A esperança traz-nos o bom antes de o vivermos. A saudade tudo o que perdemos.

A esperança convida para o adiante e o mais à frente. A saudade tenta-nos para sermos felizes olhando para trás.

A esperança leva o melhor do mundo para o futuro. A saudade torna o que perdemos o melhor de nós.

A esperança puxa-nos para a vida. A saudade abriga-nos na mágoa.

E quando a saudade se manifesta não se manifestando, é dela que se fala sempre que não se chega a tempo de pôr a esperança a tagarelar.

A esperança é uma saudade que se rende. A saudade é a esperança ao contrário.

Quanto mais falta o tempo mais sobra a saudade. E talvez seja por isso que quanto mais temos a sensação do tempo nos fugir menos se fale de esperança. Que menos ela se assuma. Ou mais furtiva pareça. E eu acho que entendo porquê. A esperança precisa do vagar. De um olhar intimista para a memória e para o futuro. A esperança não é um devaneio. Mas é um galanteio! Com a vida. Com a fantasia. E com o desejo. A esperança não é um impulso ou uma correria. É um sopro da alma. Que faz com que o tempo passe devagar. Não é possível ter esperança e querer viver o tempo todo num só dia.

A esperança traz tolerância ao tempo. Capacidade de esperar por ele. De o degustar. A esperança ganha tempo ao tempo! Daí que uma geração atabalhoada com o tempo, como a nossa – sempre a correr atrás dele, sempre esmagada por ele, sempre a suspirar por ele – corra para o risco de ser uma geração presa na saudade. E quanto mais nos deixarmos ser uma geração de esbaforidos mais cresce em nós a pior de todas as saudades: a saudade do que se podia ter vivido e não viveu.

Uma pessoa, com os anos, aprende a gerir melhor o tempo, dizia eu, um dia destes, como se a experiência me tivesse conferido esse poder. Ou aprende a aceitá-lo; tal e qual como ele é?… (Houve quem, com delicadeza, mo perguntasse.) E eu parei. Respirei fundo, espantado para aquilo que tinham acabado de me dizer. Recompus-me. Olhei melhor para a minha surpresa. (Às vezes, perdemos mais tempo a decidir se pensamos ou não do que a pensar…) E, depois, perguntei: uma pessoa começa a morrer quando reconhece que não tem o tempo todo? Ou, ao contrário, é aí que se começa a mandar na vida e a viver?

Sempre achei que tinha o tempo todo. Que desperdiçando-o ou não ele jamais me faltaria. Estava numa reunião em que as pessoas se repetiam para se ouvirem… E, depois? Nada a opor; eu tinha o tempo todo. Afinal, o encontro das dez será, só, entre as onze e o meio dia?… Nada a opor. Encontrarei uma forma de matar o tempo. Ou, quando muito, um passatempo. Porque eu tinha o tempo todo. E isso não dá lugar ao desperdício.

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No entretanto, há alturas em que se ganha tempo. E isso regista-se. E faz diferença, até. Mas são maiores as perdas de tempo do que o tempo que ganhamos ao tempo. Aquelas com que, de desperdício em desperdício, o desbaratamos, o tentamos iludir ou que ele nos foge, simplesmente. Aceitar o tempo talvez seja aquilo que faz com que se comece a viver. Acabamos a perceber o tempo depois de o termos perdido muitas vezes.

Mas, antes, talvez sejamos ingeríveis. Mais do que parece… Apesar das folhas de cálculo, as nossas finanças parecem ingeríveis. Com o tempo, o nosso corpo parece revoltar-se a ponto de nos parecer fugir e, rebelde, de se tornar ingerível. À medida que eles crescem, os filhos deixam de ser tão nossos e com aquilo com que nos desiludem, nós e eles parecemos ingeríveis. O amor não é tantas vezes como tanto queríamos e ele próprio parece ir-se gerindo, sem chama e sem paixão, e, nesse vai-se andando, torna-se ingerível. Às vezes, cresce em nós a sensação de que não somos donos de quase nada. Muito menos do tempo. O que nos traz a sensação de estarmos vivos. Sem grande governo. Que é uma forma de irmos morrendo devagar.

Acho que foi por isso que, como toda a gente, evitei, de todas as maneiras, tocar nas formas como perdia tempo. O tempo corria. Eu, apesar de tudo, corria atrás do tempo. De tempos a tempos, o tempo e eu travávamos algum conhecimento. E, ao contrário de tudo o que ia imaginando, debaixo dessa forma desconjuntada de viver o tempo, foi preciso perder-me nele para reparar que “começamos” a viver quando descobrimos que, afinal, não temos o tempo todo. Às vezes, fugimos de olhar para o tempo que perdemos porque temos medo que isso faça com que morramos mais depressa.

A estranheza duma geração amiga da saudade é que sempre que não vive para a esperança trabalha, silenciosamente, para a des-esperança. Talvez, então, não seja por acaso que a geração dos esbaforidos viva presa na saudade. Paredes-meias com a depressão e o desespero.

Não ter esperança é ficar preso na saudade. Mas ter esperança faz com que, devagarinho, se possa escorregar, também, para a saudade. Porque a esperança não se guarda, não se possui e não se tem. Alenta-nos sempre que se inspira. É-se esperança. Ou vive-se na esperança. Tal como não se possuiu o ar mesmo que ele se entranhe em nós e se respire, assim a esperança é: o vagar e o galanteio; o bom, antes de o vivermos; o adiante, o futuro e o mais à frente. Assim seja de esperança o nosso respirar!

Aceitar o tempo marca a diferença entre morrer depressa ou devagar. Eu acho que sim. Mas dar esperança ao tempo, talvez faça com que se chegue à vida antes de a sentirmos a chegar. Ou a tempo de estar vivo para a respirar.

Tal como com a esperança, não somos donos do ar. Somos, entre a pressa e o vagar, unicamente, o nosso respirar.