No passado dia 25 de Abril celebrámos os 50 anos de uma das maiores conquistas da nossa história recente, alavanca do progresso, motriz do desenvolvimento intelectual e socio-económico, condição crucial para a racionalidade que nos distingue enquanto espécie: a liberdade! Seremos mesmo livres na sua plenitude? Que papel desempenha o liberalismo na consolidação da nossa maturidade democrática?

Não sei, nem imagino sequer, o que será viver num contexto pautado por amarras, açaimes e outras ferramentas congéneres. Faço votos para que nos pergaminhos da história de Portugal se perpetue o tributo aos que lutaram para aqui chegarmos. Mas, isto não é suficiente. Para honrar a coragem dos capitães de Abril, há que garantir a imparcialidade e o distanciamento temporal, essenciais não só para a fiabilidade dos relatos no antes, durante e após a revolução de Abril, mas, sobretudo, para evitar a repetição de erros.

E chegados aos 50 anos? Em que estádio ficou a nossa maturidade democrática? Ouvimos os protagonistas e os contemporâneos daquele 25 de Abril de 1974 e percepcionamos algum desalento com o estado actual, alvitramos a sua preocupação com o futuro e perguntamo-nos: temos, de facto, a liberdade ambicionada?

É inegável que hoje a liberdade de expressão é uma realidade. Mas, seremos mesmo livres na plenitude do conceito? A liberdade implica uma dimensão que ultrapassa a liberdade de expressão. Ser livre pressupõe garantir níveis de saúde, educação e segurança aceitáveis para um país que se pretende desenvolvido, implica assegurar equidade no acesso a serviços essenciais e o direito de opção não condicionado por decreto, exige um nível de literacia compatível com escolhas informadas e responsáveis.

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Mas a liberdade não é só garantia de direitos. É também responsabilização de quem toma decisões sobre a vida dos outros. Ser responsável requer honestidade, espírito de missão, mas também competência, verticalidade e sensatez. Temos assistido a uma série de “casos e casinhos” que em nada dignificam a democracia e desprestigiam as instituições, pilares do estado de direito. Temos observado com incredulidade a displicência, quase normalizada, com que se fazem julgamentos em praça pública, com o mesmo facilitismo com que se revogam decisões judiciais prévias sem qualquer explicação cabal. Em nome da “liberdade” vemos adoptar comportamentos que infligem esse mesmo direito. Assistimos à apologia de um revivalismo de ódios, há muito sanados, oriunda de quem tem obrigação de pugnar pela pacificação social. Encaramos com naturalidade os “paladinos da moral” que proferem insinuações sobre a competência, carácter e perfil pessoal dos seus pares, esquecendo que a sua própria conduta não é o melhor exemplo. E o pior, confrontamo-nos com o recrudescimento de posturas autocráticas, xenófobas, demagógicas e intolerantes, que insidiosamente expugnam a mentalidade que caracteriza a civilização ocidental que conhecemos.

Neste contexto actual, numa democracia débil, com laivos de imaturidade, há lugar para o liberalismo? O liberalismo, nas suas variantes, segundo John Gray, assume uma concepção do homem e da sociedade, por contraposição a outras ideologias, que é individualista, igualitária, universalista e meliorista. Advogam-se 3 benefícios para as sociedades liberais, como sejam: a capacidade pacificadora, ao permitir a regulação da violência; a protecção da dignidade e autonomia humanas, ao primar pela liberdade de escolha individual; a promoção do crescimento económico, ao proteger os direitos de propriedade e a liberdade comercial. Contudo, o princípio fundamental que o liberalismo consagra é a tolerância, a capacidade de saber conviver com a diversidade e o pluralismo, respeitando a dignidade humana.

A comemoração popular do passado 25 de Abril foi uma manifestação disso mesmo, um verdadeiro exercício de liberdade plural, popular e inter-geracional, numa clara demonstração de que posturas totalitárias, xenófobas e opacas são um retrocesso a tempos que nos envergonham. Os liberais protagonizaram, na tarde do passado 25 de Abril, esse mesmo pluralismo democrático. Lado a lado, vimos visões alternativas da estratégia de implantação do liberalismo em Portugal. Sob a mesma batuta, Miguel Ferreira da Silva e João Cotrim Figueiredo ou Rui Rocha e Tiago Mayan, desceram a avenida da Liberdade, numa manifesta demonstração de que, apesar das divergências, estão unidos na convicção de que o liberalismo, mais do que nunca, é primordial na defesa dos valores de Abril, não só em Portugal, como nesta Europa decrépita nos valores humanistas, onde o totalitarismo renasce e parece comprometer a civilização ocidental que tanto custou a atingir.

O liberalismo traz consigo o melhor de cada uma das partes em prol do bem comum, traz a valorização do mérito, o escrutínio, o respeito pelo pluralismo democrático, a exigência de que o estado cumpre a sua função, respeitando o princípio da separação de poderes, fundamental num estado de direito, traz uma verdadeira inclusão social, e, mais importante, traz a tolerância, algo que a humanidade parece ter esquecido, como se os períodos negros da história recente não tivessem deixado marcas profundas. O 25 e Abril não é propriedade exclusiva de nenhuma ideologia, é de todos! Os valores liberais são os valores de Abril. Afinal, o 25 de Abril sempre foi liberal e não sabia…