Escrevo estas linhas no sábado antes das eleições em resposta à entorse constitucional feita pelo Presidente da República no recado dado através do Expresso no último dia da campanha, e que não vi desmentido.
Sou militante do PSD, voto na AD e confio que Luís Montenegro será o próximo primeiro-ministro. Mas…
50 anos depois do 25 de Abril políticos, analistas e comentadores ainda encaram as eleições como um jogo em que se ganha ou se perde.
Cinquenta anos depois do 25 de Abril o Presidente da República ainda considera que o mais votado deve ser quem governa, ainda que não tenha o apoio da Maioria do Parlamento e que se vota em primeiros-ministros e não em partidos conforme determina a constituição. Presidente que em nome da estabilidade aceitou e conviveu bem com a solução política da geringonça, que nunca esteve em cima da mesa nas eleições de 2015 e tão longe estava das hipóteses que nunca alguém perguntou a António Costa se pensava nessa solução; em que quem formou governo foi o segundo partido mais votado.
O mesmo Presidente que agora manda dizer que prefere que o País se mantenha no caos a o PSD lhe indicar para chefiar um Governo com o apoio da maioria da Assembleia da República, alguém que não Montenegro.
A dissolução da Assembleia da República com António Costa assemelha-se à dissolução da AR nos tempos do Governo Santana Lopes que resultou da apreciação que Jorge Sampaio fez da atuação do primeiro-ministro e governo e não da sua legitimidade, pois lhe deu posse.
Nada tem a ver com a situação de um Partido em que, tendo o apoio da maioria da AR, indica um outro nome para primeiro-ministro que não aquele que encabeçou as eleições. Aliás o próprio Jorge Sampaio escreveu no prefácio do livro com os discursos dos seus mandatos: “A decisão de nomear um novo Governo sem recorrer a eleições parlamentares foi muito difícil e, na altura, muito mal compreendida junto de sectores que pessoalmente me eram muito próximos, mas, em nome do interesse nacional e da racionalidade e estabilidade do funcionamento do sistema político, entendi e entendo que foi a melhor solução. De outro modo, estar-se-ia a dar mais um passo, e talvez irreversível, numa indesejada primoministerialização do nosso sistema. Ou seja, partir do princípio que a maioria não tinha o direito de me indicar um novo primeiro-ministro era partir do pressuposto que as eleições parlamentares servem essencialmente para eleger um primeiro-ministro e que a saída do primeiro-ministro em funções exige, sempre, a realização de novas eleições parlamentares. Esse passo não o dei e entendo que o sistema político ficou a ganhar com tal decisão”.
A constituição diz: “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (Artigo 187.º). Ou seja, diz que a responsabilidade é inteiramente do Presidente da República. Não diz que este tem de escolher o líder do partido mais votado, nem que a escolha tenha de recair sobre quem liderou a campanha. Diz sim que tem de ter em conta os resultados eleitorais. O que significa que o Presidente da República deve nomear, e só deve nomear, quem se lhe apresentar com o apoio de mais de 50% dos deputados da AR.
Sem prejuízo de a primeira pessoa a convidar para lhe apresentar uma solução de governo seja o líder do partido mais votado e que se este o não o conseguir convide o segundo partido (e, em tese, assim sucessivamente até encontrar quem lhe garanta o apoio dos 50% da AR).
Por isso se discorda do “recado” de que nomeará o líder o partido mais votado mesmo que este não lhe garanta uma maioria da AR (ainda que que convoque novas eleições e aquele fique em gestão), bem como se discorda da hipótese de não aceitar um outro nome que o PSD lhe indique , caso Montenegro renuncie, e que, tendo sido legitimado pelo Congresso do seu partido, garanta o apoio de mais de 50% de deputados, preferindo dar posse a um Governo de Gestão minoritário do PS num contexto em que a esquerda é minoritária.
Finalmente não se pode deixar de discordar fortemente da ideia de um Governo sem apoio de 50%+1 da AR. Por duas ordenas de razões:
1 – A questão democrática1
A democracia é o governo da maioria. E a maioria é 50%+1
Não é o governo da maior minoria.
As eleições não são um jogo para ver quem ganha e quem perde. São sim um método para encontrar um governo da maioria (com suporte de 50%+1 dos deputados)
A Democracia assenta também na dialética entre um Governo com suporte de mais 50% da AR e uma Oposição de mãos livres que tem, antes de mais, de representar o seu eleitorado e que não pode ser responsabilizada pelas políticas e orçamentos (elemento consagrante das escolhas políticas de quem governa) do Partido que Governa. A existência de um Governo Minoritário resulta da opção exclusiva de quem governa. Não pode assim pedir suporte a quem tem um ideário diferente e está na oposição.
Quando os eleitores não dão a maioria absoluta a um só partido a leitura a fazer é que querem um Governo de Coligação. Não dar uma maioria absoluta a um só partido significa que “chumbam” o propósito desse partido (ou conjunto de partidos), de governar sozinho.
É assim em todo o mundo democrático. Na Europa a maioria de governos são de coligação. Na Alemanha tivemos até a grande coligação entre os Sociais Democratas e Democratas Cristãos. Um Governo de Bloco Central à Alemã. Governos de Minoria que existem são verdadeiras exceções e por especificidades particulares
Disse sobre este tema Sá Carneiro na noite das eleições de 1976, quando Soares avançou com a ideia de fazer um Governo Minoritário: “Não se trata de qualquer aliança se os outros partidos na Assembleia da República vierem a desaprovar o programa de governo. Parece-me que a posição do nosso partido neste momento em que se realizaram eleições democráticas no nosso país, com claro sentido que efetivamente confirmou a necessidade de uma coligação. O partido que a rejeita é que assume a responsabilidade plena das consequências de querer governar sozinho, ainda que amanhã veja desaprovado o seu programa de governo ou veja votadas moções de desconfiança. Essa sim, será uma responsabilidade histórica” (Discursos de Sá Carneiro- Instituto Sá Carneiro-Volume 4 pag 171).
Assim, a existência de governos minoritários, a acontecer, não deve depender da decisão do mais votado, mas apenas por opção assumida dos partidos que ficam na oposição (como aconteceu com os Governos minoritário do PS em que, havendo maioria de esquerda, o PSD acordou essa solução para manter o PC afastado do governo)
Se à revelia dos outros partidos, então, como bem disse Sá Carneiro, a responsabilidade é por inteiro de quem assim decidiu. E será também do Presidente da República que a aceitou.
2 – O Realismo e a preocupação com o País
É absolutamente irrealista ignorar o estado em que os governos socialistas deixaram os serviços públicos. Todos os serviços públicos. Por, em 8 anos, não se ter investido nem se terem atualizado as condições salariais e de carreira das várias profissões ligadas ao Estado, situação esta agravada pela inflação e inúmeras aposentações
Pegar no País no estado em que ele está, a que acrescem os crescentes conflitos internacionais, sem ter o suporte de uma maioria na AR é loucura política e falta de preocupação com o País.
Basta lembrar a tremenda oposição que teve o Governo de Passos Coelho, apesar de ter a maioria absoluta e estar a executar o Programa que o PS acordou com a troika. Como será possível governar e fazer reformas com apenas 40% e com oposições ferozes à esquerda e à direita?
Tentar repetir o que fez Cavaco Silva é esquecer que ele beneficiou de um PRD recém-chegado, mas à espera de um presidente (Ramalho Eanes) que nunca chegou e que até simpatizava com Cavaco Silva. O PRD dividiu a esquerda e, sem Eanes, desmoronou-se nas eleições seguintes. Desta vez a “direita” é que está dividida e o Chega tem um presidente presente e superativo.
Por outro lado, a geringonça mostrou que os partidos que fazem acordos para viabilizar um governo ficando de fora dele têm mais influência do que estando dentro. Veja-se como o Bloco de Esquerda conseguiu que António Costa deitasse para o lixo a proposta de Lei de Bases da Saúde do seu próprio governo (Adalberto Campos Fernandes/Maria de Belém Roseira) e a trocasse por outra muito mais à esquerda. Depender de um 3º partido é submeter-se à sua chantagem durante toda a legislatura. Queremos isso?
Apostar na repetição de eleições não só é inútil como será desprezar o Pais.
Preocupar-se com o País, em vez de com o clube partidário, implica conseguir um Governo competente, coeso e alinhado numa estratégia económica e social reformista, sustentado por uma maioria (>50%) estável na AR.