Faço parte da geração que se movimenta sem saber bem para onde ir.
O discurso é sempre o mesmo: buscamos uma melhoria das condições materiais, uma vida mais digna, uma ascensão social que aqui, neste país à beira-mar plantado, nos parece irrealizável. Mas o que não confessamos é que, subjacente a essa decisão, reside um impulso mais profundo, uma inquietação quase ontológica: a necessidade de fugir, de transcender os limites geográficos e existenciais que esta terra nos impõe, para alcançar a necessidade da validação exterior. Não saímos para ser, mas sim para parecer.
Nós vamos porque o mundo exterior nos chama e nos consome com os seus intermináveis filtros de Instagram. Queremos estar em todo o lado, a todo o tempo, não só para aumentar a nossa riqueza, nem para escapar à rotina das nove às cinco, mas para agradar à vontade da maioria da vaidade, que vê Portugal como o mais absoluto vírus do tédio.
Qual Aristóteles, qual Schopenhauer! Já passou o tempo da prevalência do espírito e dos bens da alma. O que agora importa são as bandeiras dos países que visitei, os cafés que bebi nos insípidos terraços europeus e as selfies que tirei dos cenários que escolhi para adornar as narrativas que cuidadosamente cultivei para alimentar esta existência efémera e digital. Chamo-lhe a “nova estetização da existência”, uma narrativa que se constrói a partir de fragmentos colecionáveis, de um espólio de aparências e representações, de forma a esconder a verdadeira vida precária e a vacuidade interior que muitos de nós sentimos.
Esta obtusidade de espírito é muitas vezes mascarada pelo falso dilema da necessidade, como se ao jovem português apenas estivesse reservado, ou o destino da falência nacional, ou a virtude da fantástica emigração. Não confessamos, no entanto, que nas urbes e suburbes das capitais da modernidade, as ruas não são de ouro. Pelo contrário, são labirintos de solidão, onde o exilado é condenado a subsistir em cubículos minúsculos e insalubres, por onde a chuva nasce mais que o sol, e o salário não faz juz à Terra Santa prometida.
Viverão melhor do que se vivessem no interior português, mesmo a ganhar menos? Ou nos subúrbios de Londres, no industrial-distópico alemão, nas aldeias esquecidas da antártica Noruega, alheios à miragem de uma vida cosmopolita e livre, o sacrifício pelo dourado é menor?
É que, para mim, quando a vontade transcende a mera procura de oportunidades e se torna numa fuga metódica à própria identidade (e, até, estabilidade), o corajoso não é aquele que emigra, mas sim aquele que dá ao nosso país o mais sincero esforço da força de vontade, sem nunca reduzir Portugal ao “direito” de viver em Lisboa ou no Porto.
Se não nego – pois tal levar-me-ia à mais descarada utopia – que em Portugal não vivemos como poderíamos viver, e que as nossas oportunidades e respetiva qualidade de vida não assistem à potencialidade do país, também sou incapaz de negar a hipocrisia de muitos que vão, sem ir para melhor, ou sem saberem bem o porquê de ir.
E se não nego, de igual forma, que faz parte do espírito e da vontade do jovem a busca por novos horizontes e a descoberta do mundo, sou também incapaz de não questionar as verdadeiras intenções que subjazem à maioria das nossas convicções, contrárias à descoberta pelo conhecimento e cultura.
Será que corremos o mundo, ou corremos pelo mundo? Será que o queremos conhecer, ou apenas que os outros nos conheçam a partir dele? Será que bebemos do cálice do desenvolvimento pessoal e profissional, ou, com tanto movimento que demos, não chegámos a sair do ponto de partida?
É que no fim, aquilo que mais ansiamos é mostrar que fomos, que vimos, que existimos no estrangeiro, ainda que apenas como sombras da vida que imaginávamos ou gostaríamos de ter. Ao que parece, somos a geração que explora o mundo, mas que permanece, em grande parte, inexplorada por ele e desaproveitada pelo nosso próprio país.