Torna-se cada vez mais óbvio que o terrorismo vigente no futebol português é promovido estrategicamente e de dentro pelos seus próprios agentes, cuja frequência e intensidade dos atentados aumenta à medida que a liga se aproxima do fim. Ao contrário da estória que nos é dada a conhecer, não é exequível admitirmos que os árbitros ficam mais incompetentes com o tempo, e que os adversários ganham sempre sem mérito e de forma injusta. E que, por coincidência, apenas nas épocas em que o seu clube ganha, é que a justiça reinou no seio do futebol português.
A essência do modelo de governance dos três grandes de Portugal é do tipo associativo. Isto é, as Sociedades Anónimas Desportivas (SADs) de Benfica, Sporting e Porto têm como acionista maioritário os seus clubes. Por seu turno, os clubes são associações cujo conselho diretivo é eleito por sufrágio de entre os seus sócios. Ou seja, o shareholder que detém o controlo da escolha do presidente do conselho de admnistração destas SADs, cuja receita anual é várias centenas de milhões de euros, é o sócio-adepto. A sobrevivência dos líderes presidencialistas depende da sua aceitação popular, emergindo um método populista e demagógico de gestão/comunicação do clube.
É mandatório controlar a satisfação dos shareholders, sendo que para tal existem dois métodos principais: o mais óbvio é através da obtenção de resultados desportivos. Mesmo que a gestão dos clubes não seja a melhor, dificilmente os sócios deixam dereeleger um presidente que ganha títulos. E os clubes que ganham mais são aqueles que possuem mais talento e melhores recursos logísticos. E isso compra-se. Dizem-nos os mais críticos que nunca viram uma nota marcar um golo, mas só o dizemantes do jogo; porque depois das derrotas dizem que não se fazem omeletes sem ovos. Verdadeiramente, se ordenarmos de forma decrescente os orçamentos da Liga NOS, iremos reparar que não diverge muito da sua classificação final.
Acontece que em Portugal a viabilidade económica-financeira das SADs está absolutamente dependente dos seus resultados desportivos: sem uma classificação que permita uma entrada na Champions e a existência de um palco que valorize e facilite avenda jogadores de futebol, as SADs dos três grandes dão prejuízo no final da época. Pois à medida que a liga chega ao seu termino, a (ausência de) qualidade dos resultados desportivos torna-se mais evidente, aumentando-se a pressão de jogo para jogo.
A segunda forma de controlar a satisfação dos shareholders é através do controlo da narrativa vigente na opinião pública. Na ausência dos resultados desportivos, é estratégico (em Portugal apenas) criar a ilusão da existência um inimigo externo, com intenções malévolas, e com o intuito de promover o desequilíbro desleal do poder através de manobras obscuras de bastidores.A construção fictícia de inimigos externos ultra-poderosos permite não só esconder a sua incapacidade, como também unir as massas em torno da direcção do clube, como se disso dependesse a própria sobrevivência do clube. Decidir-se pelo apoioincondicional ao presidente é decidir-se entre o bem e o mal, entre os trabalhadores e os burgueses, entre a justiça e a corrupção. Confunde-se (estrategicamente) o presidente com o clube ao qual ele preside, sendo que não apoiar o primeiro é como que uma traição aos fundadores da associação desportiva.
Desta estratégia de influência e controlo da opinião dos shareholders emergem personagens-chave que gravitam em torno da administração. Sempre sem vínculo formal ou estatutário, assumem o papel sujo e atuante que o presidente, publica e formalmente, não pode ou quer assumir. São eles o agente de comunicação, o empresário de serviço e o líder da claque: as insatisfações, angústias e percepções de injustiça dos líderes ganham substância e forma nas acções destes fiéis seguidores, que assim também reforçam a sua proximidade e confiança junto do líder. Sejam árbitros, comunicação social, outros sócios ou os próprios jogadores, escolhe-se o braço armado mais eficaz para ‘manter a paz e serenidade’ no seio dos shareholders.