O Governo anunciou esta semana que no próximo ano não voltaria a haver um travão à subida das rendas, pondo fim a uma medida que vinha a distorcer o mercado de novos arrendamentos. A subida máxima de 2% para a atualização de rendas imposta este ano protegeu quem tinha um contrato de arrendamento, mas contribuiu para um disparo nas novas rendas. Antecipando novos limites para a atualização das rendas, os senhorios que colocaram imóveis no mercado este ano pediram à cabeça valores mais elevados para compensar qualquer futuro limite por parte do Governo. Ajudou-se quem já tinha um contrato de arrendamento, prejudicou-se quem procurava nova casa para morar.

A expressão inglesa “2nd and 3rd order effects”, que arrisco traduzir como “efeitos de segunda e terceira ordem”, tem sido cada vez mais utilizada e pode ajudar-nos a explicar este fenómeno das políticas públicas que ajudam uns e inadvertidamente prejudicam outros. Na prática, esta é uma expressão que nos convida a refletir sobre as consequências indiretas de certas ações ou medidas. No caso de uma medida de travão à subida de rendas existentes, o exemplo de consequência de segunda ordem é que, uma política que em princípio faria sentido para proteger os inquilinos (congelar rendas), acaba por prejudicar novos inquilinos por aumentar o valor de novos contratos. Uma consequência de terceira ordem seria uma paragem no investimento na reabilitação de casas, tal como aconteceu durante os muitos anos em que os centros das nossas cidades se esvaziaram por causa do congelamento das rendas.

Os partidos mais à esquerda fazem mais vezes este tipo de erros quando trabalham políticas públicas nas áreas da economia de mercado, errando na previsão das consequências de segunda e terceira ordem no sistema económico como um todo. Criam-se medidas que à primeira vista parecem muito boas, mas se formos ver as consequências de segunda e terceira ordem dessas medidas acabam por se revelar muito negativas. Na área da saúde, muito discutida hoje, vamo-nos apercebendo das consequências da recente medida de fechar parcerias público-privadas que comprovadamente serviam bem, e a um custo justo, os utentes. Esta semana o Governo esteve bem ao perceber que estava a distorcer o mercado para novos arrendamentos, optando antes por outro tipo de apoios aos inquilinos.

Mas não são só os partidos de esquerda a fazer estes erros. Enquanto à esquerda se falha mais vezes a prever consequências indiretas de políticas económicas, à direita falha-se nas consequências de políticas públicas sociais. Os partidos de direita têm muitas vezes incapacidade de avaliar o impacto positivo de medidas sociais. Por exemplo, pede-se por vezes a criminalização do consumo de drogas sem perceber que a consequência de segunda ordem disso é efectivamente aumentar o problema que estão a tentar corrigir; ou quando se propõe reduzir apoios sociais às famílias de baixos rendimentos, sem perceber que são essas as medidas que mais podem contribuir para que elas deixem de precisar desses apoios no futuro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Tanto à esquerda, como à direita, o populismo vive de propostas que à primeira vista parecem boas, mas cujas consequências indirectas seriam péssimas. Chamamos demagogos aos que conhecem perfeitamente as más consequências do que propõem, mas que propõem essas medidas na mesma só para ganhar votos.

Não é uma inevitabilidade que se façam políticas públicas sem pensar nas suas consequências indirectas. É para isso que servem os think tanks e centros de estudos (de que Portugal tem carência). Podemos ser menos dogmáticos e identificarmo-nos menos com ideologias; ser mais analíticos, desenvolvendo práticas de avaliação de impacto de políticas públicas ao longo do tempo. Devemos estudar o que já foi feito noutros países e trazer uma abordagem de pensamento sistémico para a política. A qualidade do nosso futuro depende da capacidade de criarmos políticas públicas bem estudadas e eficazes.

Nuno Carneiro é fundador da academia apartidária Próxima Geração e coordenador da comunidade cívica Política Para Todos. Foi presidente da EuropeanStudentsof Industrial EngineeringandManagement. É membro do Global ShapersLisbonHub desde 2018 e recipiente da LandeckerDemocracyFellowship 2022/2023.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.