O Governo apresentou, no passado dia 1 de junho, o Plano 21|23 Escola+, enquanto estratégia de atuação para um investimento na mitigação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens dos alunos, no seu bem estar emocional e no combate às desigualdades que se agravaram não apenas durante os períodos de confinamento e encerramento das escolas, mas durante toda a duração desta etapa em que a escola funcionou num contexto de incerteza, por trás de máscaras, com restrições e dificuldades.
Os alunos em risco de insucesso viram a sua vulnerabilidade aumentada.
Se em 2020 fomos apanhados de surpresa, 2020/2021 foi um ano letivo preparado com tempo, com orientações precisas divulgadas antes do verão, com afetação de recursos adicionais para a recuperação das aprendizagens e para o apoio aos alunos. Crucialmente, previu-se a manutenção do regime presencial para todos os alunos que, por qualquer circunstância, a escola sinalizasse como em risco de exclusão na modalidade à distância.
Também agora, com o tempo da preparação, da recolha de dados e de evidências, com ponderação e com perspetiva de sustentabilidade imediata e futura das medidas, o Plano 21|23 Escola+ permite um planeamento atempado e acompanhado dos próximos anos letivos, sem arrivismos ou soluções dos franchisings educativos que, sem nunca terem visto um aluno ou uma escola, tudo prometem resolver em poucas semanas. Com a humildade necessária a quem propõe ação em tempo de incerteza, o plano apresentado inclui medidas pedagógicas, de eficácia atestada, assentes na confiança nas escolas e nos seus profissionais, num exercício de autonomia sem precedentes na história da escola pública. Contempla ainda medidas de capacitação dos profissionais, de aquisição de recursos para a deteção de dificuldades e intervenção em domínios específicos (leitura e escrita, matemática e ciências experimentais, artes e humanidades), expande os apoios para novas realidades territoriais, com uma atenção especial às populações migrantes, infraestrutura as escolas públicas com equipamentos, rede, livros, recursos digitais e tecnológicos que se colocam ao serviço das aprendizagens.
É no mínimo estranho que haja comentadores que, enviesados pelas suas próprias análises e pela visão, necessária mas restrita, da economia da educação, façam leituras apressadas deste Plano e tentem desmerecê-lo, porque não encaixa nas suas próprias propostas. Percebe-se que uma oposição bastante vazia de contributos, como evidenciado pela bancada do PSD no debate na Assembleia da República no dia 8 de junho, proclame a alegada vagueza das medidas. Felizmente, o próprio PSD se esclareceu a si próprio, fazendo as contas às dezenas de propostas apresentadas. O PSD confunde liberdade de atuação das escolas com vagueza, ocultando que essa mesma liberdade nunca foi rotulada depreciativamente quando esse mesmo partido a reservava para o setor privado. Afinal, porque tem o PSD medo da autonomia das escolas? Mais precisamente, porque só tem medo da autonomia das escolas públicas?
Já é menos compreensível que, sob o manto da análise académica, se repitam chavões que, se não proviessem de especialistas com provas dadas, se pensaria que eram também afirmações de manifesto partidário.
Em artigos de opinião ou nos tweets de alguns académicos, repete-se há meses que o Governo português, ao contrário de outros, começou tarde, não fez nada, não preparou. Ignora as medidas de acompanhamento às escolas e os recursos produzidos para apoio aos alunos que se começaram a disponibilizar desde 15 de março de 2020, bem como o investimento em recursos que foi feito desde setembro. Mais grave, desconsidera que, fazendo apenas as contas ao período entre 2015 e 2019, as escolas portuguesas têm um aumento de cerca de 6100 professores, de mais de 500 psicólogos e outros técnicos. Porque foi esse o período em que se implementaram medidas estruturais para o combate à pobreza em contexto educativo (com a criação de mais um escalão ASE, com distribuição de refeições nas férias ou com a gratuitidade dos manuais escolares) e para a melhoria das aprendizagens, como o Apoio Tutorial Específico, para acompanhamento a pequenos grupos de alunos, o reforço de crédito horário para escolas TEIP, aliados a um trabalho de profundidade sobre o currículo português e sobre a inovação pedagógica ao serviço das aprendizagens e da inclusão. Tudo isto antes de haver pandemia.
Um exercício de boas contas sobre o investimento português na recuperação das aprendizagens não começa no dia em que os especialistas em contas descobrem que as desigualdades existem. O Governo e as escolas não precisaram de um vírus para descobrir as desigualdades. O combate à pobreza em educação é um caminho de vários passos que têm gerado melhores resultados. Assim, o exercício económico poderia ter em conta as seguintes variáveis: qual o investimento público no reforço de professores em tutorias, desde 2016/2017, qual o investimento público no Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, qual o investimento público no alargamento do crédito horário para agrupamentos TEIP, qual a tradução em resultados no facto de todas as escolas disporem de uma bolsa de 7 a 11 horas semanais por turma para o trabalho de acompanhamento aos alunos, qual o investimento público no programa Escolhas, qual o investimento público no reforço de técnicos.
O argumento martelado de que o Reino Unido investiu muito mais em tutorias do que Portugal esconde duas dimensões fundamentais: o facto de termos iniciado o trabalho de tutorias e mentorias há bastante tempo; o facto de a solução do Reino Unido se ter traduzido num enorme outsorcing a empresas externas às escolas dos alunos, grande parte delas sem qualquer experiência em matéria educativa e com custos suportados apenas parcelarmente pelo estado. Por cá, sabemos que os professores, nas suas escolas, em parceria com os técnicos e as comunidades, têm formação e competência para acompanhar os alunos. E esse é o investimento continuado e agora reforçado em que apostamos. Sem copy-paste de outros, sem gráficos em que se intersecionam valores absolutos com percentagens, sem pensar que só comprando serviços externos é que a escola pública é capaz.
João Costa
Secretário de Estado Adjunto e da Educação