Uma criança com necessidades especiais é, antes de mais, uma pessoa diferente, cuja intervenção precoce pode mudar radicalmente o seu futuro.

O mesmo estado que se arroga no direito de intervir em tantas questões, pondo em causa a liberdade individual e desafiando o estado de direito que tanto custou a construir, tem-se demitido de proteger os mais vulneráveis, em particular as crianças com deficiência.

Mas, porque é primordial a precocidade deste tipo de intervenções? De forma genérica, é nos primeiros meses e anos que a criança adquire a maior parte das competências que lhe vão permitir a autonomia na idade adulta. Ora, quanto mais precocemente auxiliarmos uma criança diferente a ganhar muitas dessas competências, mais exponencial vai ser o êxito resultante. Todos ganham: a pessoa em causa vai garantir a sua autonomia e, com isso, a sua valorização pessoal; a sociedade vai poder integrar este indivíduo mais facilmente e torná-lo útil de alguma forma; a Segurança Social vai diminuir drasticamente os encargos inerentes aos cuidados para com as pessoas com deficiência. Se nos quisermos despojar de juízos emotivos, encaremos este processo como um investimento no futuro, a nível social e económico.

A intervenção precoce já existe, sendo o seu processo bem delineado. Envolve a participação de uma equipa multidisciplinar que inclui os pais ou cuidadores, terapeutas especializados, de acordo com as necessidades da criança, assistentes sociais e profissionais de saúde. Estas equipas elencam os problemas da criança, definem objectivos e metas e delineiam uma estratégia. Contudo, devido à escassez de recursos humanos, o apoio dado a estas crianças é manifestamente insuficiente. Não por falta de empenho dos profissionais, que excedem em larga escala o que lhes é exigido, mas por notória insuficiência de recursos humanos e logísticos. É de igual modo importantíssimo garantir que as famílias e os cuidadores possam ser alvo de formação, apoio psicológico e dotação de meios técnicos. Os “terapeutas” mais diligentes são a própria família e os cuidadores, sobretudo em fases mais precoces da vida do deficiente.

Urge, portanto, agir, dotando as equipas de meios logísticos e humanos, para que o seu esforço possa ser útil e eficaz. Se o estado não consegue garantir a função de protecção e educação dos mais vulneráveis, então que nos libertemos de dogmas ideológicos e façamos o que tem de ser feito: aproveitar a capacidade instalada no sector privado, recorrendo a contratos-programa com instituições e clínicas de terapia à criança diferente. Esta medida visa sobretudo garantir a equidade no acesso a este tipo de intervenção. A desigualdade de oportunidades, cria crianças deficientes de primeira e de segunda, ou seja, os filhos dos pais com recursos financeiros que podem suportar os onerosos encargos da terapia de intervenção precoce e os outros, que se limitam a ver os filhos estagnar no seu processo de desenvolvimento. Pior do que isso, estamos a maniatar a oportunidade de sermos inclusivos na deficiência, gerando adultos incapazes de serem integrados na sociedade, apenas porque não fomos capazes de os capacitar de competências em tenra idade.

Não podemos aceitar que levianamente os sucessivos governos “sacudam a água do capote” e ignorem este problema social. Infelizmente não conseguimos “congelar” estas crianças e adiar medidas que tardam em ser tomadas.

É não só função do estado social, mas de toda a sociedade insurgir-se contra a displicência de quem pode fazer a diferença!

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