais que se encontram entre os mais bem remunerados do país. O PS e os seus apoiantes, encabeçados neste caso pelo próprio António Costa, estão particularmente mal colocados para atacar a desestatização da TAP (gradual, para mais), quando o governo Guterres, do qual faziam parte os ministros Cravinho e o mesmo Costa, iniciou o processo de alienação da TAP no final de 1997 e só não a vendeu à Swisssair porque esta faliu antes, como de resto já aqui tive oportunidade de recordar. Foi nessa altura aliás que o PS, se não prometeu, deu a entender aos pilotos que poderiam vir a possuir a fatia da companhia que agora exigem…
E antes disso, já em 1991 o governo Cavaco preparara a empresa para a desestatização, transformando-a em sociedade anónima. Na altura, tive oportunidade de me pronunciar a favor da «empresa de bandeira» para salvaguardar o «hub» de Lisboa e até recebi uma carta do sindicato dos pilotos a agradecer a minha tomada de posição… Só que hoje a liberalização económica do espaço aéreo e o surgimento das companhias «low cost» tornaram inviável a manutenção de monstros de gastos e de regalias insustentáveis como a TAP. Sobretudo numa altura em que o turismo em Portugal cresce, como está a acontecer neste momento, com percentagens de dois dígitos por ano, assumindo o papel de indústria transaccionável capaz de aumentar as nossas ainda escassas exportações.
É tudo isto que está em causa e é tudo isto que o PS, assim como os «patriotas de serviço», pretendem a todo o custo impedir. É isso que tem sucedido também às tentativas de desestatização das empresas urbanas de transportes colectivos. A CGTP já nem esconde que não está a fazer greve dia sim, dia não – seja no Metro, na Carris ou nos transportes do Porto – para defender os interesses dos trabalhadores, como reza o mantra sindical, mas sim contra a perda de controle estatal – em suma, controle político-partidário – sobre as empresas, os seus funcionários e os seus utentes. Uma vez mais, António Costa, como antigo autarca de Lisboa mas agora também como candidato a primeiro-ministro, promete reverter as privatizações que o governo lançou tarde de mais a fim de reduzir as dívidas e libertar a população das grandes cidades da ditadura sindical. Esta estratégia corporativa do PS cheira demasiado às manobras semelhantes do Syriza de chantagear funcionários e utentes…
Do que se trata, pois, é de desestatizar o tecido social e de despolitizar o controle exercido pelos partidos e as suas clientelas sobre a vida do país, desde as empresas até aos cidadãos, estejam estes a estudar, a trabalhar ou na reforma. Balsemão não foi muito coerente na sua breve prática política, mas tinha razão quando apelava, entre muito boa gente, à «libertação da sociedade civil» estrangulada pelos poderes do Estado, a começar pelo controle dos ordenados dos funcionários públicos e das pensões, os quais representam mais de 50% de uma despesa pública que já chegou a 53% do PIB nas vésperas da derrota de Sócrates, sem falar do que andava escondido em PPPs e quejandos. Ainda há quem pergunte de onde vêm as dívidas do país? A dívida é o preço que nós estamos a pagar pelo controle que os partidos exercem sobre nós!