Está na ordem do dia a discussão sobre se temos uma carga fiscal excessiva. Uns argumentam que é excessiva para o nosso nível de rendimento (é mais difícil pagar 300 euros quando se ganha 1.000 euros – 30% –, do que 2.000 euros quando se ganha 5.000 euros – 40%); outros argumentam que temos uma carga fiscal abaixo da média europeia e bastante abaixo da de alguns países mais desenvolvidos. Quem tem razão?

Como tentarei demonstrar neste artigo, ambos os grupos têm razão, sendo a diferença de perspetiva explicada pela importância diferenciada que atribuem ao crescimento económico e pelo diferente grau de perceção de que o mesmo está intimamente relacionado com a carga fiscal.

Vamos aos factos, começando com o gráfico abaixo, que retrata a média de crescimento económico de 2000 a 2022 para os 27 países da União Europeia, mais Suíça, Islândia e Noruega.

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Duas constatações se retiram facilmente do mapa:

Os países mais ricos tendem a crescer menos dos que os países menos ricos, fenómeno amplamente estudado pela ciência económica, principalmente quando estamos a comparar países do mesmo espaço económico e em que os segundos são generosamente ajudados pelos primeiros, através de fundos comunitários;
Há claramente exceções: pela positiva temos o crescimento espetacular da Irlanda (com a sua especificidade); pela negativa Portugal, Grécia e Itália.

Vamos agora analisar a carga fiscal, que traduz a relação entre os impostos e o que a economia produz (PIB), para os mesmos países e período.

Como se verifica:

  • Os países com maior carga fiscal são os mais desenvolvidos da Europa, com as notáveis exceções da Irlanda e da Suíça;
  • Portugal está abaixo da média da União Europeia e existem mais países com carga fiscal superior do que inferior, o que parece dar razão a alguns políticos com um discurso mais demagógico ou pouco informado, que dizem que com o aumento de impostos poderemos aspirar a ser mais ricos… (como veremos, isto é uma autêntica falácia);
  • Assinalados a verde, temos os 12 países que mais cresceram no período em questão. Ora, à exceção do Luxemburgo e da Islândia, todos os outros países têm cargas fiscais menores do que a portuguesa, o que nos dá a indicação de que o crescimento económico está de facto relacionado com a carga fiscal.O outro lado da moeda dos impostos é a despesa pública, ou seja, onde o Estado gasta o nosso dinheiro. Assim, apresenta-se o seguinte gráfico, que relaciona a totalidade das despesas públicas anuais com a economia (PIB):

Como se verifica, os resultados são muito semelhantes aos produzidos quando se analisa a carga fiscal, havendo uma correlação quase perfeita entre despesa pública e impostos, não esquecendo, no entanto, que os Estados podem dispor de outro tipo de receitas (dividendos dos bancos centrais, por exemplo) ou ter sucessivos défices orçamentais.

Analisando com um pouco de mais detalhe:

Mais uma vez se verifica que temos um rácio de despesa pública aquém da média da União Europeia; mas existem mais países com rácio inferior ao nosso;
Os países com maior rácio são dos mais desenvolvidos, não obstante aparecerem nesse grupo a Grécia e a Itália. Mas temos países desenvolvidos com um nível de despesa muito mais baixo, como são exemplos os Países Baixos, a Espanha, o Luxemburgo e, de uma forma mais acentuada, a Irlanda e a Suíça;
Mais uma vez se verifica que os países que mais estão a crescer (assinalados a verde) têm um rácio de despesa pública em relação ao PIB muito mais baixo do que os restantes (a única exceção é a Islândia).
Chegados aqui, vou tentar explicar por que os países mais ricos têm cargas fiscais mais elevadas, mas crescem menos; e que, entre os países mais pobres, são os que têm cargas fiscais e rácios da despesa pública mais baixos que crescem mais e que mais estão a convergir!

Primeiro de tudo temos de entender que mais impostos significam menos rendimento disponível para as famílias e empresas, com consequente impacto negativo no crescimento económico via consumo e investimento. No entanto, o outro lado da moeda é aquilo que o Estado faz com o nosso dinheiro, o que, per si, contribui para o crescimento económico. Assim, o balanço final faz-se analisando o trade-off de termos menos dinheiro nos nossos bolsos, mas um Estado com mais dinheiro para gastar por nós.

Ou seja, tão importante como comparar cargas fiscais (a forma como o Estado arrecada a sua receita) é perceber como o Estado gasta o dinheiro que arrecadou, ou seja, a estrutura e dimensão da despesa pública. Se o Estado tiver uma despesa mais “produtiva” do que as famílias e as empresas, é de admitir que haja um impacto positivo no crescimento económico; se for ao contrário, ou seja, se o Estado gastar o dinheiro que arrecadou de uma forma menos eficiente, o impacto já será negativo no crescimento económico e no consequente rendimento das famílias.

Ora, vamos aos factos já amplamente demonstrados pela ciência económica:

  • Conforme referido acima, países mais desenvolvidos tendem a crescer menos dos que os países menos desenvolvidos, razão pela qual é de triste consolo crescermos marginalmente acima da média europeia;
  • À medida que os países ficam mais desenvolvidos. há uma tendência (pelo menos até à viragem do milénio) de terem o respetivo Estado a gastar mais, ou, dito de outra forma, de terem rácios superiores de despesa pública face ao PIB. É a denominada Lei de Wagner que explica a relação unidirecional entre crescimento económico e despesa pública, explicada pelo facto de as populações, à medida que ficam mais “ricas”, tenderem a ser mais exigentes com os seus governos na prestação de serviços sociais, educacionais, culturais, etc., o que o envelhecimento da população só veio acentuar;
  • Também existe uma relação unidirecional entre Despesa Pública e o crescimento, a denominada Armey Curve. Na fase inicial de desenvolvimento dos países, mais despesa pública (e consequentemente maior carga fiscal) tem um impacto positivo no crescimento, uma vez que o Estado é mais “produtivo” a fornecer bens públicos, seja uma estrada ou um sistema de justiça ou de defesa. Contudo, a partir de determinado nível, mais despesa pública passa a ter um impacto negativo no crescimento económico (daí a Armey Curve ser um U invertido), por inúmeras razões: fornecimento de bens e serviços que são prestados mais eficientemente na esfera privada, burocracia, corrupção, impactos negativos de uma taxação excessiva, etc.;
  • Nesta matéria tem particular interesse a Choice Theory de James M. Buchanan, que basicamente advoga que os agentes estatais podem privilegiar os seus interesses pessoais (ou partidários) em detrimento do bem comum que é suposto defenderem. Como exemplo, basta entender o que se passa em Portugal, quando temos departamentos estatais que se multiplicam em tarefas e funções como forma de preservar a própria máquina estatal (que assegura os seus empregos), sem que o cidadão comum sinta resultados positivos desse acréscimo de Estado;
  • Há variados estudos económicos que apontam para que a Europa como um todo esteja já no lado descendente da Armey Curve, o que significa que incrementos adicionais de despesa pública são causadores de menor crescimento económico. Aliás, há estudos empíricos que apontam para uma relação de 10 para 1: por exemplo, um país com um rácio de despesa pública de 35% em relação a um outro com um rácio de 45% tenderá a ter um crescimento anual superior em 1 ponto percentual;
  • Há também estudos que apontam que se pode ter um Estado “ótimo”, isto é, que de uma forma eficiente presta os melhores serviços aos seus cidadãos, com um rácio de despesa pública entre 35 e 40%, já atendendo o objetivo de redistribuição de rendimentos para atenuar a desigualdade.

Em suma, está amplamente estudado que mais Estado, acima de determinado nível, compromete o crescimento económico, o que é particularmente evidente em Portugal.

No gráfico acima compara-se para cada ano o peso da despesa pública entre Portugal e os 12 países que mais cresceram no período em questão. Os resultados são claros! No período em análise Portugal tem um peso médio de quase de 47%; os 12 países que mais cresceram têm cerca de 40%, ou seja, cerca de menos 7 pontos percentuais, diferença essa que é muito mais acentuada quando nos comparamos com a Irlanda, a Roménia e os países bálticos, todos eles com rácios médios bem abaixo dos 40%.

Para o orçamento do Estado de 2024, já aprovado, o Partido Socialista estima que a despesa pública seja de 44,5% do PIB; em 2019, com o mesmo Partido Socialista, era de 42,5%. Em 2021 (últimos dados disponíveis do Eurostat), Portugal tinha 47,8%; a Suíça tinha 36,5% e a Irlanda 24,8% (se considerarmos o PNB em vez do PIB irlandês, os resultados não são substancialmente diferentes). Ou seja, é perfeitamente exequível, no curto prazo, termos um peso do Estado no máximo na ordem dos 40%.

Dito de outra forma, uma redução do rácio em 5 pontos percentuais significa a possibilidade de reduzir impostos em cerca de 13 mil milhões de euros (considerando os 261,2 mil milhões de euros do PIB de 2023). Se ficarmos por metade, isto é, por uma redução de apenas 2,5 pontos percentuais, o que apontaria para um peso do Estado próximo do alcançado em 2019 pelo governo do Partido Socialista, poderemos reduzir os impostos em 6,5 mil milhões de euros.

Em resumo, não há qualquer ilusão liberal quando se pretende reduzir de uma forma pronunciada os impostos. Estamos perante números perfeitamente exequíveis e facilmente alcançáveis, redução essa de impostos que, acompanhada por quase igual redução da despesa pública (há também efeitos multiplicadores), é fundamental para alavancar o nosso crescimento e podermos ter melhores salários e maior qualidade de serviços públicos.

É por isso que a Iniciativa Liberal tem razão!