A recente decisão do governo de antecipar para 2029 o cumprimento da meta de gastos em defesa de 2% do PIB, em linha com os compromissos assumidos no âmbito da NATO, é bem-vinda, mas insuficiente. Num mundo marcado por ameaças crescentes e multifacetadas, a política de defesa nacional não pode ficar refém de objetivos desatualizados e simbólicos. A fixação em percentagens orçamentais, como se fossem a panaceia para a segurança, ignora a realidade complexa que enfrentamos e a necessidade urgente de uma abordagem integrada, baseada em capacidades reais e prontidão estratégica. Mais preocupante ainda é o facto de Portugal continuar a adiar decisões fundamentais que transcendem o mero gasto financeiro, colocando em risco não só a segurança do país, mas também a sua relevância como membro ativo da comunidade internacional.
Vivemos tempos em que os princípios democráticos e os direitos humanos estão sob ataque constante. A guerra na Ucrânia expôs as fragilidades de uma Europa que há décadas tem abdicado de investir seriamente na sua autonomia estratégica. Por outro lado, regimes autoritários como o de Vladimir Putin continuam a testar os limites da comunidade internacional, enquanto nações como a China ou o Irão observam atentamente, à espera de oportunidades para expandir as suas esferas de influência, enquanto minam, desestabilizam e ameaçam nas suas vizinhanças. Não podemos ignorar que a segurança europeia — e, por extensão, a segurança de Portugal — depende de uma combinação de capacidade militar, solidariedade entre aliados e um compromisso firme com os valores fundamentais que unem as democracias liberais. As lições da Ucrânia são claras: não basta atingir o limite de 2% do PIB em gastos com defesa; é essencial ultrapassá-lo, direcionando recursos substanciais para o desenvolvimento de tecnologias avançadas, modernização de sistemas e preparação para as ameaças do século XXI.
Em Portugal, o atraso no cumprimento do objetivo dos 2% reflete a falta de prioridade dada à defesa nacional ao longo das últimas décadas. O debate público sobre a defesa continua a ser superficial, tratado como uma formalidade em vez de uma questão estratégica. Mesmo com a recente antecipação da meta para 2029, estamos perante um caso claro de “too little, too late”. A Oeste, nada de novo: o país mais ocidental da Europa permanece preso a metas mínimas e estratégias desatualizadas, ao mesmo tempo que o resto do continente enfrenta os desafios do século XXI com abordagens inovadoras. Enquanto outros países europeus debatem e implementam conceitos como a “Total Defence”, que integra as dimensões militar, civil e económica da segurança nacional, Portugal continua a agir como se a paz fosse um dado adquirido. A defesa do nosso mar deveria ser uma prioridade central, não apenas para proteger o território nacional, mas também para salvaguardar as ligações europeias com o continente americano. Em caso de escalada de conflito, o mar português será inevitavelmente um dos primeiros alvos, colocando em risco a vida quotidiana dos portugueses e a estabilidade europeia. O sentimento de que ‘a guerra está lá longe’ é ilusório; o Atlântico é uma fronteira crítica que Portugal não pode ignorar.
O conceito de Defesa Total, adotado por países como Noruega, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Estónia, Lituânia, Suíça ou Áustria, representa um modelo de segurança que Portugal deveria estudar e adaptar. Não se trata apenas de equipar as Forças Armadas com armamento moderno, mas de preparar toda a sociedade para enfrentar crises — sejam elas militares, cibernéticas ou ambientais. Isto implica envolver todas as instituições, setores e cidadãos no esforço de defesa, desde as infraestruturas críticas até à resiliência psicológica da população. Portugal é um país com limitações orçamentais, mas isso não significa que deva ficar para trás. Pelo contrário, um modelo de Defesa Total pode ser particularmente eficaz em maximizar os recursos disponíveis, ao mobilizar esforços de forma coordenada entre o setor público e privado, seja associativo ou empresarial. Este modelo exige ainda uma preparação mais ampla da sociedade, incluindo um debate nacional sobre a atratividade do serviço militar ou formas alternativas de participação cívica na defesa. Acima de tudo, a implementação deste modelo fortaleceria a ligação entre os cidadãos e o Estado, reforçando a percepção de que a defesa é uma responsabilidade coletiva, e não um luxo ou exclusividade das Forças Armadas.
Como membros da NATO e da União Europeia, temos responsabilidades não só na proteção das nossas fronteiras, mas também na defesa dos valores que fundamentam as nossas alianças. Portugal não pode, por um lado, assinar compromissos de solidariedade internacional e, por outro, ignorar as ameaças aos direitos humanos e à democracia que proliferam no mundo. A Iniciativa Liberal tem sido clara na sua posição: a defesa dos direitos humanos é uma linha intransponível. Não podemos relativizar ataques à liberdade de expressão, à justiça ou à dignidade humana, sejam eles perpetrados por regimes autoritários ou tolerados por governos democráticos que escolhem ignorar abusos em nome de interesses económicos. Esta ligação entre defesa e valores não é apenas moral; é estratégica. Uma política de defesa nacional coerente deve incluir o combate a ameaças híbridas, como desinformação e ataques cibernéticos, que visam minar as democracias por dentro. Por isso, a Iniciativa Liberal acredita que o fortalecimento da defesa nacional deve andar de mãos dadas com o investimento na educação cívica e na literacia digital, para que os cidadãos estejam preparados para reconhecer e resistir a essas ameaças.
Num momento em que a Europa enfrenta uma das maiores ameaças à sua segurança desde a Segunda Guerra Mundial, Portugal deve assumir um papel mais ativo e visionário. Não basta cumprir metas orçamentais; é preciso liderar pelo exemplo, mostrando que é possível alinhar uma política de defesa moderna com os valores que defendemos internacionalmente. Isto implica não apenas reforçar as nossas capacidades militares, mas também participar de forma significativa nos esforços de solidariedade com nações como a Ucrânia, cuja resistência é crucial para a estabilidade europeia. Adicionalmente, Portugal deve ser um defensor vocal da integração de uma estratégia europeia de Defesa Total, colaborando com aliados para garantir que a Europa esteja preparada para enfrentar ameaças de qualquer natureza. A soberania europeia, tão frequentemente mencionada em debates políticos, só será real quando os Estados-membros estiverem prontos para agir como um bloco unido e independente, com capacidades reais de resposta.
O cumprimento antecipado dos 2% do PIB é uma medida positiva, mas está longe de ser suficiente. Portugal enfrenta um momento decisivo: ou adota uma visão de defesa ambiciosa e integrada, alinhada com os desafios do século XXI, ou permanecerá como um elo fraco numa cadeia que exige resiliência e prontidão. O país precisa de mais do que metas orçamentais; precisa de uma estratégia clara que garanta a sua soberania, proteja os seus valores e assegure a segurança das próximas gerações. Sem uma estratégia clara e ambiciosa, Portugal arrisca ser apenas um espectador num mundo em que a segurança pertence aos que estão preparados para defendê-la.