À medida que as semanas passam e as eleições se aproximam, parece ficar cada vez mais evidente que dois resultados possíveis estão já dados como factos consumados: a vitória do PS e a subida do Chega a um patamar que o colocará em situação de empate, ou próximo disso, com a AD (a grande dúvida será saber se o PS consegue ou não formar Governo ou o que acontecerá se houver maioria à direita). Não me parecem duas inevitabilidades, mas temo que se esteja a consolidar a ideia de que estes dois fenómenos do Entroncamento acabarão por se concretizar, com grandes responsabilidades para a Aliança Democrática, se os membros da coligação não arrepiarem caminho rapidamente.
É verdade que há na AD sinais de incapacidade política do próprio movimento, mas também não é menos certo que a sua tarefa é a mais dura de todos os que concorrem às eleições. O país viciou-se no situacionismo e não há um factor social ou cultural que o faça ambicionar uma revolução pacífica. O eleitorado é hoje um corpo envelhecido, despolitizado, dependente e viciou-se na ideia muito querida à esquerda e à direita radicais de que as sociedades são compostas por dois grupos bem definidos (opressores e oprimidos, explorados e exploradores, pessoas de bem e pessoas de mal) e não por realidades complexas e em permanente mutação, fruto do exercício das liberdades individuais.
Ora, aquilo a que se pode chamar “a direita das liberdades” (onde incluo, partidariamente, o espaço da AD e da IL) tem, perante este cenário, dificuldades acrescidas. No fundo, porque aquilo que começa a ganhar robustez eleitoral como fórmula de oposição (o Chega) à situação não é, em bom rigor, uma alternativa de facto, mas apenas aparente. O que resultou da convenção do Chega e do que têm sido os ziguezagues ideológicos de André Ventura nos últimos tempos explicam-no: o Chega conseguiu gerar a ideia de que é ele mesmo oposição e alternativa e, ao mesmo tempo, de que o situacionismo não será quebrado por sua vontade. Ventura é um político de grandes capacidades tácticas e retóricas e tem o mérito de ter dado origem à ideia de que representa uma ruptura, quando, na verdade, ele não representa mais do que a corporização de um projecto de poder pessoal que visa a prossecução do situacionismo por outros meios. Não é, por exemplo, curioso que um partido alegadamente anti-sistema procure tão sofregamente quadros nos partidos do sistema, ou que um partido de alegada ruptura tenha um discurso tão situacionista relativamente aos reformados?
Será natural, portanto, que o Chega venha a beneficiar eleitoralmente dessa aparência que conseguiu criar e que o espaço da direita das liberdades se veja cada vez mais atrofiado – ainda que, insisto no ponto, por larga incapacidade e incompetência dos seus actores. Não é simples corporizar uma alternativa perante o quadro eleitor existente. A AD de 2024 não soube ainda, ao contrário da antiga AD, afirmar-se como alternativa de facto, mas também é verdade que não convive com a mesma realidade sócio-cultural de 1979. O país era, àquela época, mais jovem e tinha uma grande massa de eleitores culturalmente afastados do status quo (os retornados, no fundo). Além de o país ser hoje bem mais envelhecido, essa grande massa de portugueses mais dinâmica, mais aberta ao risco, mais ambiciosa e mais livre emigrou e pouco participa em termos eleitorais.
Talvez por tudo isto, e não só, seja evidente que o país não precisa de uma solução partidária se ainda esperar algum tipo de mudança profunda e estrutural. O combate da direita das liberdades é mais cultural do que partidário. E é um combate de base, bairro a bairro, associação a associação, família a família. O país viverá indiferente entre governos mais à esquerda ou mais à direita, todos eles populistas, do BE ao Chega, passando mesmo pelo PS. Do que precisa mesmo, ainda que não saiba, é de uma cultura de liberdades e não de uma contra-cultura aos ditames da esquerda. Mas esta é uma conversa que talvez ninguém queira ter.
P.S.: Foi muito interessante ouvir Marcelo Rebelo de Sousa falar sobre os últimos anos do Estado Novo no novo (e muito valioso) podcast de Maria João Avillez. Se pensarmos bem, com as devidas adaptações, aquela descrição é mais parecida com a realidade de hoje do que o próprio Marcelo possa julgar.