Portugal mereceu um destaque positivo no sumário executivo do relatório PISA por ser um de sete participantes e o único estado membro da OCDE a apresentar uma trajetória consistente positiva.

Este é um motivo de contentamento para todos, que contraria as visões catastrofistas sobre o sistema educativo português, geralmente alicerçadas em comentários em torno do pseudo-conceito de facilitismo. É também um motivo para não embarcar em narrativas simplistas sobre os resultados. Os três volumes do relatório PISA têm 1100 páginas, com um manancial de dados com correlações e descritores que devem suscitar muitas reflexões.

Mas, numa lógica bastante simplista e facilitista, o PSD tem tentado construir narrativas fáceis e, por isso, necessariamente enganadoras. Vejamos: em 2015, porque houve uma oscilação positiva dos resultados, o PSD fez uma festa, atribuindo o melhor desempenho dos alunos à introdução de exames no quarto e no sexto ano. Apesar de amplamente demonstrado, o PSD omitiu que a coorte de alunos em causa não tinha feito quaisquer exames, para além dos do nono ano. Cavalgando a omissão propositada, quantas vezes não ouvimos o PSD dizer que era uma desgraça abolir exames precoces tendo em conta os excelentes resultados nos testes internacionais. Que a narrativa não batia certo com os dados era irrelevante. Nem sequer batia certo com o facto de muitos dos países com melhores resultados não terem exames precoces. Em 2015, o PSD tentou alegar que os alunos das vias profissionalizantes tinham melhores resultados porque provinham dos cursos vocacionais. Percebeu-se rapidamente que era mais uma narrativa, dado que os dados públicos sobre a amostra não distinguiam entre vias profissionalizantes (vocacionais, artísticos ou profissionais), mas, novamente, o facto de a realidade não aderir à narrativa era irrelevante.

Na altura, o Governo recusou entrar em narrativas e comprometeu-se a solicitar um estudo de avaliação dos impactos das políticas públicas nos resultados de 2000 a 2015, que foi agora apresentado e fornece evidência para a mesma conclusão a que o relatório PISA também chega: a importância de fatores múltiplos que atravessam vários governos.

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Passam-se três anos, perante os resultados de 2018, o PSD titubeia entre novas narrativas. A imprensa e os analistas mais atentos tornam claro que os alunos de 2018 já foram abrangidos pelas medidas do governo PSD/CDS. Não é possível adivinhar se o PSD antecipava uma subida elevada dos resultados, para avançar com a narrativa “fomos nós”, ou uma descida para dizer “foram eles e nós avisámos”. A nova narrativa tornou-se mais difícil, porque na verdade há uma estagnação dos resultados: nem melhoram, nem pioram significativamente. Assim, o PSD investe em duas frentes: o ex-ministro da Educação aposta numa interpretação da estagnação dos resultados como fruto de uma cultura contra a avaliação (surpreendente dado que tem havido um investimento significativo dos serviços do Ministério em formação e iniciativas na área da avaliação formativa e da complementaridade entre avaliação interna e exames). Mas esta análise é ainda mais surpreendente, tendo em conta que os alunos de 2015 não tinham feito exames e tiveram resultados relativamente melhores do que os de 2018, que os fizeram! Ainda mais dignas de espanto são as declarações do vice-presidente do PSD, David Justino, quando afirma que o Governo mascara os resultados, por serem piores do que em 2015. Recorde-se: em matemática, a pontuação obtida é exatamente a mesma; em leitura há uma descida sem relevância estatística (e ninguém tem dúvidas de que David Justino sabe estatística); em ciências há uma descida significativa de 9 pontos numa escala de 0 a 1000, acompanhando uma preocupante descida global nos países sujeitos a avaliação. Tenta, assim, construir-se a narrativa de 2018: o Governo oculta dados! Curiosamente, não ouvimos uma falta de entusiasmo perante resultados essencialmente idênticos há três anos, quando até se mostrou que havia uma excessiva exaltação pelos resultados absolutos (correspondentes à alegria por ter uma média de dez valores como classificação final). O Governo não oculta nada, tanto mais que os discutimos com uma seriedade que em nada espelha a sequência de narrativas sem fundamento que aqui relato. Pelo contrário, afirmámos, nas declarações dos membros do Governo, que estes resultados, encerram três notícias principais. Uma boa notícia sobre a tendência ascendente consistente ao longo de duas décadas. Uma notícia preocupante de estagnação de resultados; uma má noticia por se constatar que Portugal mantém como problema principal a equidade, tendo-se agravado o fosso entre os alunos com melhor e pior condição socioeconómica. De 2015 para 2018, houve uma evolução negativa neste indicador. Curiosamente, David Justino desconsidera-o, ignorando que é compósito nos estudos da OCDE e, sobretudo, tentando construir uma narrativa em que sabemos que não acredita, tendo em conta os contributos que deu enquanto Presidente do Conselho Nacional da Educação sobre desigualdades na educação.

Como referi, o PISA tem um enorme conjunto de dados. Com pistas interessantes: correlações entre investimento público e resultados, correlações entre medidas pedagógicas e a sua eficácia, com a constatação de que – contra uma representação muitas vezes alimentada por alguns setores – não há uma diferença qualitativa entre escolas privadas e públicas.

Estes dados merecem estudo, apropriação e foco. Não merecem leituras simplistas nem narrativas que evoluem e se alteram consoante os aproveitamentos das personagens envolvidas.

Temos razões para contentamento? Sim. Preservamos a trajetória ascendente. Parabéns aos professores, principais construtores deste trabalho.

Temos motivos para continuar? Sim, porque os resultados ainda podem crescer muito e porque o combate às desigualdades através da educação é o principal motivo para termos um sistema público de educação.