Um artigo publicado na semana passada na revista Nature anuncia um novo marco em inteligência artificial (IA): pela primeira vez em cinco décadas foram descobertos novos algoritmos para multiplicar matrizes, 10 a 20% mais rápidos do que o algoritmo usado desde 1969. Se pensarmos que se descobriu como acelerar uma operação usada milhões de vezes por todos os computadores, está claro que é um sucesso tremendo da parte da empresa DeepMind, já conhecida por ter usado IA para vencer o campeão mundial do jogo chinês Go. Este anúncio segue-se a um verão quente em progressos na área com novas aplicações de IA para gerar imagens realistas ou mesmo vídeos a partir de breves descrições textuais. Já é difícil acreditar que muitas dessas imagens não foram geradas por um pintor ou desenhador profissional. Tudo aponta para que estejamos no início de uma nova onda de disrupção tecnológica que vai profundamente mudar a forma como vivemos as nossas vidas, as profissões e os negócios que existem.

Os carros autónomos são um bom exemplo. A tecnologia para que os nossos carros conduzam sozinhos ainda está no início e ainda não consegue substituir os condutores, mas começa a ser aplicada a alguns casos de uso mais simples, como condução dentro de armazéns. Se a capacidade de a condução ser autónoma continuar a evoluir, pode tornar-se boa suficiente para guiar um veículo em qualquer condição. Nesse momento, a inovação pode ser completamente disruptiva para profissões como condutores profissionais e mudar por completo a nossa forma de viver. De forma semelhante, muitas outras aplicações de inteligência artificial são já usadas hoje em dia sem que dêmos conta delas: assistentes virtuais (como Google Assistant ou Siri), tradução automática (que está hoje perto de conseguir substituir um tradutor profissional), reconhecimento de texto escrito à mão, ou os exemplos de geração de imagens e vídeo mencionados em cima.

É fundamental que as empresas portuguesas apanhem esta onda de inovação, para que não fiquemos como perdedores num momento de disrupção. Em primeiro lugar, é importante reconhecer o factor exponencial destas melhorias. Uma tecnologia que hoje mal consegue entender uma frase humana, mas que melhora rapidamente, não vai demorar muito a conseguir seguir uma conversa humana. Esta aceleração no ritmo de melhoria da tecnologia tem sido potenciada por várias tendências, como a disponibilidade de quantidades massivas de dados, o aumento do poder de processamento e do número de investigadores na área – segundo a Universidade de Stanford o número de artigos científicos sobre IA cresceu nada mais nada menos do que para o dobro nos últimos cinco anos.

Também é importante saber que inteligência artificial é um termo usado para englobar um conjunto de tecnologias. A vertente mais conhecida de IA tem sido a aprendizagem máquina – machine learning , em que se usam modelos para detetar padrões presentes em dados, mas há várias tecnologias e abordagens diferentes dentro da área a que chamamos inteligência artificial, como por exemplo automated reasoning. As empresas devem por isso estar especialmente atentas às aplicações de IA que estejam a ser utilizadas em negócios diferentes, mas que no futuro possam vir a criar disrupção no seu negócio.

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Os dados são chave para qualquer ambição nesta área. Para além da digitalização de processos e da criação de capacidades técnicas internas, fará sentido para muitas empresas trabalhar com fornecedores especializados. Por exemplo, uma empresa pode tentar desenvolver o seu próprio modelo conversacional para ter bots a interagir com clientes. No entanto, é provável que o modelo seja bem sucedido e robusto se for desenvolvido em parceria com empresas especializadas.

É impossível prever quando ou exatamente como é que uma tecnologia vai ser disruptiva. Apesar de trabalhar há vários anos na área, estou longe de saber o que o futuro reserva, mas tenho a sensação de que estamos mais perto dum momento em que tudo vai voltar a mudar muito rapidamente de formas que nem conseguimos imaginar. Com investimento selectivo sustentado em conhecimento da tecnologia, as empresas portuguesas podem transformar esta incerteza numa oportunidade.

Nuno Carneiro é AI Strategy Manager na OutSystems. É membro da comissão executiva da Associação Portuguesa de Gestão e Engenharia Industrial (APGEI), fundador da academia apartidária Próxima Geração, e coordenador da comunidade cívica Política Para Todos. Foi presidente da European Students of Industrial Engineering and Management. É membro do Global Shapers Lisbon Hub desde 2018.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.