Um milhão e cem mil pessoas morreram nos campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, a maior parte assassinada em câmaras de gás. Entre 1942 e 1945, o regime Nazi deportou para Auschwitz judeus de vários países ocupados (430 mil da Hungria, 300 mil da Polónia, 69 mil de França, 60 mil dos Países Baixos, 55 mil da Grécia, entre outros), 23 mil ciganos e outras dezenas de milhares de dissidentes políticos. Chegavam de comboio e 70 a 75% dos judeus em cada transporte eram imediatamente enviados para serem exterminados em câmaras de gás – maioritariamente as crianças e os mais velhos. Uma câmara de gás chegava para cada transporte, com capacidade para 1500 pessoas. Se em 20 minutos morriam centenas gaseados, a limpeza da câmara durava 4 dias. Por isso havia 4 câmaras, uma para cada dia, para que os comboios não parassem de chegar.

Antes da segunda guerra mundial viviam na Polónia 3.3 milhões de judeus, cerca de 10% da população. Havia uma grande comunidade judaica na Polónia por ter sido um dos países mais tolerantes da Europa durante a idade média. Não foi o caso de Portugal, de onde os judeus foram obrigados à conversão em cristãos-novos ou expulsos pela Inquisição. Em 1506, no Massacre de Lisboa, foram mortos dois a quatro mil judeus às mãos da população que os acusava de serem culpados pela peste. Começou no Largo de São Domingos junto ao Rossio, onde muitos morreram queimados na fogueira.

Conheci Lidia Maksymowicz há duas semanas em Cracóvia. Vi a tatuagem com o número 70072 com que a marcaram quando chegou a Auschwitz aos 3 anos. Hoje é uma das últimas sobreviventes de Auschwitz, não tendo sido enviada para as câmaras de gás por não ser judia. Falou-nos sobre os prisioneiros que se suicidavam contra o arame farpado do campo, as camas infestadas de insetos e o odor fétido vindo do crematório. Uma das memórias mais nítidas que tem é dos sapatos brilhantes dos soldados que vinham buscar as crianças para experiências médicas. Lembra-se que lhe faziam experiências aos olhos, procurando mudá-los para a cor azul.

Ao regressar a Portugal reparei logo à saída do aeroporto num cartaz político com a expressão “Portugal Precisa de uma Limpeza!” e as caras de quatro figuras conhecidas riscadas a vermelho. Tanto o vocabulário (“limpeza!”) como a iconografia não me saíram da cabeça e apercebi-me que o mesmo cartaz está espalhado por todo o lado. Não foi por acaso que me chocou, é a linguagem de sempre nos piores momentos da humanidade, a mesma que incentivou a perseguição aos judeus e outras minorias. É uma linguagem que incentiva ao ódio e à violência.

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Não nos deixemos enganar por quem utiliza esta linguagem. Devemos lutar ativamente para que ela saia do nosso discurso político e público. É o tipo de linguagem que revela o pior em nós e não tem qualquer lugar numa sociedade humanista.

Foi partilhado recentemente um vídeo de uma celebração do fim do Ramadão na praça do Martim Moniz em Lisboa, insinuando que seria uma prática sem lugar em Portugal. A praça do Martim Moniz fica a 300 metros do Rossio.

É legítimo procurar uma alternativa política em Portugal. Não é legítimo procurá-la nos atores políticos que trazem ao de cima o pior da humanidade e se aproveitam de bodes expiatórios para os problemas do país para os quais não têm soluções minimamente competentes.

Nuno Carneiro é membro da comissão executiva da Associação Portuguesa de Gestão e Engenharia Industrial (APGEI), fundador da academia apartidária Próxima Geração, e coordenador da comunidade cívica Política Para Todos. Foi presidente da European Students of Industrial Engineering and Management. É membro do Global Shapers Lisbon Hub desde 2018 e recipiente da Landecker Democracy Fellowship 2022/2023.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.