Recentemente, Rushan Abba, fundadora do projeto nomeado para o Prémio Nobel da Paz “Campaign For Uyghurs”, veio a Portugal testemunhar o que se tem passado no Turquestão Oriental. As autoridades chinesas têm feito desaparecer a minorita étnica uigur, ao retirá-los das suas casas para os colocar em campos de concentração (ou, no vocabulário chinês, de “reeducação”). A ativista sublinhou o papel importante que o nosso país poderia desempenhar para combater esta ação criminosa – primeiro, a condenar os atos da China como genocídio à minoria étnica, para ativar mecanismos internacionais que o possam parar e, em segundo lugar, através da UE, ao impedir que no espaço europeu se comercializem produtos fabricados nesta região rica em algodão, através do trabalho obrigatório dos uigures.
Relativamente ao segundo ponto, parece que von der Leyen já iniciou esse processo, porquanto propôs este ano uma proposta legislativa que proíbe no mercado da União qualquer produto feito através de trabalho forçado.
Já no que diz respeito ao primeiro ponto, uma vez que tiveram notícia destes factos, os nossos partidos políticos tentaram pressionar o governo de António Costa a agir. Nomeadamente, foram apresentados cinco projetos de resolução – um do BE, dois do PAN e três pela parte dos liberais (um por Cotrim de Figueiredo, na altura em que ocupava o cargo de deputado único) e, ultimamente, outros dois pelo grupo parlamentar da IL.
Foi só, no entanto, depois de a ONU revelar um relatório no qual descrevia os crimes que estão a ser cometidos pelo regime comunista no Turquestão, que Portugal se pronunciou, ao assinar uma declaração conjunta com quarenta e dois países que exigia a Pequim que garantisse “o pleno respeito pelo Estado de Direito” na região autónoma. É no entanto de realçar que, na declaração, parte da comunidade internacional acusa a RPC de estar a cometer vários crimes, mas nunca genocídio. Um passo a seguir deram o Reino Unido, os Estados Unidos e outros seis países, quando acusaram o país asiático de estar a cometer um genocídio contra o povo uigur. Entre estas três atitudes – o silêncio, a condenação dos atos ou a denúncia do crime jus cogens, – qual será a atitude correta a prosseguir? Serão estas mortes e estes maus-tratos irrelevantes para os membros da ONU; terão estes medo de agir ou estarão, em alternativa, aqueles oito países a exagerar?
Pela Convenção pela Prevenção e Repúdio do Crime de Genocídio, entende-se por genocídio “os atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso” através de assassinatos, atentados graves à integridade física e mental, submissão deliberada a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, medidas destinadas a impedir os nascimentos e a transferência forçada das crianças. Se adotarmos esta definição, não parece existir qualquer dúvida de que estamos a vivenciar um genocídio.
Presumo, então, sem grande necessidade de elaborar teorias da conspiração, que Portugal, que mais parece a Suíça, está a decidir deliberadamente desvalorizar a situação com medo da reação chinesa. Parece que o emblemático lema “never again” é relativo. O advérbio “nunca” parece-me algo extremista. Proponho, em alternativa, “nunca mais! (Apenas, no entanto, se o país agressor não for um dos maiores investidores em Portugal)”. Sobretudo, todos sabemos que pesa mais a dependência económica do que umas três milhões de vidas.
Para que não me acusem de não ser patriota, foco agora a minha atenção na cobardia da restante comunidade internacional.
Ora, a experiência indica que os países costumam esperar pelo fim dos conflitos para agir militarmente ou tão-somente para se desculparem perante as vítimas que deixaram sofrer e/ou morrer. Aliás, aquando do Genocídio de Ruanda nos anos 90, os EUA, à semelhança de tantos outros países, não sentiram a necessidade de intervir, porquanto não tinham laços com o país. Qual é então o critério para haver uma intervenção? Será o número de vidas em causa; a proximidade geográfica ou a partilha dos mesmos valores?
Efetivamente, não classificar estas situações consubstancia, também, uma não intervenção. Desde logo, não chamar genocídio aos acontecimentos que tiveram lugar na Jugoslávia, impediu que se pudesse agir quando as primeiras violações de Direito Internacional decorreram. Não devemos poupar nas palavras, devemos designá-los como genocídio (Sjoerd Sjoerdsma).
A verdade é que depois da Guerra Fria nasceu uma política global de prevenção e combate ao genocídio, mas não foi por isso que deixámos de vivenciar genocídios e outras violações, que continuam a ser recorrentes ainda hoje (Martin Shaw). Vivemos, então, numa época paradoxal, em que existe a maior quantidade de legislação internacional e mecanismos para combater estes crimes, mas na qual estão a ser disputados conflitos armados num número nunca antes visto. Apesar de ser agora possível punir líderes de genocídios, não devemos, por esse motivo, sentarmo-nos a assistir à destruição de milhares de vidas.
Tendo tudo isto em conta, se mesmo assim agir por convicção não for suficiente, existe agora na ONU, por incentivo canadiense, a “responsabilidade de proteger”, que consiste, tão simplesmente, na obrigação de proteger as vítimas, quando a nação em causa não o conseguir fazer sozinha.