Elon Musk tem estado na ribalta. Conforme o próprio tweetou, na quinta-feira, dia 14 de Abril de 2022, procedeu ao lançamento de uma oferta pública para adquirir a totalidade do capital da Twitter, Inc., por 43 mil milhões de doláres, alegadamente com vista a libertar esta rede social das recentes políticas de censura e contribuir para a liberdade de expressão. Porém, esta free-sprech crusade aparenta não ser o único tema associado a Elon Musk que actualmente atrai as luzes dos holofotes, nem, muito menos, o mais controverso.

Recentemente a internet foi inundada de notícias, ou melhor, de “rumores” sobre o Tesla Model Pi, um smartphone que, segundo consta, poderá vir a ser desenvolvido pela Tesla, Inc., e lançado entre o final de 2023 e o início de 2024. Isto apesar de Elon Musk ter postado um tweet em setembro de 2020, no qual alega que tanto os smartwatches, como os smartphones podem ser considerados como as tecnologias de ontem, ao contrário da ligação neural desenvolvida pela Neuralink, Inc. (uma das empresas por si tituladas), que visa conectar o cérebro humano directamente aos dispositivos electrónicos e que, como tal, pode ser considerada uma das tecnologias do futuro.

De ontem ou não, certo é que, apesar de esta possibilidade não passar de um rumor, nem, muito menos, existir qualquer anúncio oficial, tal rumor acaba por ser bastante elucidativo das caraterísticas e funcionalidades que este alegado novo produto da Tesla pode vir a oferecer. Ainda que, para já, do ponto de vista tecnológico, possam ser consideradas inviáveis ou mesmo irrealistas, algumas levantam inúmeras e preocupantes questões. Desde logo, entre as principais caraterísticas e funcionalidades difundidas, destaca-se a eventual conexão com a Starlink, Inc. (outra das empresas tituladas por Elon Musk, cujo objecto reside no desenvolvimento de constelações de satélites de órbita terrestre baixa, com vista à criação de uma rede de internet global com elevada velocidade e baixa latência), que visa permitir ao utilizador navegar na internet sem depender de uma ligação com as tradicionais redes de telecomunicações.

A utilização de um sistema de energia solar e da Powerwall, um sistema integrado de armazenamento de energia solar para efeitos de back up protection, que é também utilizado pelos veículos automóveis da marca Tesla, visa igualmente revolucionar o sector. A propósito da marca Tesla, e como não poderia deixar de ser, destaca-se igualmente a eventual conexão entre o smartphone e os veículos automóveis, ambos da mesma marca, que visa permitir ao utilizador o acesso a algumas funcionalidades do veículo através de um clique, como, a título de exemplo, trancar e destrancar, controlar a temperatura e o rádio, entre outras muitas possibilidades.

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Porém, de entre todas as caraterísticas e funcionalidades veiculadas, a conexão neural que se pretende estabelecer entre os smartphones e os chips cerebrais desenvolvidos pela já referida Neuralink, Inc., a mesma empresa que, recentemente, foi acusada de sujeitar macacos a tratamentos e experimentos considerados cruéis (e com resultados pouco positivos), é aquela que mais questões éticas, morais ou sociais levanta (não só médicas, culturais, jurídicas…) e a que mais controvérsia gera. Após os famosos testes realizados em animais de laboratório, a empresa pretende avançar para a realização de testes experimentais em seres humanos. A longo prazo, o objectivo passa por utilizar a tecnologia de interface neural para fundir a consciência humana com inteligência artificial e, com isso, alcançar uma espécie de simbiose.

Questiona-se até que ponto os eventuais benefícios do desenvolvimento de tal tecnologia ultrapassam as eventuais desvantagens, até porque, como em qualquer computador, rede de computadores ou na maioria de outras formas de tecnologia de comunicação da informação (TIC), o núcleo duro baseia-se em componentes electrónicas com capacidade para processar dados, ou seja, gerir, registar, tratar e armazenar informação (e informações) e executar algorítmos.

Como é hoje bem sabido, a esmagadora maioria de computadores são, em princípio, “hackeáveis” e, além disso, os avanços tecnológicos não constituem, sequer, um elemento dissuasor, antes pelo contrário, acabam por constituir um atractivo ou mesmo um desafio. Basta recordar o recente aumento de ciberataques a organizações, ou mesmo, em geral, da prática de cibercrimes.

Enquanto assistimos a severas consequências em termos de danos financeiros e, algumas vezes, mais grave ainda, reputacionais; no futuro, com chips implantados no nosso cérebro e fundidos com inteligência artifical num mundo de smart technology (desde veículos automóveis a TV’s, ou mesmo robôs, drones, sistemas de segurança, etc.) e metaversos (realidade virtual e aumentada), as consequências serão inimagináveis. Até que ponto será possível garantir a protecção dos nossos dados pessoais e industriais em caso de ciberataque? E atenção que, neste enquadramento, o termo “dado pessoal” assume todo um outro nível. Conjugando a teoria freudiana do sistema de percepção-consciência, até que ponto será possível garantir a protecção do próprio “processo psíquico consciente”, inclusive do nosso estado prévio insconsciente? Quem não recorda o filme Inception, protagonizado por Leonardo DiCaprio em 2010?

Independentemente de, hoje em dia, cada pormenor das nossas vidas já ser monitorizado e analisado pelos nossos próprios dispositivos electrónicos, com vista à recolha e armazenamento de dados para efeitos de criação de perfis psicográficos detalhados, o nosso cérebro contém informações que, por natureza, não são ainda passíveis de ser registadas. A conexão directa entre o nosso cérebro, o nosso dispositivo eletrónico e a acção da inteligência artificial, pode vir a estabelecer uma espécie de via de acesso à nossa consciência e, com isso, além de poder vir a permitir o registo dessas informações, pode ainda vir a permitir que hackers (que, por norma, estão um passo à frente de protocolos de segurança) assumam a porta de entrada e mesmo o controlo da nossa mente, o que inclui a memória e o processo de tomada de decisão e execução.

Imagine-se as consequências da aplicação de tal tecnologia no âmbito de determinado grupo de pessoas, a título de exemplo, em termos de eleições políticas e sentido de voto, ou mesmo em termos de adesão ou apoio a outros movimentos políticos mais ou menos pacíficos, mais ou menos activistas e, mesmo, mais ou menos agressivos e violentos. Ou, até, as ilimitadas possibilidades em termos militares ou, também, em termos de vigilância policial e controlo social. Para não falar da eventualidade de, num cenário limite e apocalíptico, no futuro, a própria inteligência artificial poder vir a assumir o controlo da interface neural e, assim, da nossa consciência…

Não deixa, por isso mesmo, de ser irónico que a figura pública que mais críticas tem tecido acerca dos recentes desenvolvimentos tecnológicos associados à inteligência artificial, alertando há anos continuada e sucessivamente para esse perigo, seja a mesma que mais tem contribuído para o seu desenvolvimento e aplicação. Aliás, segundo é amplamente publicitado pela mainstream media, Elon Musk chega mesmo a ser encarado como uma espécie de salvador da humanidade. Isto, perante o perigo que a inteligência artifical representa e que o próprio, em jeito de contradição, tem vindo a anunciar. Entre os mais famosos avisos, destacam-se dois bastante peculiares. Em 2018, referiu que a inteligência artificial pode vir a tornar-se num «ditador imortal» do qual a humanidade «nunca irá conseguir escapar». Já em 2020, volta a alertar para o assunto, desta vez referindo que a «inteligência artificial irá ultrapassar os humanos em menos de cinco anos».

Não obstante estes alertas no mínimo intrigantes, a verdade é que Elon Musk procura, de forma incessante, obstinada e sem aparentes limites, desenvolver a capacidade funcional e de processamento desta tecnologia, bem como ampliar as suas eventuais formas de aplicação. Veja-se o actual avanço tecnológico ao nível da robótica impulsionado pela Tesla, Inc., em concreto o projecto Tesla Optimus e a criação de robôs humanóides apelidados de Optimus, cuja aparência e características fazem lembrar os robots do filme I, Robot, protagonizado por Will Smith em 2004. Escusado será recordar o que sucedeu nesse filme…

Em todo o caso, a UE procura regular a aplicação de inteligência artifical e, claro, como não poderia deixar de ser, Portugal ambiciona ser pioneiro em termos de legislação nestas matérias. Afinal de contas, estando tão atentas as autoridades europeias e portuguesas, poderemos dormir todos muito mais descansados.