Percorrer as galerias do British Museum é um privilégio absolutamente extraordinário para quem se interesse pela História. Mas, mesmo o mais desatento à história dos povos, reconhece, indubitavelmente, a riqueza museológica dos pedaços de História que encontramos naquele museu. E quem diz o British Museum, diz o Louvre, o Rijksmuseum, o Hermitage, entre tantos outros.
A deputada do Livre atirou para a discussão nacional um tema já muito debatido, especialmente, pelas nações outrora vítimas do colonialismo europeu. Sendo certo que, dentre uma tonelada de assuntos bem mais prementes e pertinentes para o interesse nacional, a verdade é que nunca haverá uma boa altura para se discutir este assunto. Pelo menos, da perspetiva de uma nação colonizadora como a nossa, como de tantas outras nações europeias.
A primeira pergunta que se impõe, pois, é: será toda a arte exposta nos museus europeus resultado de espoliação das nações colonizadas?
E a segunda: o que aconteceria se todos os museus tivessem de devolver a arte colonial (saqueada)?
As respostas são difíceis. Admito, grosso modo e sem grande dificuldade, que o acervo africano presente nos museus europeus terá origem ilícita, mas até que ponto, questiono-me, seria curial trasladar peças que, na grande maioria dos casos, correria grave risco de dano ou destruição? Este tem sido, aliás, um dos argumentos dos museus europeus para negar a devolução, aliado a outro relacionado com a capacidade de os países reclamantes lhes darem devida conservação.
Poucos são os países europeus que saem incólumes deste assunto. Na verdade, é antigo o conflito entre o Museu Britânico e as autoridades gregas relativamente a estátuas e mármores do Parténon. O Rijksmuseum, de Amesterdão, já manifestou intenção em devolver o espólio colonial ao Sri Lanka e à Indonésia. A França, através do seu presidente, Emmanuel Macron, dispôs-se a entregar peças de arte a alguns países africanos como o Senegal, a Etiópia ou os Camarões. É também antigo o conflito relativo ao busto de Nefertiti entre a Alemanha e o Egito. Angola reclama algumas esculturas a Portugal. A Colômbia pretende que Espanha restitua o tesouro Quimbaya composto por artefactos pré-colombianos. O Cocar de Moctezuma foi há pouco tempo objeto de disputa entre o México e a Áustria…
Sem negar a espoliação que, não nos iludamos, ocorreu, e violentamente (lembremos os Sermões do Padre António Vieira, 1679), não terá o decurso do tempo – em alguns casos, de séculos – de alguma forma cristalizado e incorporado esse acervo na cultura do povo espoliador, deste sendo já matéria identitária ao ponto de daquele acervo se arrogar legítimo proprietário?
Não será a História da Humanidade composta, no fundo, por uma sucessão de conquistas e reconquistas? Deverá o cristianismo ceder os territórios outrora ocupados pelo islão? Ser-nos-á lícito inverter os caminhos da História?
Perguntas de difícil resposta.
Dúvidas não restam que este é um assunto que poderá reabrir algumas feridas ou até provocar um outro “irritante” entre Portugal e algumas ex-colónias portuguesas.
Poderemos, por outro lado, comparar a “recolha” em séculos de colonialismo com os crimes ocorridos na pendência de conflitos armados, por exemplo, os praticados pelos nazis na 2.ª Guerra Mundial, ou, mais recentemente, os saques ocorridos na Síria?
Outra pergunta difícil.
O arqueólogo inglês especialista em comércio ilícito de antiguidades Samuel Hardy dá-nos uma resposta. Afirma aquele especialista que “a retenção de antiguidades extraídas mediante expedições de punição é uma intolerável perpetuação da violência colonialista.”
Será assim com as restantes antiguidades? Talvez a senhora deputada Joacine nos ajude com a resposta, já que parece devotada, agora, nas mais profundas inquietações do país.