Uma recente sondagem para o Austrian Foreign Policy Panel Project (AFP3) inquiriu cerca de 3000 austríacos em temas de defesa:
- “Se a Áustria fosse atacada, deveriam outros Estados-Membros da UE ajudar a Áustria militarmente?” — 72% dos inquiridos concordaram.
- “Deveria a Áustria, em caso de ataque armado a um Estado-Membro da UE, ajudar esse mesmo estado militarmente?” — desta vez, apenas 14% dos inquiridos concordaram.
Trata-se de uma incoerência atroz, mas infelizmente é o pão nosso de cada dia nas relações internacionais: quando somos nós que temos um problema a culpa certamente não é nossa e os outros têm de nos ajudar, mas quando são os outros que têm um problema aí isso já não tem nada a ver connosco e os outros têm é de lidar lá com o problemas deles em vez de nos chatear.
Lamento informar que infelizmente neste mundo globalizado, os problemas dos outros também são o nosso problema. Mais de dois anos depois do início da invasão em larga escala da Ucrânia e de muitas promessas feitas, continuam na Europa até aos dias de hoje os bombardeamentos a infraestruturas civis, o rapto de crianças por parte da Federação Russa e a tortura e o assassínio de pessoas cujo único crime é terem nascido ucranianos na Ucrânia.
Presenciamos recentemente uma tentativa de ataque a larga escala a Israel por parte do Irão com recurso a 30 mísseis de cruzeiro, 120 mísseis balísticos e 170 drones. Felizmente Israel tem os meios para se defender e foi possível evitar enormes baixas entre civis. Israel teve do seu lado a enorme distância que estas armas tinham de percorrer, as suas defesas anti-aéreas nas quais sempre investiu e inclusivamente a ajuda de países da NATO como o Reino Unido ou os EUA que abateram uma enorme quantidade destes projéteis que foram lançados contra Israel, mesmo apesar de Israel nem sequer pertencer à Aliança Atlântica.
Uma outra incoerência atroz é não ser fornecido à Ucrânia o apoio que é fornecido a Israel. A Ucrânia infelizmente não tem os mesmos meios nem a mesma ajuda para se defender e a Rússia infelizmente também tem mais capacidade que o Irão para espalhar o terror, pelo que as cidades ucranianas continuam todos os dias a viver a sua versão do Blitz. Se o Reino Unido ou os EUA conseguem abater mísseis direcionados a Israel no espaço aéreo da Jordânia, Síria e Iraque, porque raio é que o mesmo não é feito a mísseis russos? Mísseis esses que inclusivamente por vezes sobrevoam espaço aéreo da NATO, na Polónia ou na Roménia?
Em Setembro de 1941 num Fireside Chat to the Nation [Conversa à Lareira com a Nação], Franklin Roosevelt é citado a dizer que quando se vê uma cobra prestes a atacar, não se fica à espera até que ela ataque para a esmagar. 3 meses depois, a guerra bateu às portas dos EUA com o ataque a Pearl Harbor e com a declaração de guerra também por parte da Alemanha Nazi. Vamos por favor aprender com a história e evitar os erros do passado. Vamos agir de forma preventiva e não esperar até sermos atacados para nos lembrarmos que temos de nos defender. Vamos tratar como aliados quem está ativamente a lutar pela nossa defesa e vamos tratar como países inimigos aqueles que insistem em nos ameaçar, em começar guerras de agressão e em violar o direito internacional e os direitos humanos.
Urge acabar com estes duplos critérios e ajudar a Ucrânia agora, antes que a guerra chegue diretamente às nossas portas. Urge investir seriamente na defesa porque mais vale prevenir do que remediar. Mesmo tendo em conta restrições orçamentais, sai mais barato lidar com um problema agora que ainda se encontra relativamente localizado do que com um problema global que é o que irá acontecer se a ajuda para a Ucrânia continuar a arrastar os pés. Urge enviar para a Ucrânia imediatamente sistemas Patriot e sistemas anti-aéreos similares para que possam defender as suas populações do terror diário causado pela Rússia. Urge enviar também F-16 e aviões similares para que possam proteger o seu e o nosso espaço aéreo e para que possam ter condições de libertar o seu país do agressor imperialista que não olha a meios e que diariamente exerce violência extrema para tentar atingir os seus objetivos de conquista e de extermínio de um povo.
Neste novo mundo com uma Rússia beligerante, com o Médio Oriente novamente em caos e com a China a ameaçar os seus vizinhos nomeadamente Taiwan, torna-se impossível aproveitar do dividendo da paz. O mundo onde não era desaconselhável investir menos de 2% do PIB em defesa já não existe. Urge investir entre 3% e 4% em defesa agora para que não seja preciso investir +10% e inclusivamente ter de enviar soldados no futuro.
Fechar os olhos a este problema é semelhante a estar num jardim a grelhar carne, um tiroteio começar no outro lado da rua e nós continuarmos na nossa santa vida, descansadinhos no nosso quintal a grelhar porque o tiroteio supostamente não tem nada a ver connosco e está a acontecer no outro lado da rua. Não tomarmos o mínimo de precauções tem tudo para correr mal.
Não podemos ser incoerentes nem ter duplos critérios. O que faríamos nós se o território ocupado não fosse o Donbass mas sim o Alentejo? Se os campos minados não fossem em Zaporíjia mas sim em Trás-os-Montes? Se em vez das ruas de Kharkiv fossem as ruas do Porto a serem bombardeadas dia e noite? Se a cidade coberta de cadáveres não fosse Bucha mas Setúbal? Se as valas comuns encontradas não fossem em Izium mas em Braga? Se fossem as mulheres portuguesas a servir de troféus de guerra e as nossas crianças como vítimas colaterais?
É impossível continuar a fechar os olhos e a arrastar os pés quando esta é a realidade horrenda à data de hoje na Europa. Urge o novo Governo de Portugal a agir imediatamente sem “mas” nem meio “mas” perante esta ameaça existencial ao nosso modo de vida e enviar todos os meios militares disponíveis para a Ucrânia, não deixando para segundo plano o investimento em defesa.