O final de um ano oferece-nos a oportunidade de refletir sobre o país que somos e o que queremos ser. Em Portugal, porém, o debate público permanece preso à espuma dos dias: slogans fáceis, polémicas fugazes e uma desconcertante falta de visão estratégica. O país enfrenta uma crise estrutural que moldará o seu futuro: uma população em envelhecimento acelerado, uma economia com baixa produtividade e um sistema de saúde sob forte pressão. No coração desta crise está o paradoxo do capital humano, uma ideia destacada por Pedro Siza Vieira: temos uma geração extraordinariamente qualificada, mas o país não consegue aproveitar nem reter o seu talento. Este paradoxo reflete uma incapacidade de alinhar a formação de excelência dos nossos jovens às oportunidades económicas e sociais que os incentivem a ficar. É este paradoxo que nos ameaça, mas também aquele que pode ser resolvido com coragem e visão. Esta é a oportunidade – e o momento – para agir.

Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa, e a sua taxa de natalidade está entre as mais baixas do mundo. O interior enfrenta despovoamento crónico, enquanto as cidades concentram populações envelhecidas que pressionam os serviços públicos. Este problema é agravado pela saída de jovens qualificados para o estrangeiro, deixando um vazio demográfico e uma economia incapaz de inovar.

A resposta deve ser proporcional à gravidade do problema. Incentivos à natalidade, como creches gratuitas e benefícios fiscais, são essenciais, mas insuficientes. Portugal deve adotar uma política de imigração estratégica. Exemplos internacionais mostram como trabalhadores qualificados podem revitalizar zonas despovoadas e preencher lacunas no mercado laboral, desde que haja serviços de qualidade e oportunidades reais. Retemos talento e criamos oportunidades ou continuaremos presos em ciclos de baixa produtividade e falta de inovação.

A economia portuguesa ainda depende de salários baixos e setores de pouco valor acrescentado. Apesar de formar engenheiros, cientistas e profissionais altamente qualificados, o sistema económico nem sempre os absorve. Jovens com competências em tecnologia, ciência, saúde ou economia digital procuram reconhecimento fora do país. Este ciclo perpetua a estagnação económica e reforça o declínio demográfico.

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Portugal precisa de criar condições para reter e valorizar o talento que forma. A aposta em hubs tecnológicos e industriais é essencial. Inspirados por modelos como o de Estocolmo, estes pólos podem descentralizar o crescimento económico, revitalizando as regiões menos desenvolvidas. O foco deve estar em setores onde Portugal já possui potencial competitivo: energias renováveis, tecnologia marítima e turismo sustentável. Um sistema que asfixia o empreendedorismo e desencoraja o investimento trava o progresso. Reformar é urgente: não há talento que resista à falta de oportunidades.

Nenhuma transformação estrutural será completa sem o fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde. O SNS é a espinha dorsal do contrato social português, mas enfrenta desafios profundos que exigem coragem e estratégia. A falta de médicos e enfermeiros é o reflexo mais cruel do paradoxo do capital humano: formamos profissionais de excelência, mas muitos partem em busca de melhores condições, enquanto os que ficam enfrentam uma sobrecarga insustentável. Este círculo vicioso ameaça a capacidade do sistema em responder às necessidades da população e, a médio prazo, enfraquece a coesão social.

A prioridade deve ser valorizar os profissionais de saúde, com salários competitivos, condições dignas e carreiras atrativas que fixem talento. Contudo, o problema não é apenas financeiro; é estrutural. O SNS precisa de uma gestão eficiente e descentralizada, capaz de alinhar os recursos às necessidades locais e reduzir o desperdício. Ferramentas como a telemedicina e a digitalização podem complementar estas reformas, aliviando a pressão sobre hospitais e facilitando o acesso a cuidados em regiões isoladas. Ainda assim, a verdadeira transformação começa nas pessoas e na gestão. Sem estes pilares, o SNS continuará a enfraquecer, refletindo os desequilíbrios de outros pilares estruturais do país.

Demografia, produtividade e saúde pública são vértices de uma crise estrutural interligada. Estes desafios não podem ser resolvidos com medidas de curto prazo ou debates estéreis. Precisamos de uma visão estratégica, baseada em reformas profundas e na capacidade de mobilizar os talentos e os recursos que o país já possui. É urgente romper com a espuma dos dias – essa distração do imediato que nos afasta das decisões que realmente importam. O futuro não pertence aos que hesitam; pertence aos que agem. A história já demonstrou que somos capazes de grandes feitos quando mobilizados. Portugal tem o talento, os recursos e a capacidade de liderar esta transformação – se escolher agir agora.