Na discussão sobre os atuais “problemas de habitação” há várias falácias. Umas das mais notórias prende-se com a ideia de que mais habitação pública resolveria os atuais “problemas de habitação”.

Um dos argumentos utilizados é o de que um alegado défice nos rácios de habitação pública (2% a nível nacional) face a outros países europeus é a causa para os atuais problemas com que nos debatemos; e que a sua superação teria o condão mágico de resolver todos os problemas. Conforme já demonstrámos no artigo “Mais habitação pública? O caso de Lisboa”, estamos perante uma meia falácia quando, por exemplo em Lisboa, temos 70.000 pessoas a beneficiarem de rendas abaixo de 80 euros mensais que ocupam cerca de 11% dos fogos de primeira habitação; ou seja, acima da média europeia que muitos argumentam ser de 5%.

Mesmo assim, muitos defensores de mais habitação pública advogam que devemos atingir esse rácio de 5% de habitação pública em relação à totalidade dos fogos que temos em Portugal (cerca de seis milhões) e que as políticas de habitação devem assumir esse desiderato como prioridade. Mas, sendo assim, restam 95% de fogos cuja iniciativa de construção, reabilitação e manutenção continuará a depender da iniciativa privada! Ou seja, 19 fogos em cada 20… E a solução é a habitação pública? Obviamente, estamos perante outra falácia…

Outro dos argumentos utilizados é o de que os custos da habitação estão altos (na compra e no arrendamento), cabendo ao Estado a promoção de habitação pública, de modo a baixar os preços. Ora, estamos mais uma vez perante uma falácia. O custo da habitação resulta de “inputs” privados, começando pelo terreno, passando pelos projetistas e acabando nos materiais de construção, nas empresas de fiscalização, nos empreiteiros e subempreiteiros, nos juros bancários, etc. Claro que se pode argumentar que determinado terreno já é público e não tem de ser adquirido; mas qualquer economista explicará que o custo de oportunidade estará sempre presente. Por outro lado, também se pode sugerir que os malfadados especuladores encarecem as casas com as suas margens de lucro; neste caso deve ter-se em atenção a suposta eficiência dos promotores públicos, que produzem casas a cerca de 400.000€ por fogo, como aconteceu recentemente no centro de Lisboa (Avenida da República e Entrecampos). Ou seja, não há habitação pública mais económica do que a privada, porque os “inputs” são maioritariamente privados. Já no arrendamento é possível, sim, haver uma subsidiação das rendas, mas tal só pode acontecer se uns contribuintes financiarem os outros, o que até se pode justificar numa lógica de solidariedade social; mas não se resolve nenhum problema estrutural.

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Um quarto argumento na defesa da habitação pública relaciona-se com a constatação, verdadeira, de que existe um problema do lado da oferta em consequência da redução da capacidade após a hecatombe que assolou o mercado da construção entre 2009 e 2015. Assim, a resposta seria a promoção pública em substituição da iniciativa privada. Mas como, se a generalidade dos “inputs” é privada? Como é evidente estamos perante outra falácia.

Por fim, vamos admitir, por hipótese, que passando dos atuais 2 para 5% de habitação pública resolveríamos todos os “problemas de habitação”. Ora, tal significaria a construção de 180.000 casas. o que, a um custo médio de 150.000€, implicaria investir 27.000.000.000€ (vinte e sete mil milhões de euros); dito de outra forma, cerca de 12 vezes mais do que o que está previsto no PRR; ou quase o dobro do orçamento anual da saúde; ou quase quatro vezes o orçamento da educação. Obviamente estamos perante mais uma falácia, ou uma fantasia para quem prefere não fazer contas.

Em suma, mais habitação pública em Portugal não irá resolver nenhum problema estrutural, principalmente porque tal não vai acontecer de uma forma relevante (no PRR está prevista a construção de apenas 0,5% de fogos, face aos existentes em Portugal)

Tal não significa que a habitação de interesse social, que pode ser pública ou privada, não deva ser utilizada para socorrer famílias que se encontrem em situação de inequívocas fragilidades económicas, desejavelmente de uma forma temporária. Mas não resolve qualquer problema estrutural no mercado de habitação.

Os “problemas de habitação” são outros e carecem de soluções diferentes para os quais o contributo da iniciativa privada é indispensável.