Ao fim de duas semanas do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, a Organização Mundial de Sáude (OMS) anunciou que 18 estabelecimentos de Saúde tinham sido alvo dos ataques, aéreos e terrestres, russos. Estas agressões, confirmou também a OMS, causaram pelo menos 10 mortes e muitos mais feridos. Números que, aparentemente, não incluiam ainda os mais recentes bombardeamentos a um hospital pediátrico e maternidade em Mariupol, que originaram, no mínimo, 17 feridos, havendo, segundo as autoridades ucranianas, crianças e mulheres, grávidas e puérperas, soterradas sob os destroços dos edifícios.

Afortunadament,e nada sabemos sobre guerra, mas conhecemos bem hospitais e outras instalações de saúde. E é por isso que escrevemos esta reflexão.

Perante a tragédia civilizacional que sempre ocorre durante qualquer guerra, o desumano atingimento de edifícios civis, nomeadamente dos que albergam serviços de saúde, parece ser o padrão e a não exceção deste confronto bélico.

A crise humanitária na Ucrânia, considerando apenas o elevado número da perda de vidas humanas, é já devastadora e vai agravar-se, constituindo uma verdadeira catástrofe com severos impactos globais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Recordamos que, durante o século XX, a nível mundial, ocorreram aproximadamente 200 milhões de mortes em cenários de conflito, com terríveis consequências para a Humanidade.

Os ambientes de guerra originam cerca de nove mortes indiretas por cada ‘baixa’ mortal em combate direto, afetando, de forma irreparável, as populações civis. A esta atrocidade, somam-se graus variáveis de incapacidade – física e mental – nos cidadãos sobreviventes, atingidos e feridos durante as batalhas. Não é, assim, difícil perceber o assutador impacto humanitário de qualquer guerra.

Estamos perante uma radical disfunção do quotidiano e uma quebra do sentimento de segurança. Mas assistimos também à evolução, sem cuidados adequados, das doenças crónicas não transmissíveis, a um impacto enorme na saúde mental dos cidadãos, à disrupção ambiental, à inoperância de infraestruturas essenciais e à reemergência de várias doenças infecciosas. Sem esquecer ainda a interrupção de redes logísticas e de abastecimento, a rotura do fornecimento e segurança alimentares, bem como a restrição da capacidade assistencial, incluindo o suporte médico. Ora, tudo isto está na origem de incalculáveis consequências na Saúde Pública e de uma profunda quebra do compromisso geracional.

Falamos da destruição dos pilares fundamentais da Saúde e da própria condição humana, do tecido coletivo da organização social, das relações familiares e interpessoais e dos próprios espaços em que vivemos.

A crise migratória regional avassaladora, o risco internacional de insegurança (química, biológica, radiológica e nuclear), a escalada de ciber-ataques à escala mundial (com disrupções de redes críticas, incluindo as dos Cuidados de Saúde), os incontornáveis impactos económicos e sociais globais, o agravamento das desigualdades e o aumento da fome em distintas regiões do nosso planeta faz-nos perceber a importância fulcral, diríamos mesmo vital, de limitar esta e qualquer guerra, salvaguardando a Sáude e a Vida Humana.

Num momento em que diversas unidades de saúde e os seus profissionais e utilizadores sofrem ataques continuados na Ucrânia, relembramos o princípio essencial do direito humanitário, da neutralidade médica, cuja grosseira violação arrisca vidas humanas e viola regras éticas essenciais.

Neste penoso contexto, as palavras valerão pouco, mas são a única arma que sabemos manejar com o objetivo de procurar o bem comum, na direção de uma sociedade melhor e de uma ordem internacional mais respeitadora, mais saudável e mais feliz.

Professor Catedrático e Diretor Científico da u.me: unidade de medicina exponencial da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa e Diretor do Serviço de Reumatologia, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental CHLO-EPE, Hospital de Egas Moniz
Professor Auxiliar Convidado e Diretor Executivo da u.me: unidade de medicina exponencial da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa