Em Portugal temos vivido diversos ciclos políticos que favorecem o aumento da despesa pública. Para alimentar as políticas despesistas temos de reconhecer que, potencialmente, as receitas provenientes de impostos não são suficientes. Então, o que é que o governo pode fazer quando as receitas de impostos não são suficientes? A resposta é simples: aumentar a dívida do país. Isto cria uma perceção errada da dívida soberana. A dívida não é do governo, mas de todos nós, de todos os contribuintes! Para servir de referência, a nossa dívida sobre o PIB no início da intervenção da Troika era de 114,40% e no final do ano passado era de 127,40%. Obviamente, não devemos esquecer que sofremos um enorme choque como o Covid-19, e aí é crucial que exista margem para aumentar a dívida, para permitir fazer face a este evento.

Grande parte da dívida do nosso país é composta por obrigações. Estas fazem com que o governo, leia-se os contribuintes, pague juros (denominados cupões) todos os períodos até à maturidade. Quando atingida a maturidade, a obrigação paga não só o último juro, mas também o valor nominal, que é o montante base da dívida. Os governos da maioria das economias desenvolvidas adoram financiar-se com obrigações, isto porque são relativamente fáceis de gerir. O que estes governos tendem a fazer é emitir novas obrigações antes de terem de pagar o valor nominal das antigas. Fazendo este processo em perpetuidade então, em termos líquidos, só pagamos juros. Daí termos tido um ex-primeiro ministro que referiu que a dívida do país não é para ser paga, mas gerida. Isto não está certo! Se apenas gerimos o pagamento de juros e mantemos a nossa imensa dívida em perpetuidade, o que estamos a fazer é repassá-la para a geração futura. A Troika interveio no nosso país em 2011 porque a nossa dívida chegou a um ponto tal que não conseguíamos vender novas obrigações para pagar as antigas.

Vivemos num contexto de subida rápida da taxa de inflação acompanhada por uma subida tardia nas taxas de juro. Estes efeitos combinados fizeram com que as contas públicas beneficiassem com um aumento de receitas extraordinário pois a contração no consumo ainda não acompanhou o aumento de preços. No passado dia 5 de setembro, o governo anunciou um pacote de medidas anti-inflação centrado em “devolver” o excedente orçamental às famílias num pacote de global de 2.400 milhões. É fácil compreender que precisamos de proteger certos segmentos mais vulneráveis da população, mas é preciso entender que não existe forma de escaparmos à inflação! Para reduzir a taxa de inflação é necessária uma diminuição de consumo. Se aumentarmos o rendimento disponível dos consumidores, por aumentos dos salários ou subsídios extraordinários, não existe forma de controlar a trajetória ascendente dos preços. Para travarmos a inflação a infeliz realidade é que vamos todos ficar mais pobres!

Infelizmente, as políticas sociais anunciadas pelo governo não consideraram uma das minhas principais preocupações sobre o nosso futuro próximo. O que é que vai acontecer à nossa dívida? Mesmo que o governo refira ter como objetivo a redução da dívida, podemos dizer que esse esforço é suficiente? Com o aumento da Euribor a 3, 6 e 12 meses a atingir valores máximos dos últimos 10 anos, os juros das novas emissões de obrigações terão de ser substancialmente mais elevados. Este cenário não é hipotético! No passado dia 21 de setembro o governo emitiu bilhetes do tesouro, que são obrigações com reduzida maturidade e como tal com taxas de juro mais baixas, com retornos de 1,291% a 6 meses e 1,916% a 12 meses. Mas, como é que iremos pagar este e os próximos aumentos de juros? Será que o aumento de receitas originado pelo aumento de preços será suficiente para pagar o aumento de juros? A previsão mais sensata diz que não! Com o aumento de preços, o nível de consumo terá de contrair, reduzindo (ou limitando) os aumentos de receita fiscal. Com a contração do nível de consumo e aumento das taxas de juro, os lucros das empresas diminuirão e como consequência a receita por IRC. Então como iremos pagar o aumento de juros? Aumentando ainda mais a já elevadíssima carga fiscal? Honestamente, acho que não! Aumentos de impostos poderão levar a efeitos negativos na nossa economia que não se traduzem em mais receitas. Assim, a forma imediata de pagar o aumento de juros será com novas emissões de dívida. Devemos ficar preocupados? A resposta é sim! A recessão que se avizinha, conjugada com o aumento dos custos de financiamento podem colocar-nos numa situação idêntica ou pior à que vivemos com a Troika. A diminuição da nossa dívida é a política social mais impopular que existe pois não sentimos um impacto direto na nossa carteira, e como tal é uma política que tende a não promover votos políticos.

Lamento que não seja uma prioridade usar uma parte significativa das receitas extraordinárias geradas pelo recente aumento de preços para pagar parte da nossa dívida. Ao reduzir o nosso endividamento asseguramos que não só podemos pagar juros mais altos, como também podemos mesmo reduzir os encargos financeiros da nossa dívida. Isto garante não só uma folga sustentável na tesouraria do governo, como nos protegemos de potenciais choques futuros à nossa economia. A dívida soberana não deve ser vista como um saco azul ou a resolução de todos os males, muito menos como uma forma de vivermos acima das nossas possibilidades. Deve sim ser vista como uma ferramenta para nos proteger quando é preciso ou para permitir bons investirmos no nosso país, quando não existe financiamento disponível. Quando sofremos um choque negativo como o Covid-19, é importante aumentar a dívida no imediato para fazer face ao contexto. Mas, se já estivermos no teto da nossa dívida conseguimos aumentá-la da forma necessária? A diminuição da nossa dívida é crucial para assegurar que aguentamos o que está para vir. Como é que vamos fazer face à potencial recessão que se avizinha?

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