Comparativamente a Portugal, existem no mundo 82 países com mais habitantes, 45 com maior produto interno bruto, 37 com maior índice de desenvolvimento humano, e até 62 com mais medalhas conquistadas nos Jogos Olímpicos. Contudo, se a final de Liubliana nos tirou o título de campeão europeu de sub-21 de futebol, deu-nos a certeza que continuamos a ter uma capacidade enorme de gerar jovens talentos jogadores de futebol. Um olhar mais profundo para o final da sua cadeia de produção permite perceber que Portugal continua a ser o país do mundo que ganhou mais bolas de ouro (a par da Alemanha e da Holanda) com 7 triunfos de 3 jogadores diferentes. Este é um verdadeiro país-viveiro de jogadores de futebol que há muito conquistou a atenção das maiores ligas do mundo, cujo sucesso não é produto nem da sorte nem do acaso, nem (infelizmente) de nenhuma política desportiva.

Desde sempre que o futebol é o desporto mais popular em Portugal. Mas também o é noutras culturas. Para o bem ou para o mal, e ao contrário dos restantes países, Portugal abdicou da sua cultura desportiva em prol de uma cultura futebolística. De uma forma informal e intuitiva, percebemos isso pelo elevado tempo de antena que os média dão ao futebol em detrimento de qualquer outra modalidade. De uma forma formal e objetiva, Portugal denota uma clara predominância de atletas federados na modalidade de futebol. Em 2018, 28% dos 667.715 desportistas federados eram de futebol. Em termos absolutos, este número não é nada de absolutamente extraordinário. Contudo, em termos relativos, faz com que a pirâmide desportiva do futebol português seja proporcionalmente muito larga na sua base. Isto determina um espectro de recrutamento muito grande, sendo igualmente elevada a probabilidade de um talento desportivo português ser praticante de futebol.

Um outro aspecto importante é que a especificidade do jogo de futebol permite que o morfo-tipo funcional característico dos portugueses sobressaia. Esta é talvez a modalidade onde a natureza técnica e tática do jogo divide a sua preponderância de uma forma mais equilibrada com a vertente física do rendimento desportivo. A incerteza existente no jogo, caracterizada pela constante dinâmica dos jogadores e da bola, aliada à inexistência de espaço, faz apelo à capacidade de tomada de decisão e à criatividade técnico-táctica dos jogadores. E o português é tradicionalmente um povo que encontra soluções do nada, que com pouco faz muito, e que desenha caminhos inimagináveis para problemas complexos. Esta natureza funcional do futebol permite que Portugal crie talentos para o mundo como Chalana, Paulo Futre, Rui Costa, Luís Figo, Bernardo Silva, Bruno Fernandes, entre outros. E quando alguém é isto e muito mais, como Cristiano Ronaldo, torna-se no melhor jogador de futebol da história.

Mas o aspecto talvez mais decisivo de todos prende-se com a qualidade do treinador de futebol português e a mais valia da sua formação. Tivemos no início da década de 80 um conjunto de treinadores-professores que soube aliar a sua formação académica à experiência no futebol. Ilustres pensadores como Carlos Queiroz, Nelo Vingada, Jesualdo Ferreira, entre outros, deixaram um legado para os restantes através de uma discussão (prematura para o seu tempo) sobre a especificidade do treino de futebol e a forma como o exercício deveria sustentar a coordenação colectiva dos jogadores de uma equipa. Sem imaginarem muito provavelmente, estavam a fundar o que mais tarde viria a ser identificada como a escola portuguesa de treinadores de futebol. Um dos momentos decisivos para o seu reconhecimento internacional deu-se com o sucesso de José Mourinho, reconhecido como um dos melhores treinadores de futebol de sempre. A partir daí acelerou-se exponencialmente o número de treinadores portugueses a emigrarem para o estrangeiro, com sucessivas fases finais de Champions League a serem dominadas por estes.

Resta agora que o caminho percorrido outrora pelos treinadores portugueses, seja acompanhado pelos nossos gestores de futebol para que, à semelhança do crescimento do talento individual dos nossos jogadores e coletivo das nossas equipas, se faça sentir igualmente na indústria do jogo.

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