Nas últimas décadas, a preocupação com as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade tem impulsionado a criação de mecanismos económicos para incentivar a preservação ambiental. Entre esses mecanismos, destacam-se os créditos de carbono, os créditos de biodiversidade e os pagamentos por serviços ambientais (PSA). Compreender esses conceitos é fundamental para reconhecer o potencial das suas contribuições na mitigação dos impactos ambientais e na promoção de práticas sustentáveis.
Créditos de Carbono de Soluções Baseadas na Natureza (SBN)
Os créditos de carbono surgiram como uma ferramenta para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Eles representam uma unidade de medida equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono ou seu equivalente (CO₂e) que deixou de ser emitida ou que foi removida da atmosfera. A captura e o armazenamento de CO₂ podem ocorrer através de soluções baseadas na natureza (SBN), como florestas e práticas agrícolas sustentáveis.
As florestas desempenham um papel crucial na absorção de CO₂ através do processo de fotossíntese. Projetos de reflorestamento ou de gestão florestal sustentável podem gerar créditos de carbono ao aumentar a capacidade de sequestro de carbono. Estes créditos podem ser comercializados em mercados voluntários ou regulados, incentivando financeiramente a conservação e a restauração de ecossistemas florestais.
Créditos de Biodiversidade
Enquanto os créditos de carbono têm como objetivo gerar adicionalidade com vista à redução de GEE, os créditos de biodiversidade compreendem uma dimensão mais ampla do ecossistema. Eles consideram não apenas o carbono em stock num bioma, mas também a diversidade biológica presente, incluindo flora, fauna, microrganismos e outros componentes biogénicos.
A ideia é valorizar economicamente a conservação de habitats naturais que abrigam espécies únicas e ecossistemas ricos em biodiversidade. Os créditos de biodiversidade estão em desenvolvimento e procuram estabelecer padrões que quantifiquem e certifiquem os benefícios da preservação da biodiversidade. Ao fomentar a proteção de ecossistemas intactos ou a recuperação de áreas degradadas, estes créditos contribuem para a manutenção dos serviços ecossistémicos essenciais à vida no planeta.
Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)
O pagamento por serviços ambientais, representa a proposta inovadora de reconhecer e remunerar as ações humanas que contribuem positivamente para a conservação e a melhoria dos ecossistemas. Diferentes dos créditos de carbono e de biodiversidade, que podem ser gerados pela conservação passiva, os PSA incentivam práticas ativas de gestão sustentável dos recursos naturais.
Esta remuneração considera o custo de oportunidade dos proprietários ou gestores que optam por preservar ou melhorar um ecossistema em vez de utilizá-lo para atividades potencialmente mais lucrativas, porém que têm efeitos menos benéficos para esses ecossistemas. Por exemplo, um agricultor pode receber um pagamento por manter a floresta em pé, evitando a desflorestação para o cultivo de monoculturas como trigo ou milho, que poderiam trazer um retorno financeiro imediato, mas causariam perda de biodiversidade e aumento das emissões de GEE.
Além disso, os PSA valorizam as externalidades positivas geradas por práticas sustentáveis que vão além da mera conservação. Isto inclui atividades agrícolas sustentáveis que melhoram a qualidade do solo, aumentam a biodiversidade local ou auxiliam na recuperação de recursos hídricos. Nestas situações, a intervenção humana não só preserva, mas também enriquece o ecossistema, resultando em benefícios ambientais superiores aos que seriam obtidos sem a intervenção.
Uma abordagem holística
Embora os créditos de carbono, os créditos de biodiversidade e os PSA possam ser vistos como mecanismos distintos, existe uma relação estreita entre eles. Todos procuram medir, registar e certificar as externalidades ambientais positivas, atribuindo valor económico a recursos e serviços naturais que tradicionalmente não são considerados nas transações de mercado.
Os créditos de carbono e de biodiversidade frequentemente servem como componentes dentro dos esquemas de PSA. Ao remunerar proprietários e comunidades pela manutenção ou melhoria de ecossistemas, os PSA incorporam os benefícios climáticos (sequestro de carbono) e de biodiversidade nos seus processos de registo, verificação e validação para a consequente valorização dessas ações, do homem, sobre a natureza.
A inovação nos PSA reside na sua capacidade de avaliar a qualidade das ações humanas, seja pelo reconhecimento e compensação pelo custo de oportunidade na preservação integral dos ecossistemas ou pela implementação de práticas que gerem externalidades positivas. Essa flexibilidade permite que os PSA se tornem instrumentos poderosos para promover o desenvolvimento sustentável, equilibrando as necessidades socioeconómicas com as ambientais.
Desafios e oportunidades futuras
A implementação efetiva destes mecanismos enfrenta alguns desafios. O desenvolvimento de mercados confiáveis, com padrões claros e mecanismos de verificação robustos, é essencial para garantir a integridade ambiental e evitar fraudes, como as que se assistem nos diversos mercados de créditos. Além disso, é essencial assegurar que os benefícios financeiros atinjam as comunidades locais e contribuam para o desenvolvimento social e económico dessas regiões.
No caso dos créditos de biodiversidade, a padronização dos métodos de quantificação e a criação de protocolos reconhecidos internacionalmente são etapas fundamentais ainda em desenvolvimento. Já para os PSA, a elaboração de políticas públicas e marcos regulatórios que facilitem a sua aplicação é de suma importância. No caso da Europa e de Portugal, é fundamental aproveitar o atual quadro regulatório (Lei do Restauro da Natureza; Lei-Quadro UE Mercados de Carbono; Lei nacional que cria o Mercado Voluntário de Carbono Português) para intervir através dos instrumentos operacionais, complementares a estes, que serão os que efetivamente podem definir se a suas aplicações terão a eficácia desejada.
Apesar dos desafios, as oportunidades são promissoras. A crescente exigência de práticas sustentáveis, aliada à urgência de combater as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, coloca os créditos carbono, biodiversidade e os PSA em destaque nas agendas de governos, empresas e sociedade civil.
Compreender e saber distinguir os créditos de carbono, de biodiversidade e os pagamentos por serviços ambientais é essencial para promover políticas e ações eficazes na preservação do meio ambiente. Estes mecanismos representam caminhos complementares que valorizam economicamente a conservação e incentivam práticas sustentáveis.
Ao integrar os conceitos às práticas, como são o stock de carbono, a riqueza biológica e as ações humanas positivas, estamos a avançar rumo a uma economia que reconhece o valor intrínseco da natureza. A consolidação desses instrumentos dependerá da colaboração entre diversos setores e da vontade política para enfrentarmos os desafios ambientais globais de forma integrada e eficaz. A adoção e a compreensão destes conceitos, por parte dos decisores e do público em geral, são fundamentais para impulsionar ações que contribuam para a preservação efetiva dos ecossistemas.