Uma recente publicação da GALP no Observador designada pelo nome “Soluções de descarbonização: mobilidade elétrica” tem alguns pontos dignos de atenção e análise.
Mas primeiro, e sobre esta temática, seria interessante ler a análise do final de 2023 (há um ano), obviamente na perspetiva de um americano, mais especificamente de Mark Mills, anteriormente Técnico Especialista em Energia no Instituto Manhattan e presentemente membro do corpo docente da escola de engenharia McCormick da Northwestern University:
“Contrariamente às parangonas das primeiras páginas de que estamos a transitar para a independência energética relativamente aos combustíveis fósseis, tal não está a acontecer. Eis a realidade: O petróleo, o gás natural e o carvão permitem satisfazer 84% das necessidades energéticas dos humanos a nível do planeta. O que representa menos 2% de dependência dos combustíveis fósseis desde 2003. O petróleo, ou melhor os seus produtos refinados satisfazem 97% das necessidades dos meios de transporte a nível global”.
Nos EUA, em duas décadas e após um investimento de 5000 mil milhões de dólares em energia verde, quase não se notou a transição energética no sentido de independência de combustíveis fósseis. Era suposto ser fácil e afinal porque é tão difícil? Sucintamente, o problema resume-se à mineração.
“Para se obter a mesma energia proveniente da energia solar e eólica, e que agora apenas se obtém de combustíveis fósseis, é preciso minerar a uma escala sem precedentes, aproximadamente em cerca de 1000 %. Não se trata de especulação, trata-se de Física. Precisamos de todos os minérios como sejam cobre, minério de ferro, silício, níquel, crómio, zinco, cobalto, lítio, grafite e metais raros como neodímio. Depois, estas matérias primas têm que ser convertidas em motores, pás de turbinas eólicas, painéis fotovoltaicos, baterias e centenas de outros componentes industriais. Isto requer mais energia, o que requer mais dinheiro. Como estipulou o Banco Mundial: estas energias verdes são na realidade carentes de mais materiais que as fontes de energia atuais”.
“As matérias-primas contabilizam-se em 50 a 70% dos custos para fabrico de painéis fotovoltaicos e baterias. Até ao presente, este custo não teve um interesse real, porque os equipamentos de energias renováveis contabilizam uma pequena parte das necessidades energéticas mundiais. Os equipamentos relacionados com as energias renováveis tiveram o aplauso dos ambientalistas, mas perspetiva-se que não sejam suficientes num futuro próximo”.
“Por hipótese admita-se que a mineração é intensificada, onde estarão localizadas as minas das matérias-primas necessárias? À cabeça, a China, que é atualmente a maior fonte de matérias-primas críticas. No caso dos EUA, são apenas um interveniente menor (e este “menor” tem uma escala significativa. Apenas podemos referir os EUA como interveniente menor por dois motivos: porque estamos a fazer a comparação com a China e porque depende em 100% de 17 das matérias-primas principais para a energia verde). Do ponto de vista dos EUA, há que refletir e racionalizar se será mundialmente concedida à China mais vantagem económica e política”.
“Ironicamente, os EUA possuem todos os minerais que necessitam no seu território, mas boa sorte para os recolher do solo. Para mineração nos EUA e em quase todo o lado onde a exploração fosse significativa, as propostas que foram feitas foram ferozmente recusadas. Os mesmos ambientalistas e políticos favoráveis a energia verde que se opuseram à mineração de cobre e níquel, são os mesmos que anunciam todas as vantagens da mobilidade elétrica, e que por isso fazem essencial a mineração para obtenção das matérias-primas e minerais como cobre, lítio e níquel necessários para a construção de veículos para mobilidade elétrica, mas que a impossibilitam – por exemplo, com recurso a questões e regulamentos ambientais.”
“Até aqui, apenas se abordaram as necessidades energéticas atuais. E como se vão tratar as necessidades energéticas futuras?”
(Como já referi noutro artigo, a população mundial atual está estimada em 8 mil milhões de humanos, dos quais 25% (dois mil milhões) vivem em países ditos “civilizados”. Como tal as necessidades energéticas do futuro serão muitíssimo maiores que atualmente. Como se sabe, uma sociedade mais rica necessita de mais energia e gera mais resíduos. Isto tem sido verdade durante toda a História da Civilização. Mas abordemos por agora o problema das necessidades energéticas).
“No futuro, teremos um planeta com ainda mais população, mas também mais inovações. A Ciência, a Indústria e os Empresários sempre procuraram melhores maneiras de utilizar a energia e de a produzir. À medida que as populações se tornaram mais próximas,”) sempre desejaram ter o que outros tinham melhor em melhores cuidados médicos, férias fantásticas, carros fabulosos”. Portanto sempre cometeram o pecado da comparação. De notar que é legítimo que as populações – desde que não por inveja – anseiem pelo que outros tenham de bom.
“No referente a mobilidade, nos EUA existem 80 carros por 100 habitantes. No resto do Mundo, a média é de 5 carros por 100 habitantes. 80% das viagens aéreas por motivos pessoais representam 2 mil milhões barris de petróleo por ano. Para a mesma área de construção, os hospitais consomem mais 250% de energia que os centros comerciais. A estrutura informática designada por “nuvem” já consome o dobro da eletricidade que o Japão inteiro, considerado a 3ª economia mundial. Os datacenters já consomem 10x mais energia elétrica que 10 milhões de carros elétricos. O crescimento do comércio pela Internet implicou o deslocamento para centros logísticos onde funcionam robôs sedentos de energia elétrica. Consequentemente, de 2013 a fins de 2023, o transporte por veículos pesados de mercadorias para esses centros logísticos já duplicou. Esta dinâmica comercial espoletou a utilização de drones robôs” – como já se constata.
“Outras atividades que hoje são inovadoras, mas certamente rotineiras no futuro são a biotecnologia, computação quântica, a robótica, drones e novas indústrias que ainda não imaginadas, irão exigir muito mais energia: Energia nuclear, combustíveis fósseis e obviamente energias renováveis”.
Portanto, para Mark Mills, os problemas que retardam a transição energética, estão na mineração que não se faz e na localização dos locais de mineração e para a crescente necessidade de energia, prevê uma estratégia inclusiva com recurso às três acima enumeradas.
Assim, seria desejável, mas não previsível que os recursos energéticos possam ser exclusivos. À semelhança dos anos 80, quando se julgava o fim da existência do petróleo e a análise dos recursos energéticos previa-se uma estratégia inclusiva, ou seja, seria utilizado tudo o que pudesse ser oferecido pela Natureza para produzir energia, sobretudo elétrica, para satisfazer as necessidades energéticas futuras, minimizando-se a dependência do petróleo, na altura devido à crença da sua extinção. Na geografia da Europa, sem as matérias-primas necessárias e consequentemente de importação obrigatória, atualmente e muito para além das metas da “União” Europeia, parece-me difícil excluir os combustíveis fósseis, a não ser pela solução atualmente preconizada que é a energia nuclear por fusão e também não me parece que esse incremento substancial de necessidade de energia elétrica seja totalmente satisfeito pelas energias renováveis. Se assim não for, de que dependerão as necessidades em energia elétrica da Indústria, das habitações, dos Datacenters. etc. A estratégia vai ter que ser novamente inclusiva, isto é, vai ser necessário incluir tudo o que sirva para produzir energia, combustíveis fósseis incluídos. A não ser que, entretanto, a Ciência descubra o Graal da energia e o assunto fica assim resolvido. Para os adeptos das teorias da conspiração, como para a cura do cancro, essa energia já existe e não é disponibilizada.
Ora acontece que em vez de se fecharem poços de petróleo, cada vez se descobrem e abrem mais. Portanto, é de inferir que as petrolíferas que investem na prospeção não estão minimamente preocupadas com a vontade política de acabar com a dependência dos combustíveis fósseis. Sabem que as necessidades de energia vão ser cada vez maiores e que para haver eletricidade, as suas contas devem resultar num resultado lucrativo da prospeção de petróleo e dos produtos refinados. Recordo o que já referi noutro artigo: a Noruega tem o seu parque automóvel quase todo elétrico, mas paga boas pensões com recurso à venda de petróleo. Para os noruegueses a expressão “não aos fósseis” significa “não às pensões”.
Por isso me parece que a GALP vem anunciar na sua publicação que a mobilidade elétrica contribui para a descarbonização. Nem poderia fazer de outra maneira. Senão como poderia explicar que a energia elétrica que chega aos postos de recarga, é gerada numa central de combustíveis fósseis (sem impedimento da que vem também das renováveis e das centrais nucleares, mas cada vez mais insuficiente à escala mundial). O que não se pode ver sair pelo tubo de escape inexistente num carro elétrico, e no seu fabrico, pode estar a sair por uma chaminé de uma central situada algures.
E parece-me assim que quanta mais mobilidade elétrica se vender, mais a GALP lucra com o seu negócio tradicional: prospeção e venda de petróleo, de produtos refinados e de gás.
A publicação da GALP é uma narrativa para agradar aos ambientalistas, mas que peca por omissão de algumas verdades: A mobilidade elétrica não está relacionada com a descarbonização e a Europa depende da importação de matérias-primas para viaturas elétricas. Por isso está a fechar fábricas quando podia estar a fabricar veículos de combustão interna (e combustão interna não significa necessariamente dependência dos combustíveis fósseis) e a exportar para os países onde pelos seus recursos financeiros e extensão, a mobilidade elétrica não é possível e onde a China já está a açambarcar o mercado com veículos de combustão interna de combustíveis fósseis e a baixo custo, enquanto a própria China, devido à sua extensão, continua a produzir viaturas com motores de combustão interna, agora com melhor rendimento.
Aliás, já há mais de 30 anos que percebi que a Europa estava condenada. Quando lá vivi assisti à primeira greve numa empresa multinacional devido à reivindicação de três dias de férias para os trabalhadores irem ter com as suas famílias no Ano Novo Chinês …