Uma espécie de Santo Graal dos banqueiros de investimento é a perceção prévia daquilo que um dia valerá imensamente mais do que vale hoje. É fácil entender porquê: se eu fosse um dos investidores iniciais da Google, da Microsoft, da Ford ou da IBM, hoje teria multiplicado várias vezes o meu investimento. Um dos tubarões das finanças, não me lembro qual, quando um dia lhe perguntaram que tipo de investimento ele aconselharia, explicou que devemos escolher algo em que acreditamos. Se tivéssemos acreditado que o automóvel seria o futuro e investido um dólar na Ford, hoje teríamos milhares.

É claro que, como é vulgar acontecer quando ouvimos banqueiros de investimento a falar, tudo nos soa “post mortem”. Difícil era na altura acreditarmos que o automóvel seria o futuro e, mais, que Henry Ford seria o sujeito para o mostrar. Daí que, quando o dinheiro é barato, como acontece há alguns anos a esta parte, assistimos a um incompreensível despejar de dinheiro sobre coisas que nos parecem absurdas, só porque são parecidas com outras muito bem-sucedidas. Tudo na busca de ser “aquele” investidor que estava lá no primeiro momento.

Na verdade, a sorte tem muito a dizer em todo o processo, particularmente para aquelas pessoas que não têm o conhecimento suficiente para distinguir porque é que aquele projeto em concreto vai ser o bem-sucedido em algo em que até podemos ter uma fé inabalável. Deixem-me dar-vos o exemplo do Spotify, que difere muito pouco de um projeto português dos anos 1990 chamado “Cotonete”, mas cuja capacidade de captação de dinheiro foi gritantemente maior. Porquê? Não sei o suficiente para lhes dizer que o que o Spotify tem de diferente é substancialmente mais do que aquilo que o “Cotonete” tinha. Para mim, a aposta num ou noutro seria perfeitamente igual.

Por isso, não sendo um banqueiro de investimento, foco a minha atenção em “que capital tem este projeto?”. Por outras palavras, que capacidade própria tem aquele projeto que justifique ser tão valioso? Ainda que não tenha um conhecimento profundo daquilo que se passa na empresa, conseguimos perceber que a Google tem uma propriedade intelectual enorme, que Henry Ford criou a forma de produzir carros em série ou que a Amazon inventou todo um conjunto de processos próprios. Se quiséssemos comprar esse capital que cada uma dessas empresas tem, teríamos de gastar muito, muito dinheiro. Quando alguém me diz que há ali uma startup fantástica, fico a pensar no que é que têm internamente que seja muito difícil de lá chegar. Ou isso, ou a esmola é grande, e se for, o pobre desconfia.

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Se entenderam o princípio, então percebem que cada vez que me vêm com um projeto público fabuloso, eu tento perceber que capital temos nós que justifique a nossa aposta em tal coisa. Vejamos o caso das eólicas: que capital tínhamos nós para desenvolver projetos gigantescos de energia eólica? Da minha perceção, que pode estar errada, zero.  Assim, a nossa “aposta” foi apenas consumir a crédito capital alheio, consumo esse que poderia ser substituído pelo consumo da energia produzida de outra forma qualquer. Já a energia solar poderá fazer sentido, porque temos o capital da localização, que nos dá uma enormidade de horas de sol por ano. Portanto, se em alternativa a comprar energia no estrangeiro, me apresentam duas soluções – uma eólica e uma solar – eu, que não vejo absolutamente nada de energia, vou claramente no sentido da solar. Só essa me parece trazer vantagens económicas face a ter a energia produzida na “Chinamarca” e a pagar os custos de transporte. A mim que, sublinho, não percebo nada de energia. Lítio? Pois, se temos o chão cheio disso poderá fazer sentido que o Estado facilite alguma coisa, embora fique a pensar que se temos o chão cheio disso, porque é que o Estado deve facilitar mais do que para produzir vídeos de dança?

Isto para chegar à minha pergunta fundamental relativamente ao projeto do hidrogénio: que capital temos nós relativamente à produção de energia pelo hidrogénio? Existe alguma tecnologia desenvolvida em Portugal que traga vantagens na produção de energia pelo hidrogénio? Vamos copiar os outros? Vamos aprender como fazer (resposta de que gosto)? As perguntas estão longe de ser inocentes e, confesso, encharcadas de trauma relativamente às “fantásticas” apostas nacionais que desde há 100 anos iriam substituir o ouro do Brasil. Daquilo que me é dado a perceber, não foi desenvolvida nenhuma tecnologia proprietária especial que justifique ao Estado português a subsidiação de um empreendimento face ao consumo futuro de energia produzida de outra forma qualquer. Não tendo esse capital, não vislumbro vantagem económica. Não quero dizer com isto que não existam vantagens. Acredito que sim, o que não acredito é que tenha de me tornar de forma compulsiva sócio de um empreendimento que é uma cópia do “melhor que se faz no estrangeiro.” Nem tão pouco entendo, porque é que com dezenas de empresas de produção de energia por essa Europa fora, “eu” precise de investir nisso, já que não tenho razões para duvidar das vantagens que têm sido propagandeadas da tecnologia.

Como deverá ser óbvio, todo o racional acima se baseia no facto de ser “eu”, país, a pagar. Existe a hipótese, mais que provável, de termos de assumir de vez o carácter municipal da República portuguesa face à Europa e, aí, o racional será como o daquele antigo presidente da Câmara de Viseu que queria um estádio do Euro 2004 sem perceber muito bem de que forma o ia usar. Tudo o que for gastar dinheiro dos outros na nossa terra, será sempre bom. Nesse caso, o facto de usarmos capital dos alemães hoje para não gastarmos do nosso amanhã, parece bem. Pelo menos, melhor do que um estádio de futebol sem uso.

Talvez seja esta a explicação que me falta para o projeto do hidrogénio. Estamos a assumir de vez que somos Viseu da Europa (sem qualquer outro juízo que não seja a dimensão)? Ou estamos a pensar que somos um país independente que vai produzir eletricidade da água como nenhum outro? Se é esta última hipótese, peço desculpa, mas aqui o pobre desconfia da esmola. Não me venham com a mesma conversa das eólicas, que para esse peditório já demos. Se é a primeira, essa é uma explicação que deve ser dada com clareza e sem pruridos: não passamos de um município da Europa a pedinchar qualquer coisa que caia e é nesse enquadramento que vamos apostar no hidrogénio. Ou, para esse efeito, em qualquer outro elemento da tabela periódica.

Sermos um município não é mau. Podemo-nos livrar de uma enormidade de custos associados a ser um país independente e podíamos já começar por eliminar as eleições de Janeiro. Há o problema de nos tornarmos mais periféricos do que já somos, mas aí podemos usar a técnica já provada de chamar “cubanos” e “continentais” aos demais europeus para coletar mais uns cobres. É que quem desconfia do tamanho da esmola é o pobre, o rico nunca teve tal ceticismo para com a mendicidade por atacado.